domingo, 23 de outubro de 2016

Silvestre Alves: “PRESIDENTE NUNCA É OBRIGADO A ACEITAR A PROPOSTA DO PAIGC”

O líder do Movimento Democrático Guineense (MDG), Silvestre Alves, afirmou durante a entrevista ao semanário O Democrata que o “Presidente da República nunca é obrigado a aceitar a proposta do PAIGC”. Acrescentou ainda que o Chefe de Estado tem uma margem de responsabilidade para assumir este ou aquele candidato, contudo advertiu que o Presidente deve fazer um exercício sobre as propostas apresentadas.

O político, que igualmente ocupa a função de porta-voz do Grupo dos cinco partidos políticos sem assento no parlamento (MDG, PSD, Aliança Socialista, Partido Trabalhista e PALOP), falou para a rubrica ‘Grande Entrevista’ com o intuito de fazer uma análise política sobre o ‘Acordo Político’ alcançado, em Conacri, entre os protagonistas da crise política e parlamentar que abala o país.

Avançou neste particular que o novo primeiro-ministro a ser indicado pelo Chefe de Estado deve ser uma figura susceptível de assumir essa responsabilidade, bem como deve ser uma figura conhecida, que tenha dado provas. Uma figura em quem o país se reveja.

O DEMOCRATA (OD): O acordo assinado em Conacri refere, entre outros pontos, a escolha de novo primeiro-ministro de consenso pelo Presidente da República e a formação de governo inclusivo. Na opinião do MDG ou do Grupo dos cinco partidos, o acordo alcançado pode ser uma solução para a saída da crise?

SILVESTRE ALVES (SA): Necessariamente, depois de todas as dificuldades e todos os constrangimentos que se foram sucedendo ao longo do tempo, já lá vão 14 (catorze) meses e alguns dias, portanto, é de saudar este acordo. Infelizmente, lamentamos que não tivesse sido resolvido mais cedo, através do diálogo. Foi necessário enfrentar todas as dificuldades, todos os atrasos, provocando grandes perdas e enormes sacrifícios para a população, assim como para o país. Neste momento temos de saudar o acordo e agradecer os mediadores que permitiram que as partes se sentassem e chegassem a um acordo.

OD: Acha que seria possível alcançar um acordo melhor aqui no país?

SA: Eu penso que as partes tinham o dever de ter obtido um acordo em tempo útil, porque a cada dia que passa aumenta-se o prejuízo para a Guiné-Bissau, mas que o país não pode suportar. Prejuízo de mais de um ano é muito grave.

Os actores políticos tinham o dever de ter conseguido resolver o problema num prazo de 60 (sessenta) dias, o mais tardar. Estas coisas podem ser resolvidas em 15 dias. Portanto, tinha que se chegar a um consenso, ouvir as pessoas que deveriam ser ouvidas e não era necessário ir a tribunal. A situação estava muito clara. Quando as pessoas não são capazes de perceber isso, dificilmente poderão ser governantes,porque não consiguem ler a constituição nem compreender as soluções que a lei estabelece.

Mesmo havendo diferentes leituras, mesmo havendo contradições, é possível chegar a um entendimento sem grandes delongas, porque há limite de interpretações. A interpretação não deve conduzir ao absurdo. As partes tinham o dever de encontrar uma solução, e se não fossem capazes de encontra-la por si mesmas, poderiam a partir daí recorrer à arbitragem, que nomeassem figuras isentas que as representassem na discussão e resolução dos problemas que eles provocaram.

Por exemplo, a perda ou não do mandato dos 15 deputados foi uma questão que complicou o processo, com leituras praticamente absurdas, só para quem não percebe o que é um edifício democrático. Portanto, são problemas que poderiam ter sido ultrapassados.

OD: O que é que originou o extremar de posições das partes desavindas?

SA: A nosso ver, o extremar de posições tem a ver com excesso do protagonismo, o excesso do interesse pessoal e da ganância dos ditos governantes. O país está refém dos seus políticos. E os políticos não conseguem perceber que não é justo. Pelo contrário, é desonesto tentar enriquecer-se a custa da política. Todo aquele que queira enriquecer-se, que queira construir palacetes, que os construa à custa do seu trabalho e do seu esforço.

Infelizmente, ao invés de fazê-lo por conta próprio, preferem ir buscar essas condições no desempenho de funções públicas, prejudicando e dando mau exemplo à toda nova geração. São prejuízos inaceitáveis que explicam o prolongar desta crise. Esperemos que a lição de Conacri tenha ecos e que dê frutos. Mas por aquilo que assistimos até hoje, não estamos tranquilos, embora estejamos com esperanças que o espírito de Conacri prevaleça nas cabeças das pessoas e que se continue a procurar entendimentos para concluir o processo.

OD: Fala-se dos três nomes propostos para chefiar o novo executivo: O General Umaro Sissoco Embaló, Augusto Olivais, ambos do PAIGC e do banqueiro João Aladje Mamadú Fadia. Que nome poderá reunir consenso entre as partes signatárias do acordo e que inspire confiança ao Chefe de Estado?

SA: Não me cabe opinar sobre a figura que poderá reunir mais consenso. Cabe-me ver e, nos termos do acordo, eventualmente opinar o que para mim poderia ser um entendimento, em caso de dificuldade das partes. Parece-me a mim que qualquer destas figuras pode ser objecto de discussão. Todavia, no meu modesto entender, uma figura susceptível de assumir essa responsabilidade deverá ser uma figura conhecida, que tenha dado provas e uma figura em quem o país se reveja.

Não podemos promover aventureiros e nem servidores pessoais. Estamos a gerir o negócio, ou seja, o assunto da República, uma questão de interesse público. Ouvi o apelo de uma associação de promoção da paz para o desenvolvimento, que chamou a atenção exactamente para isso. Que a figura (a escolher) não pode ser alguém que esteja ligado a negócios particulares de ninguém.

Se for um procurador, um intermediário, um agente de alguém, ou seja, na sua vida privada, ninguém tem nada a ver com isso, desde que não prejudique a República. Agora, pegar esses ilustres desconhecidos, gente de estatura duvidosa para pô-los a frente dos destinos do país…já tivemos o caso do Doutor Baciro Djá. Foi uma lição. Os nossos parceiros retiraram-se. Vamos correr o risco outra vez de nova retracção? Então, aí teremos de chamar à responsabilidade a quem tiver provocado essa situação.

OD: Augusto Olivais é um nome que reúne mais consenso?

SA: Como digo, não quero ir por aquilo que se deve fazer. Ou seja, não devo procurar influenciar nada, portanto não me compete dizer quem deve ou nao ser o própximo Primeiro-ministro. O que devo dizer é que quem não deve ser promovido, para não chegarmos outra vez ao impasse. As figuras que claramente nos indicam se forem os preferidos, corremos sérios riscos de voltar a ter alguns constrangimentos no nosso relacionamento com os parceiros do país. Aí sim, acho que é nosso dever, aliás, é dever de cada cidadão dizer cuidado… atenção…

Porque não são as figuras com mais ou menos, ou melhor, que estão em pé de igualdade em termos de possibilidade de servirem o país. Eu, na qualidade de um autor extra da crise, não devo imiscuir–me, interferir ou influenciar de alguma maneira as decisões.

OD: MDG defende também que o poder ou direito de governar deve ser devolvido ao PAIGC, como o vencedor das últimas eleições?

SA: Isto agora não é uma questão de ver a opinião deste ou daquele. Não! Há uma coisa, o Presidente tinha a maior liberdade de indigitação, depois da fragmentação do PAIGC.
PAIGC perdeu claramente a maioria no parlamento, então, não era a força que podia determinar quem deve ser o Primeiro-ministro. O Presidente nunca é obrigado a aceitar a proposta do PAIGC, cuidado… Ele tem uma margem de responsabilidade para assumir este ou aquele candidato, mas tem de fazer mais ou menos este exercício que eu estava a fazer. Se ele entender que o candidato indicado não é uma pessoa idónea, tem o dever de dizer não… E pedir ao partido vencedor das eleiçoes que indique outra figura.

Ora, Conacri trouxe um aspecto novo. A leitura que se faz da Constituição e que foi de alguma maneira integrada no acordo, é o pendor presidencial do sistema do regime. Agora há uma maior intervenção do Presidente: tem que ser uma pessoa da confiança do Presidente. Não basta que o Presidente tenha alguma coisa contra, agora deve ser até pessoa de confiança. O chefe de Estado sai daqui algo reforçado.

Mas também, o acordo diz que os 15 deputados reintegram-se sem mais condições no PAIGC. Ora, se os 15 retomarem seus lugares no PAIGC, o partido sairá também reforçado. Então, o que quer dizer que o Presidente da República tem que buscar um entendimento com todos, mas essencialmente com o PAIGC.

Não sendo possível um consenso entre os três vectores ou tripartido, uma vez que os 15 diluiram-se no PAIGC, regressaram à casa, agora estão em causa os três ou se quisermos, os cinco partidos com representação parlamentar. Portanto, devem ser ouvidos. Todavia, o PAIGC como força com maior representatividade no parlamento é incontornável! Nessa medida, o Presidente deverá levar em maior consideração a posição do PAIGC.

OD: O PAIGC, através do seu líder, continua a defender que o regresso do Grupo de 15 deputados dissidentes será feito na base do respeito dos estatutos do partido. Essa posição dos dirigentes dos libertadores não complica o processo de regresso daqueles dirigentes, decidida através do acordo de Conacri?

SA: Penso que o caso é a forma do regresso dos 15 deputados. No acordo fala-se também do respeito às normas do partido, mas isso não quer dizer que vamos voltar outra vez às clivagens. Se for para voltar às clivagens, então alguém está a sabotar o entendimento chegado em Conacri.
Para nós, a aplicação dos textos deve igualmente ter em consideração o princípio de‘status quo ante’ que está implícito no acordo. Isto é, voltemos atrás para reintegrar os 15 sem condições, de forma a respeitar o texto do acordo. Isso quer dizer que doravante respeitam-se os textos.

OD: Algumas vozes defendem que com o regresso dos 15 ao partido e a consequente resolução da crise, seria o Presidente da República quem sairia a ganhar. Defende a mesma opinião ou tem uma explicação contrária…

SA: Para nós, não nos importa olhar as coisas por esse prisma, sobre quem sai a ganhar ou a perder… Pensamos que o acordo tentou reequilibrar os pratos da balança, porque como eu disse no início, por um lado, reforçou-se o pendor presidencial.

Poderíamos apenas dizer que se clarificou o pendor presidencial, mas não posso deixar de entender que houve um pouco de um toque de reforço. Também houve um reforço do PAIGC e quer-se retirar os protagonismos às partes, no que toca à manutenção do próximo Primeiro-ministro no posto. O acordo pretende que o novo chefe do executivo, a ser escolhido, exerça o seu mandato até às eleições.

Isso demonstra que há uma preocupação do acordo em equilibrar os interesses. Mais do que isso, um ponto que poderíamos eventualmente esquecer é a questão do Pacto de Estabilidade. Tudo isso para nós é desejável, mas para funcionar como deve ser tem que haver, ou seja, será aconselhável que seja negociado um Pacto de Estabilidade, que estabeleça a responsabilidade e a transparência na tomada das decisões institucionais.

Ninguém tem as mãos livres neste acordo. Este ponto do acordo é um ponto menos evidente, porque não foi suficientemente desenvolvido, mas é um ponto da extrema importância. Porque se não houver a transparência para garantir que ninguém vai aproveitar-se para se enriquecer à custa do Estado e em detrimento de quem não conseguiu representar-se, então o acordo poderá acabar por ser pernicioso e acabará ao meio de percurso por levantar novas crises.

É preciso que haja um esforço neste sentido de responsabilização e de transparência na gestão da coisa pública.

OD: Ainda se regista um pessimismo da parte de alguns observadores políticos, em relação ao cumprimento de acordo, sobretudo no concernente a escolha da figura do Primeiro-ministro, que será o objecto de consenso das partes signatárias de acordo. E no entender destes observadores, a única solução da crise é a dissolução do parlamento. Partilham a mesma ideia com esses observadores ou têm opinião diferente?

SA: Dissolver o parlamento agora seria a galinha mágica! Não. Dissolver o parlamento é dizer que os deputados não têm nada a fazer e que fiquem aí e a receber os seus dinheiros, porque é mesmo assim, até que se façam novas eleições ou até que sejam substituídos.

Acho que esta é uma falsa questão. Eu estaria de acordo se isso trouxesse alguma coisa de novo. Agora dissolvendo ou não o parlamento vai ter que se acordar um tempo mínimo para realizar as eleições. Um tempo mínimo para realizar as eleições, seis meses nessas circunstâncias vão ser suficientes? A meu ver, não! Estamos em outubro e se fizermos as contas, então as eleições legislativas seriam em Abril de 2017, que exactamente é o momento crucial do interesse do nosso povo, por causa da campanha da castanha de cajú.

Não estamos a ver a possibilidade de fazer as eleições em Abril e nem em Maio. Em Junho, teremos as chuvas e quem é que me garante que haverá dinheiro para realizar as eleições em Abril ou Maio!? Isso é uma incógnita… Será que temos a situação dos cadernos eleitorais regularizada e garantida? São vários os problemas que tornam difícil a realização das eleições no prazo de seis meses.

OD: A dissolução do parlamento não é a solução neste momento?

SA: A dissolução do parlamento não é factor determinante para a resolução do problema. É verdade que ninguém pode ficar descansado, depois de termos passado mais de 14 meses em ‘lengalengas’ e ter de ir à Conacri para resolver a crise. E ainda, ao que parece, o Presidente da República entende que só depois de vir de Cabo Verde é que vai nomear um novo Primeiro-ministro.

Parece que está tudo em ordem… lamentamos muito que o Presidente da República tenha decidido assim. Urge que a situação seja realmente ultrapassada, porque temos a situação das escolas pendente.

Não se devia perder um só dia na formação das crianças. Se algum governante não tiver a consciência disso, então eu estou aqui para dizer que este governante não tem consciência das suas responsabilidades. Aproveito até para dizer, a semelhança daquilo que se está a falar, que há negócios obscuros que não se sabe…

Viagens cujos proveitos não compreendemos. Especulações de dinheiros aqui e dinheiros alí. Conflitos por causa de ofertas de dinheiro… ou mesmo se se oferecem individualmente a pessoas ou ao país. Se há cofres à disposição do fulano ou do beltrano, que faça o favor de encaminhá-los para o Tesouro Público.

Que façam o favor de desbloquear a situação das escolas, porque nós não podemos estar mais uma vez a perder um ano lectivo. As pessoas pensam apenas no seu umbigo e isso não é ser governante, mas sim ser oportunista.

OD: A quem o Grupo dos cinco partidos imputaria a responsabilidade desta crise política e parlamentar que já se arrasta há 14 meses?

SA: Procuramos sempre fazer uma análise mais objectiva. Nós compreendíamos que eventualmente puderia ser necessário demitir o governo em 2015. Podemos até compreender isso, mas aceitar também as nomeações que se fizeram… Não podemos aceitar a forma atabalhoada como o processo foi conduzido. Então, no nosso entender, a responsabilidade é de todos.

A responsabilidade ainda é de quem pôs em causa a sua governação e em particular pela forma como geriu o negócio público. Por exemplo, a questão da compra da dívida pública que acabou por tornar-se num escândalo da gestão dos assuntos públicos, bem como evidenciou uma falha em toda a medida, sobretudo o uso abusivo dos meios públicos.

Essas situações todas dão-nos mais campo para dizer que, em certa medida, o Presidente da República tinha razão quando demitiu o governo. No entanto, o Presidente pôs a sua razão em risco pela forma como conduziu o processo. Isso não significa dividir as responsabilidades ‘salomonicamente’, nada disso! É ver as coisas com serenidade e analisá-las friamente para se chegar a uma conclusão.

A responsabilidade, neste caso, poderia ser unicamente do primeiro-ministro e da força política que o elegeu, mas infelizmente acabou por ser também da presidência. É bom dizer ainda que a postura equilibrada da ANP também teve altos e baixos.

Nos momentos menos adequados teve baixos que acabaram por contribuir para agravar a situação. Dentro do próprio PAIGC registou-se momentos de avanços e recuos de piões em claros jogos dos interesses pessoais que, no entanto, acabaram por prejudicar o interesse público.

A responsabilidade da crise que vigora no país é partilhada pelos atores políticos que estão na ribalta. O povo deste país tem os olhos abertos e está a entender ou a acompanhar o processo. Portanto, se chegar o momento estará à altura de responsabilizar cada um pelos seus actos cometidos.

OD: Como é que o Grupo vê a posição assumida pela sociedade civil neste processo que está quase a chegar o seu fim…

SA: Infelizmente a sociedade civil tem de ser mais madura. Também deixou-se envolver nisso, onde de um lado arregimentada e do outro foi jogada. Teve momentos menos bons. Estou a falar apenas da parte da sociedade civil que não integra a designada entidades religiosas. Damos os nossos parabéns pelos esforços que têm vindo a desenvolver.

Mas a outra parte associativa da sociedade civil deixou algo a desejar com as suas instabilidades e as suas mudanças de posição que não se mostraram suficientemente explicadas. É natural que nos enganemos na nossa análise e que tenhamos uma posição errada, mas há situações em que a forma como foi envolvida até assumir a uma posição x, tornou-os responsáveis pelos maus efeitos da sua decisão ou da sua participação.
 
Por: Assana Sambú/Sene Camará
Foto: Marcelo N’Canha Na Ritche
odemocratagb.com

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