O início tardio da compra da castanha de cajú junto dos produtores da Guiné-Bissau leva beira da fome a população do setor de Bigene, região de Cacheu, revelaram os camponeses dessa localidade que dista a seis quilómetros da República do Senegal, onde atualmente os intermediários pagam 750 francos CFA por quilograma, enquanto no território nacional, concretamente em Bigene, um quilo de Ouro guineense é vendido, na prática, nada menos de 500 francos CFA.
Mesmo com o anúncio pelo Governo central do começo da campanha de comercialização da castanha de cajú, alguns populares de Bigene revelaram aos microfones da reportagem do Jornal O Democrata que não venderiam o seu produto a menos de mil francos CFA, preço fixado a 24 de Março em Gabú pelo Presidente da República, José Mário Vaz, aquando da abertura oficial da presente campanha. Esse valor tem provocado boicotes na compra do maior produto de exportação do país.
A fome afetou famílias em Bigene devido a má colheita verificada na última campanha agrícola 2017, quando se registou uma baixa enorme em termos de produção de arroz devido a subida do nível médio das águas do mar. A água salgada danificou bolanhas e os cereias cultivados. Esse fato levou às famílias a depositarem esperanças na presente campanha de comercialização da castanha, tendo como referência o preço de mil francos praticado no ano passado, 2017. Porém, o início tardio complicou a vida de muitos, alguns até afirmam que estariam a passar muita fome.
O outro fenómeno que fustiga os populares do setor de Bigene tem a ver com a fraca produção dos cajueiros este ano, fato que a nossa equipa de reportagem constatou ao longo das artérias de Bigene, sobretudo, quando nos deslocamos à zona limítrofe entre a Guiné-Bissau e Senegal.
No âmbito da nossa reportagem sobre a presente campanha, percorremos uma das vias que dá acesso a República do Senegal. Passámos pelas localidades de Sindina e Djambancunda, ambas aldeias da Guiné-Bissau e chegamos a aldeia de Yaran no Senegal, donde seguimos para Mangaroungou Santo, no território senegalês.
Não se nota muita movimentação de gente em campanha de comercialização da castanha, apesar de haver produtores a vendê-la a 500 francos o quilo.
Na deslocação ao Senegal, O Democrata descobriu que há muita facilidade na mobilidade. Isto é, a movimentação nas zonas limítrofes entre a parte guineense e senegalesa, durante a nossa viagem à localidade de Mangaroungou Santo, não vimos nenhum agente de defesa ou de segurança, tanto na nossa entrada como à nossa saída do território senegalês. As vias de ligação não são das melhores, sobretudo na parte guineense. Na parte senegalesa a estrada é asfaltada, a um pouco mais de 1km da foronteira, o que facilita a mobilidade de viaturas, motorizadas, bicicletas, carrochas de burro e cavalo e dos peões.
Na percurso entre o setor de Bigene e o Senegal é vicível a importância das plantações de cajú na sociedade guineense e senegalesa, porque são pomares e pomares de cajueiros.
Descobrimos ainda que no Senegal um saco de arroz de 50 quilos custa 14250 francos CFA, por vezes 14 mil e ou ainda menos, para quem compra grandes quantidades. Na Guiné-Bissau o preço oscila entre os 16 e 18 mil francos CFA.
Como a castanha insere-se dentro do sistema agrícola, entendemos que a agricultura vai além do cajú. A nossa equipa de reportagem soube, em Bigene, da existência de uma enorme plantação de bananeiras no Senegal, na aldeia de Mangaroungou Santo. O nosso repórter constatou in loco a dimensão da plantação de bananeiras que ocupa uma área de três quilómetros quadrados (3 km²), empregando diretamente 177 pessoas. A quinta foi batizada com o nome de ‘Gie Ndima Assadia’, em homenagem ao fundador da tabanca de Mangaroungou Santo que respondia pelo nome homónimo. Mangaroungou Santo fica a cerca de 2 quilómetros de Yaran, ambas aldeias do Senegal.
A plantação ‘Gie Ndima Assadia’ produz quantidades significativas de bananas que, além de abastecer o mercado senegalês, são também exportadas para a Gâmbia e Guiné-Bissau. A nossa equipa de reportagem foi recebida por quatro funcionários que se fizeram de guias.
Em Mangaroungou Santo há pomares de cajú. O curioso foi termos constatado que alguns desses pomares encontram-se de um e do outro lado da foronteira.
Também, é visível a porosidade em termos de controlo entre as duas partes, devido a inúmeras vias de acesso para os dois territórios, por caminhos criados por guineenses e senegaleses como forma de se comunicarem melhor e exercer as suas atividades comerciais. Prova disso foi que percorremos uma dessas vias na ida, outra no regresso. Na ida saímos de Bigene e passamos pelas tabancas de Sindina e Djambancunda, ambas na Guiné-Bissau e entramos no Senegal pela aldeia de Yaran. No regresso saímos de Mangaroungou Santo, passamos pela tabanca de Yaran e Djiribam. E entramos no território nacional pela aldeia de Samodje, onde está uma pequena estrutura militar guineense. De seguida passamos por Tabadjam, Mbaneia e finalmente Bigene.
Os habitantes de Samodje, a meio caminho entre Bigene e Senegal e uma das tabancas mais populosas de Bigene, afirmaram que não venderiam a sua castanha a um preço inferior a mil francos CFA.
A mesma posição foi manifestada pelo chefe da tabanca de Bigene, Queba Camará, que em declarações à reportagem do jornal O Democrata disse que não venderia a sua castanha, justificando que se o preço subir acima dos 500 francos não teria como recuperar a quantidade vendida.
Camará lamenta aquilo que chama de abandono da população de Bigene pelo Estado da Guiné-Bissau, acrescentando que em grande parte os bigenenses dependem mais do Senegal, apontando a péssima situação da estrada que liga setor de Bigene a seção de Ingoré, um percurso de 33 quilómetros mas em muito mau estado, como exemplo desse abandono. Por essa razão, os comerciantes e cidadãos comuns recorrerem ao Senegal para resolver seus assuntos.
Dentro do território guineense, para a região de Oio, os 41 quilómetros que ligam Bigene e Farim, também a estrada se encontra em péssimas condições.
“Aqui quase tudo vem do Senegal, além da água em sacos de plástico e o açúcar que nos trazem de Bissau. Tudo isso leva-nos a pensar que talvez não somos guineenses. Sentimo-nos abandonados pelo Estado da Guiné-Bissau e dependemos apenas do Senegal”, lamentou Queba Camará.
Camará disse que até esta data os populares de Bigene estão a passar fome devido ao atraso na presente campanha, assim como da má campanha agrícola 2017.
O chefe tradicional admitiu que as pessoas atravessam a fronteira de uma forma clandestina para vender a sua castanha para se sustentarem, porque, no país aguardava-se o tão falado preço de mil francos CFA. Agora as coisas inverteram-se e manda a lei da livre concorrência, reiterando que não venderia o seu produto por menos de 1000 francos CFA.
Na sua visão, as pessoas arriscam a atravessar a foronteira, mesmo sabendo que há agentes colocados nas matas para fiscalizar. Mas elas fazem tudo isso para salvar suas famílias da fome que assola o setor. E alguns vendem aos compradores nacionais a 500 francos CFA. Diz que é difícil controlar a fuga de castanha de cajú tendo em conta as inúmeras vias existentes para entrar no território senegalês.
O representante dos Comerciantes do Setor de Bigene, Idrissa Seidi, lamenta o atraso na presente campanha, porém diz compreender que no comércio há momentos altos e baixos. Reconhece, contudo, as consequências negativas para os seus colegas de profissão que operam em Bigene.
IDRISSA SEIDI DEFENDE UMA CAMPANHA RENTÁVEL PARA TODOS
Idrissa Seidi disse que ele, além de ser comerciante e intermediário no setor de cajú, também é produtor. Este último fato levou-o a aplaudir o preço fixado pelo Presidente José Mário Vaz, mas seria ótimo se o valor fosse rentável e praticável.
“Nós trabalhamos com empresários em Bissau, como intermediários, fizemos diligências. Mas até então ninguém disponibilizou o dinheiro para a compra da castanha. Alguns garantem que desembolsarão em breve alguns fundos. Durante um mês ficamos parados sem fazer nada. Os empresários só disponibilizam dinheiro onde têm a certeza do retorno do valor investido”, nota.
Seidi vê o outro lado da campanha de comercialização da castanha de cajú, especificamente do setor de Bigene. Apontou o advento da época da chuva, período no qual muitas empresas de aluguer de camiões não aceitam disponibilizar as suas viaturas para entrar em Bigene, devido às péssimas condições da estrada.
A mesma situação verifica-se com no processo de abastecimento do mercado de Bigene em produtos alimentares da primeira necessidade na época chuvosa, sublinhando que Bigene não tem estrada, mas sim caminhos.
Para Idrissa Seidi é preocupação dos comerciantes e produtores de Bigene ter acesso fácil ao mercado nacional, porque cada cidadão não gosta de tirar o seu produto para vender no mercado alheio, sobretudo um produto estratégico como é o caso da castanha, mas se isso está acontecer é porque as pessoas não têm como fazer. Reiterou ainda que cada povo gosta de ver valorizado o seu produto interno. Pediu aos governantes no sentido de pensarem na melhoria da situação de isolamento em que se encontra há muitos anos o setor de Bigene.
No que refere à liberalização do mercado de comercialização de cajú a nível nacional, Seidi revela que os intermediários que têm dinheiro disponível estão a comprar. Mas a maioria ainda não recebeu os fundos para iniciar a compra junto dos produtores desta zona fronteiriça, mesmo a um preço mínimo de 500 francos CFA.
Para o responsável dos comerciantes de Bigene, o início tardio da presente campanha, deixou pobre os comerciantes, justificando a sua tese em como os populares, sempre que precisam de algo recorrem sempre aos comerciantes, sublinhando que na qualidade de clientes têm que estender as mãos às pessoas que necessitam.
“Sempre que há dificuldades, nós comerciantes e a população partilhamo-las. Nunca vamos ao Estado pedir apoios ou empréstimos. A população procura os comerciantes para os empréstimos. Nestas circunstâncias, ficamos fracos em termos económicos, porque não há rendimento no seio da população para comprar os nossos produtos”, nota Idrissa Seidi.
Acrescentou que o bom período de campanha de comercialização de cajú é dois meses, entre Abril e Maio, sobretudo com a especificidade do setor de Bigene, tendo apelado neste particular às autoridades no sentido de pensarem muito nesta situação que inquieta os comerciantes e população.
Solicitado a pronunciar-se sobre a facilidade de abastecer o mercado se a partir do Senegal ou de Bissau e sobre qual das opções é mais fácil e rentável para os comerciantes de Bigene, Seidi respondeu que devido às taxas e outras contribuições, preferem Bissau apesar das péssimas condições da estrada. Porém, admitiu que compram alguns produtos no Senegal, mas em pouca quantidade.
O Democrata soube que as medidas de fiscalização instaladas na linha fronteiriça limitam bastante o abastecimento do mercado local em produtos alimentícios da primeira necessidade vindos do mercado senegalês. Mesmo assim, a população faz lá as suas compras, sobretudo do arroz.
Considera saudável a relação entre as autoridades locais e os comerciantes do setor, assinalando que as autoridades locais conhecem bem as dificultardes dos comerciantes desta localidade fronteiriça.
Relativamente à situação de compra ilegal de arroz aos olhos das autoridades locais, Idrissa Seidi disse que é bom evitar daquilo que o Estado achar ilícito, ressalvando que dada a situação geográfica de Bigene seria difícil proibir a entrada de produtos provenientes do Senegal. E exemplificou: se um cidadão tiver dinheiro e quiser comprar arroz no Senegal, ele pode recorrer a sua bicicleta ou motorizada. Seis quilómetros depois poderá comprar o seu arroz sem problemas. E pediu ao Estado da Guiné-Bissau para refletir cuidadosamente sobre a situação da população de Bigene, reiterando que nunca vão desafiar o Estado, mas que o povo vai gritar de socorro se ficar cansado.
“Estamos a trabalhar para a população, por isso, devemos trabalhar juntos com o Estado da Guiné-Bissau para que haja produtos disponíveis para os cidadãos, evitando a necessidade de pedalar até a fronteira para comprar um quilo de arroz. Se o mercado local estiver bem abastecido, mesmo sendo uma diferença de 50 francos, acredito que ninguém se deslocaria até ao Senegal para comprar produtos. Isso preocupa-nos. Como comerciantes, é nosso trabalho e o assumimo-lo”, explica Idrissa Seidi.
AFABU CRÍTICA MONOCULTURA DE CAJU E PEDE CAMPONESES A DIVERSIFICAREM A PRODUÇÃO
Por seu lado, o presidente da Associação dos Filhos e Amigo de Bigene Unida (AFABU), Ibo Camará, criticou a monocultura de caju e considera-a como sendo uma fábrica de preguiçosos no seio da comunidade camponesa guineense. Em sua visão, a rentabilidade de caju é zero.
Camará disse que a monocultura da castanha de caju serve para que as pessoas continuem sentadas a sombra, fazendo nada, acreditando que dispõem de uma tonelada de arroz debaixo da cama e que podem ficar sem fazer outros trabalhos agrícolas. Neste caso, apontou o exemplo da via que liga a localidade de Ingoré a Farim onde se vê apenas plantações de caju na berma da estrada, fato que lamenta bastante.
“A campanha de comercialização de cajú 2017 acabou há pouco tempo a um preço de mil francos o quilo, mas as pessoas já estão a viver na miséria, porque cultivaram apenas o caju. As plantações ocupam um espaço enorme e produzem pouco, tudo por falta de instrução aos camponeses sobre a melhor forma de plantar os pomares de caju. As matas estão a ser cortadas desenfreadamente para plantar caju, sem se pensar em outras produções paralelas ao caju”, assinalou Ibo Camará, para de seguida afirmar que o país pode produzir outros produtos além do caju.
AFABU assinou um acordo de parceira com uma empresa indiana. Pretendem modificar os hábitos agrícolas da zona. No âmbito dessa parceria, já está em construção um campo agrícola de 140 hectares onde serão plantadas disciplinarmente pomares de caju e outras plantas como melão, banana e demais produtos.
Por: Sene Camará
Foto: SC
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