Jornal Odemocrata / 27/03/2022 [REPORTAGEM março 2022] A Associação dos Padeiros Tradicionais da Guiné-Bissau alertou que, se persistir a crise de farinha, o mercado nacional poderá ficar sem pão, devido ao não funcionamento da empresa que fabrica a farinha na Guiné-Bissau e a crise entre a Rússia e Ucrânia, dois gigantes produtores de cereais no mundo, disse Suleimane Baldé secretário da organização. A falta de farinha tem provocado a especulação do preço do pão no mercado e a população que, em grande parte utiliza esse alimento no seu pequeno-almoço, queixa-se do tamanho e do preço a que é vendido o pão.
Em entrevista ao Jornal O Democrata para falar da subida do preço da farinha e da escassez do pão no mercado nacional, Suleimane Baldé, Secretário da Associação dos Padeiros Tradicionais, explicou que atualmente os padeiros estão a enfrentar uma crise em adquirir o produto, devido à subida do preço da farinha.
Segundo Suleimane Baldé, a fábrica não está a produzir farinha, o que torna cada vez mais difícil encontrar o produto no mercado.
O ativista denunciou que os comerciantes que importam esse produto, escondem-no nos armazéns ou vendem-no seletivamente aos chamados “clientes fixos”, para de seguida sublinhar que a crise instalada no leste europeu com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia está a refletir-se na importação e na subida de preço da farinha.
Suleimane Baldé disse não ter dúvidas que a guerra entre a Rússia e a Ucrânia pode ter muitas consequências negativas para a África, principalmente a Guiné-Bissau, porque “é um país que depende muito de produtos do exterior”.
Suleimane Baldé avisou que se o Estado guineense não intervir para regular os preços deste produto, poderá trazer muitas consequências para o setor privado e com reflexos imprevisíveis para a sociedade.
Suleimane Baldé exortou o Estado a acionar os mecanismos necessários para negociar a fixação de preços dos produtos nacionais e os importados para precaver eventuais situações que possam complicar ainda mais a vida das populações, caso contrário “haverá fome e protestos”.
Informou que para além da farinha, os preços de outros produtos, nomeadamente açúcar, neste momento oscilam até setecentos francos CFA.
“Temos ainda o registo da subida do preço de outros produtos no mercado nacional. Se o governo não intervir, os comerciantes e consumidores acabarão por sofrer consequências” referiu, para de seguida assegurar que a população precisa de pão diariamente.
O secretário da Associação dos Padeiros Tradicionais apelou ao governo a baixar as taxas ou isentar despachos de produtos da primeira necessidade, para que o povo possa ter poder de compra, contudo, disse que terá que ser mediante um controlo rigoroso dos comerciantes.
Dados estatísticos indicam que um saco de farinha custava 21.500 francos CFA, mas depois de uma reivindicação desencadeada pelos panificadores o preço baixou para 20.000, o que terá levado o pão a ser vendido 150 francos CFA. Dada a escassez do produto, os padeiros tradicionais, que fazem pão apenas com o stock, decidiram acelerar o preço e diminuir o tamanho do pão, por precaução, e aguardar pela evolução da situação na Ucrânia e na Rússia.
Questionado sobre as negociações que estavam em curso entre a associação e o governo, Suleimane Baldé esclareceu que não tiveram os resultados esperados, porque a sua organização contava que os fornecedores e fabricadores fizessem parte dessas negociações.
“Não vamos negociar com o governo sem fornecedores, nem fabricantes. Vamos aguardar pelas futuras consequências”, afirmou.
Quanto à subvenção, assegurou que desde o período da pandemia da Covid-19 o governo nunca subvencionou, nem sequer alocou um centavo a seus associados.
O Democrata soube que a Associação dos Padeiros da Guiné-Bissau conta atualmente com 650 associados na capital Bissau e legitimamente registados. Face a esta situação, o ativista apelou ao executivo no sentido de assumir as suas responsabilidades e diligenciar os mecanismos necessários para pôr fim a esta situação de “subida descontrolada” de preços no mercado.
SECRETÁRIO-GERAL DA ACOBES ALERTA QUE FALTA DE FARINHA TEM CONSEQUÊNCIAS DIRETAS NO CONSUMO
O Secretário-geral da Associação de Defesa de Consumidores da Guiné-Bissau (ACOBES), Bambo Sanhá, alertou, na entrevista exclusiva ao Jornal O democrata, que o aumento e a falta da farinha no mercado nacional terão as suas consequências diretas nos consumidores Afirmou ter informações de que a empresa importadora, que tem o domínio do produto farinha no mercado, voltou a aumentar o preço da farinha, o que terá consequências diretas no consumo porque, conforme disse, quando os padeiros queixam-se de perdas por venderem o pão a 150 francos CFA quem acabará por sofrer as consequências são os consumidores ou a população em geral.
Bambo Sanhá confirmou ter constatado há muito tempo a rotura de produtos e a especulação de preços dos produtos de primeira necessidade no mercado nacional.
Segundo o secretário-geral da ACOBES, essa situação vem se arrastando há mais de um ano e de forma reincidente, com consequências diretas na vida dos consumidores e das populações.
O ativista frisou que a sua organização, depois de ter detetado anomalias, fez várias diligências, lançando grito de socorro, denúncias, para que entidades competentes tomassem medidas para baixar os preços dos produtos, reduzir as dificuldades e garantir que a população tenha o poder de compra.
De acordo com Bambo Sanhá, a crise da pandemia da Covid-19 teve consequências negativas na economia, no mercado nacional e na vida dos cidadãos, criando rotura de alguns produtos assim como houve um aproveitamento ” exorbitante” de alguns comerciantes que aumentaram “abusivamente” as suas margens, aproveitando-se da escassez de produtos no mercado.
Bamba Sanhá sublinhou que foram feitas sensibilizações, tanto para os comerciantes como para as autoridades, para permitir que a situação fosse corrigida a tempo, mas nada melhorou e “foram surpreendidos com o aumento do preço da farinha”.
“Fomos surpreendidos com as informações do aumento do preço da farinha e, consequentemente, recebemos informações que há uma ameaça iminente de o preço do pão subir de 150 para 250 francos CFA”, explicou.
O ativista revelou que, no meio dessas especulações e informações não confirmadas, desencadearam-se de imediato negociações “intensas” a nível do ministério de comércio, envolvendo a Associação dos Padeiros, os Importadores e a Associação dos Consumidores, razão pela qual o aumento do preço do pão não aconteceu em grande escala, embora tenha sido registado em algumas partes de Bissau e no interior do país.
Perante estes fatos, Bambo Sanhá exigiu a intervenção urgente das autoridades do Estado para ou corrigir a situação ou encontrar soluções aos problemas antes que seja tarde, tendo em conta que a situação do pão é um assunto “muito delicado e sério”, que poderá provocar a criação de um movimento social ou revolta de muita gente e de grande dimensão.
“Apesar de o preço do pão manter-se entre os 150 e 200 francos CFA, graças às negociações feitas no passado com o ministério de comércio, constatou-se a redução do tamanho do pão, o que significa que estamos a falar ainda de aumento. Porque antes, o tamanho era 400 gramas e agora passou para 300 gramas “, frisou.
Bambo Sanhá revelou ao jornal O Democrata que depois de uma audiência na Presidência da República, o empresário que importa este produto havia garantido que continuaria a fornecer o produto ao mercado sem rotura e que manteria o preço razoável num espaço de seis meses, mas não cumpriu.
O Secretário-geral da Associação de Defesa de Consumidores da Guiné-Bissau disse não compreender o porquê de um operador económico sair do Palácio da República e no dia seguinte decide aumentar o preço do produto com a alegação de que a guerra entre a Rússia e a Ucrânia fez o preço subir mais de cem por cento.
O Secretário-geral da ACOBES insistiu na sua tese e disse que a guerra entre a Ucrânia e a Rússia não se reflete de “forma automática” no mercado nacional, porque “é preciso tempo suficiente para ter reflexos negativos no mercado.
“A farinha não é da origem ucraniana, nem da Rússia. É um produto que sai da Holanda, portanto mesmo que saísse dos dois países da Europa de leste em guerra, não justificaria uma reposição imediata ou automática no aumento de preços”, notou Bambo Sanhá.
De acordo com Bambo Sanhá, para além de não ser um produto da Ucrânia ou da Rússia, a farinha em questão já estava no mercado nacional antes da guerra de um mês e picos.
“Não há motivos para aumento de preços dos produtos da primeira necessidade, uma vez que não houve aumentos de taxas ou impostos”, defendeu.
O Secretário-geral da ACOBES aproveitou a ocasião para reforçar o apelo ao governo liderado por Nuno Nabian no sentido de subvencionar bens de primeira necessidade, como forma de estabilização dos seus preços no mercado nacional, à semelhança de outros países do mundo.
Bambo Sanhá lançou um desafio aos consumidores no sentido de mudarem hábitos de alimentação ao pequeno-almoço e recorrer a outros alimentos, nomeadamente inhame, batata doce, cuscuz, banana entre outros, para não depender só do pão na dieta dos guineenses, mas sobretudo neste momento em que se verifica aumentos e falta da farinha no mercado nacional.
Frisou que há necessidade de o governo incentivar e subvencionar os agricultores para produzirem em quantidade e qualidade a fim de permitir que os produtos nacionais sejam mais baratos e acessíveis.
A nossa reportagem fez uma passeata pelas ruas dos bairros de Bissau e no centro da cidade para constatar nos locais onde se vendem pães trouxe um registo de um mercado de pão deserto.
A presença dos vendedores de pães era quase nula nos espaços de maior concentração desse alimento, sobretudo na chapa de Bissau e Caracol.
Mamadu Baldé, um dos vendedores de pão entrevistado pelo O Democrata, lamentou que o preço da farinha tenha subido bastante. Mamadu Baldé acusou os comerciantes de estarem a comercializar a farinha muito caro, razão pela qual subiram o preço de pão de 150 para 200 francos CFAS para compensar as perdas. De acordo com Mamadu Baldé, compram um saco de farinha a 24 e 25 mil francos CFA.
Perante esta situação, pediu a intervenção do governo a baixar as taxas e impostos para poder permitir que comprem a farinha a um preço razoável para colocar pães em quantidade no mercado e, consequentemente, vendê-los a um preço acessível para os consumidores.
Por: Carolina Djemê
Foto: C.D