07/12/2020 / Jornal Odemocrata
[REPORTAGEM S49_2020] A atividade comercial e económica na região de Gabú está em baixa, devido à falta de poder de compra do consumidor e os prejuízos derivados dos efeitos consentidos pelos comerciantes estimam-se, de acordo com os homens dos negócios abordados pelo repórter, em cerca de um bilião de Francos CFA. A crise económica e comercial que assola atualmente aquela região, a maior região económica e comercial da Guiné-Bissau, deve-se à pandemia do novo coronavírus (Covid-19) que traumatizou o mundo e a Guiné-Bissau.
Os dados foram revelados ao Jornal O Democrata pelo presidente da Associação da Defesa dos Comerciantes da Região de Gabú (ADCRG), Mamadu Bailo Djaló “Djaló Cinhu”, em entrevista exclusiva para falar da situação higiénico-sanitária real do mercado local, da falta do poder de compra dos consumidores, dos efeitos da pandemia do novo coronavírus nas atividades dos comerciantes e feirantes do mercado municipal e da atuação da inspeção-geral do Comércio e das alfândegas regionais.
Explicou na entrevista que o primeiro passo dado pela organização criada a 27 de outubro de 2019 foi atacar a situação higiénico-sanitária, com destaque para as casas de banho que se encontravam em péssimas condições e abandonadas.
UTENTES AFIRMAM QUE AS CONDIÇÕES HIGIÉNICAS DAS CASAS DE BANHO DO MERCADO SÃO PÉSSIMAS
“Decidimos atacá-las, como prioridade das prioridades, porque julgamos que cada ser humano tem as suas necessidades biológicas e uma delas é defecar, por isso manter as casas de banho do mercado naquelas condições não dignifica, nem oscomerciantes nem os feirantes. Aliás, não se pode ter um mercado dessa dimensão com casas de banho cheias de bichos”, criticou.
O repórter teve acesso às imagens anteriores das únicas duas casas de banho e constatou que as condições higiénicas das mesmas eram péssimas e deploráveis, fato confirmado pelos feirantes abordados pelo repórter para confirmar a informação avançada pelo presidente da organização.
Uma das casas de banho, que estava abandonada, foi reaproveitada pelos próprios feirantes como local para armazenamento de materiais e a outra que continuou em uso, mas como casa de banho comum, para homens e mulheres, era um autêntico drama e era arrepiante pensar que alguém pudesse defecar com bichos por toda a parte.
“Quando a situação piorava, os utentes do mercado e comerciantes recorriam às casas de banho particulares, nosarredores do mercado, para defecar. Era desumano, por isso recuperámos as antigas fossas da era colonial, com ajuda da Proteção Civil, os bombeiros humanitários, numa operação que durou quase 24 horas. Conseguimos retirar todo o lixo que estava escondido sob o solo e reabilitamos as duas casas de banho tornando-as mais dignificantes e bem arranjadas, uma para homens e a outra para mulheres”, relatou ao nossosemanário.
Sublinhou que depois dessa operação, a associação atacou os talhos, locais de venda de carne, para que os direitos dos consumidores não fossem atropelados, mas fossem respeitados à semelhança de outros mercados, para evitar que quem compre carne compre também uma doença.
A associação mobilizou fundos com os quais conseguiu pavimentar os buracos de quase dois metros de profundidade, logo à entrada do portão principal que dá acesso ao mercado, para evitar acidentes que pudessem resultar em situações graves, sobretudo no período das chuvas que arrastam muita quantidade de águas pluviais.
Para além dessas ações, “Djaló Cinho” disse que ADCRG realizou uma limpeza geral, ao mercado, tendo recolhido cerca de 20 toneladas de lixo das fossas, que foram evacuadas com meios financeiros próprios mobilizados para alugar umcamião basculante e outros materiais de limpeza.
O ativista indicou que neste momento a maior dificuldade que os comerciantes e feirantes enfrentam tem a ver com a falta de negócio, derivado de falta de poder de compra dos consumidores, porque a crise sanitária provocada pelo novo Coronavírus causou, economicamente, uma “descida drástica”de vendas, na escala de um para dez, “saímos de dez para dois por cento”.
“Porque depois do primeiro estado de emergência decretado pelo chefe de Estado, o mercado estava praticamente fechado devido às medidas restritivas. Apenas havia pequenas movimentações, das sete às onze horas para facilitar que a população tivesse acesso a produtos da primeira necessidade”, disse.
COMERCIANTES PERDERAM ENTRE 10 A 16 MILHÕES DE FCFA POR CADUCIDADE DOS PRODUTOS
Apontou que isso refletiu, de forma negativa, nos bolsos dos comerciantes, porque a maior parte das atividades comerciais praticadas na Guiné-Bissau é exercida ou dominada pelo mercado informal, num país onde homens são desempregados. Por isso, muitos recorrem a essas atividades, pequenos negócios, e quando não há poder de compra muitas famílias passam a fome.
Quanto aos prejuízos causados pela Covid-19 nas atividades dos comerciantes, Mamadu Bailo Djaló frisou que as perdas não se litam apenas às pessoas que exercem pequenos negócios na cidade de Gabu, mas também atingiu os grossistas, os grandes armazéns.
“Porque quando não há poder de compra, os produtos importados com prazos definidos, nomeadamente: o leite, a farinha e as latarias caducam e quando ficam impróprios paraconsumo humano somos obrigados a entregá-los às inspeções-gerais do Comércio e de Saúde para a incineração”, indicou e afirmando que foi o que aacontece em Gabú, nos primeiros quatro meses da vigência da Covid-19, em que produtos fora de prazo foram incinerados, em público na lixeira, nas presenças do governo local, do delegado do Ministério Público, da Proteção Civil, inspeções-gerais do Comércio e de Saúde e outras entidades da região.
“De acordo com as contas feitas, mediante produtos incinerados, calculamos possíveis perdas e concluímos que um comerciante perdeu dez milhões e meio de francos cfa em consequência da caducidade do seu produto, farinha, outro dezasseis milhões de francos FCA, por não ter vendido seu leite em sacos de 25 quilogramas, tudo devido à falta de poder de compra e de negócio”, afirmou e disse que isso foi só um exemplo de prejuízos incalculáveis derivados dos efeitos da Coviad-19.
Apesar dos prejuízos consentidos, Mamadu Bailo Djaló afirmou que a atuação da inspeção regional do comércio tem sido na base da lei e de diálogo, fruto de contados permanentes que a sua organização tem mantido com todas as instituições do Estado sedeadas na região de Gabu.
“É verdade que passamos por momentos difíceis para estabelecermos esta relação, mas sempre acreditávamos que só dialogando é que se entende. Porque dialogamos seriamente e promovemos vários encontros de sensibilização. A conduta ideal seria, exatamente, a de sensibilizar as pessoas e mostrá-las as consequências de vender produtos num ambiente desfavorável, em locais inapropriados, produtos nocivos ao consumo humano, ou seja, como todo um conjunto de práticas nefastas pode refletir na saúde de uma pessoa”, explicou.
Mamadu Bailo Djaló frisou que outra preocupação da organização tinha a ver com a lei de armazenamento de produtos nos armazéns, mas graças ao empenho e a determinação dos associados, a organização que dirige conseguiu ultrapassar essa situação.
Em relação às cobranças, Bailo Djaló disse não ter queixas sobre o assunto. Contudo, admite que possa ter ocorrido algumas irregularidades, por incapacidade dos estagiários (contratados) que a Direção Regional do Comércio e Indústria, às vezes, recruta para auxiliar os técnicos no terreno.
“Sempre que há pequenas fricções, a direção da associação intervém para sanar a atuação ou os procedimentos errados, porque em ambiente de negócios, os conflitos não devem ser tidos como prioridade nem solução, muito menos uso de força para mostrar quem tem poder mais do que outro”, notou.
O ativista foi crítico em relação às taxas aplicadas aos comerciantes e disse que, comparativamente a outros países da União Económica Monetária Oeste Africana (UEMOA), a Guiné-Bissau é uma exceção pela negativa, porque é o país que mais aplica as taxas altas em todos os setores, nomeadamente; a Polícia de Trânsito, a Inspeção de Saúde, do Comércio… Uma taxa inimaginável que não tem nada a ver com o que é aplicado nos países vizinhos.
“Era duro, mas foi uma realidade vivida”, realçou e afirmou que com a intervenção sistemática da associação, de forma pacífica, as coisas têm evoluído significativamente, porque o “diálogo sempre foi a nossa arma, a nossa forma de trabalhar, para evitar choques entre comerciantes de Gabú e as instituições regionais”, detalhou.
Questionado pelo O Democrata sobre a relação entre as alfândegas regionais de Gabú e os comerciantes locais, Bailo Djaló confessou que ultimamente a ralação entre as duas entidades tem sidoexcelente, mas antes da criação da associação, era péssima e como fruto de má relação, a maior parte dos comerciantes que exercia atividades comerciais naquela região abandonou o mercado e decidiu fixar negócios em Bissau ou em outras localidades “com menos pressão e mais honestidade”.
O presidente da Associação da Defesa dos Comerciantes da Região de Gabú sublinhou que o abandono tinha a ver com cobranças excessivas das alfândegas de Gabú, porque “um comerciante age como um consumidor, de acordo com preço aplicado no mercado”.
As alfândegas de Gabú cobravam excessivamente as taxas aduaneiras e uma das razões que os levaram abandonar também o mercado de Gabú era e continua a ser a estrada que liga Gabú a Pirada, “o bicho de sete cabeças” para os comerciantes.
TROÇO QUE LIGA CIDADE DE GABÚ E PIRADA CONSTITUI DOR DE CABEÇA PARA OS COMERCIANTES
“O troço que liga Gabú a Pirada nunca recebeu grandes intervenções, desde a independência do país. Nessa situação, ninguém aceitaria continuar a operar na cidade de Gabú, sobretudo na época das chuvas muitos camiões carregados de mercadorias passam dias e dias retidos ou descarrilados na terra, o que acaba por prejudicar os comerciantes quando não conseguem fazer chegar, a tempo, os produtos aos armazéns, sem contar com o tempo que perdem no processo de desalfandegamento, tudo isso não deixaria nenhum comerciante contente e além disso os produtos estragam-se no local logo que as águas pluviais os atingem”, contou.
“Estamos a falar só das alfândegas. Temos ainda a Polícia de Trânsito e o Comércio, portanto é um ciclo vicioso que não acabava ou que era difícil evitar e quem pagava a fatura cara, depois eram os comerciantes indefesos”, lamentou Bailo Djaló. Segundo o comerciante, faziam-no sem nenhuma piedade e nem eram tidas em consideração as perdas que os comerciantes registavam em decorrência desses constrangimentos.
“Mas tive a coragem de reunir a direção regional das alfândegas na pessoa de José Demba Buaro, diretor das alfândegas de Gabú e deputado da nação e o chefe de despacho, senhor Martinho Moreira, se a memória não me trai, com algumas chefias das alfândegas de Gabú. Tudo para que chegássemos a um consenso e encontrássemos uma solução que beneficiasse todos, porque a situação era grave”, denunciou.
O comerciante mostrou que o interesse de todos é trabalhar para o desenvolvimento do país, tendo aconselhado as pessoas a trabalharem de mãos dadas para salvaguardar o interesse comum e colocar a Guiné-Bissau acima de todos os interesses.
De acordo com Mamadu Bailo Djaló, a situação gerou de tal maneira a fuga de comerciantes e, desde então, passaram a despachar a partir de São Domingos e Ingoré, passando por Safim, Bafatá até Gabú. A situação gerou rotura, em termos de receitas, nas alfândegas de Gabú, o que teria levado as partes a chegarem a um entendimento e adotassem o mesmo comportamento que os oficiais das alfândegas de São Domingos e Ingoré.
“Felizmente, conseguimos contornar a situação e fazê-los voltar a Gabú. Mas a nossa maior dificuldade continua a ser a estrada Gabú/Pirada”, insistiu. Apesar desses constrangimentos, Bailo Djaló afirmou que o mercado de Gabú está superlotado de produtos, tanto da primeira necessidade quanto os outros, incluindo materiais de construção, “tudo a um preço acessível”. Contudo, lamentou a falta de poder de compra do consumidor local.
Em relação às perdas consentidas durante a vigência de estados de emergência, o presidente da Associação da Defesa dos Comerciantes da região de Gabú, disse que até ao momento da entrevista o governo regional não tinha avançado nenhum plano para subvencionar os comerciantes atingidos pela pandemia, não obstante ter sido informado dos prejuízos.
“Sim é do conhecimento das autoridades regionais. No Gabinete do Plano Regional, a associação é membro e tem um assento. Recentemente a comissão especializada da Assembleia Nacional Popular (ANP) para os assuntos económicos visitou Gabú e recebeu informações detalhadas, mas até agora não recebemos nenhuma reação”, assinalou.
Sublinhou que depois de muita insistência da associação, as autoridades locais aceitaram o pedido de não cobrar nenhum cacifo durante os primeiros quatro meses do fecho do mercadoe reduzir de cinco para quatro mil francos CFA a cobrança feita aos armazéns que comercializam produtos da primeira necessidade para garantir que todos tenham dieta alimentar.
“Mas não podia imaginar, foi uma luta renhida travada entre associação e o Comité de Estado da administração setorial de Gabú. Mostramos que não somos responsáveis pela Covid-19 na Guiné-Bissau. É lamentável ver ou ouvir o que se passa neste país, em particular na cidade de Gabú. Cobrar cacifos que estavam fechados há quatro meses! Só podia ser má fé! Porque é paradoxal, quando vem uma orientação do governo central para fechar os mercados a nível nacional e outros lugares que possam aglomerar pessoas, chega outra autoridade inferior a autoridade central a proceder a cobranças em plena vigência de estado de emergência, sem que o mercado funcionasse!”, criticou.
Mamadu Bailo Djaló apelou, por isso, ao governo e as autoridades administrativas regionais a procederem como Cabo Verde, que decidiu apoiar até mulher vendedeira com quinze euros, no mínimo.
“O Senegal também fez a mesma coisa, mas na Guiné-Bissau tudo é zero, pelo menos a nível da região de Gabú e cobram ainda cem (100) Francos CFA às crianças que carregam produtos cujo o valor não chega aos quinhentos francos CFA”, referiu.
Por: Filomeno Sambú
Foto: F.S