sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

A ÚNICA RAZÃO POR QUE O STJ QUER O NOVO APURAMENTO NACIONAL, É PERMITIR QUE A CANDIDATURA DO DSP TENHA A OPORTUNIDADE DE FAZER A RECLAMAÇÃO JUNTO A CNE.

Por Hotna Cufuk Na Doha 

Como alguém já o disse, a única razão por que o STJ quer que se faça novo apuramento nacional é, única e exclusivamente, permitir que a candidatura do DSP, apoiada pelo PAIGC, tenha espaço de manobra para fazer reclamação junto à CNE, posto que não tivera a lucidez de o fazer no primeiro apuramento, cuja conclusão dá vitória folgada ao USE.

Não se vê outra razão que não seja esta. Pois em boa verdade, a resposta esperada era o indeferimento liminar deste pseudo recurso, que de recurso só o nome tem, interposto pela candidatura acima referenciada. Curiosamente, não foi isso que aconteceu. Para a surpresa de todos e, particularmente, dos juristas, a corte suprema quebrou a sua tradição jurisprudencial em nome dos valores até agora desconhecidos. Em vez de indeferir o atípico e intempestivo recurso, acolheu-o, recusando-se no entanto a conhecer o mérito da causa, alegando a falta da acta. Mas a acta aqui referida não seria a da reunião do apuramento nacional, cuja conclusão deu vitória inequivocamente ao USE. e, sim a acta dum novo apuramento ( "o tal ab initio"), o que só vem confirmar a tese esboçada logo na parte introdutória do texto.

Ora, o que se pergunta é: pode o supremo Tribunal da Justiça agir desta forma sem se incorrer à ilegalidade? A nossa resposta é não, por seguintes mitivos:
a) A candidatura do DSP só podia recorrer contesiosamente, para a suprema corte da justiça, dos actos da CNE, previamente reclamados perante esta, que lesem os interesseses daquela. O que não foi o caso. A candidatura em causa não apresentou reclamação em nenhuma instância, contra o que quer que seja. Antes, aceitou que tudo estivera bem, tendo os seus delegados e fiscais, em todas etapas do processo, assinados todas as actas sem reclamações algumas.

b) pelo que nos é dado a conhecer como conteúdo do último recurso da candidatura do DSP, vê-se que todos os argumentos nele esgremidos reportam aos factos que, a acontecerem, teriam sido praticados na mesa do voto durante o apuramento local ou na CRE, devendo, por isso, serem reclamados nesses locais, ou pelos fiscais designados pela candidatura para a representar em diversas assembleias do voto, ou pelos seus delegados presentes nas diversas comissões Regionais Eleitorais. Por exemplo: a existência das actas rasuradas ou sem assinaturas, de carimbos desiguais, da disproporcionalidade entre o número dos votantes e o dos inscritos em cada assembleia do voto, etc. Todas essas irregularidades deviam ser reclamadas em sedes próprias, perante as entidades que lhe deram origem. Aliás, reclamar significa, insurgir-se contra um acto lesivo dos interesses do reclamante, junto da autoridade que o tenha dado a origem. Portanto, não há reclamação, em sentido jurídico da palavra, quando se pede a entidade estranha ao acto que se retrate deste. A isso chama-se recurso, que pode ser hierárquico ou contencioso.

Só em caso da recusa da autora do acto em retratar-se, pode o reclamante interpor recurso hierárquico ou contencioso, consoante não se trate de um acto definitivo e executório ou sim. Portanto, o recurso surge assim como passo seguinte à reclamação. Ou seja, não pode haver recurso no âmbito do porocesso eleitoral, que não tenha sido antecedido, previamente, de uma reclamação, sob pena de ser vazio e sem objecto.

Ora, o que aconteceu no caso em análise foi exactamente o contrário. A candidatura do DSP, apoiada pelo PAIGC, decide recorrer-se à Suprema Corte de um acto inexistente, pelo que o recurso devia ser também considerado inexistente por esta, indeferindo-o liminarmente. Curiosamente, não foi o que aconteceu. O STJ se declarou impedido de conhecer o mérito da causa, não por falta do objecto do recurso, que neste caso seria a recusa da CNE em se retratar do acto que lesem interesses do reclamante, mas, sim, por falta da acta. Pergunta-se, porque é que a falta da acta podia levar ao impedimento do STJ em conhecer o mérito da causa? A acta é um elemento ou requisito processual relevante para o efeito? De forma alguma a acta pode impedir que se conheça do mérito de um recurso porque ela não é o seu objecto. 

Só a recusa por parte da CNE em atender satisfatoriamente a reclamação ou recurso hierárquico dos actos praticados na assembleia do voto ou na CRE, interposto pelo reclamante, pode ensejar o recurso contencioso, independentemente da feitura da acta ou não. Até porque o recurso contencioso pode ser interposto para a suprema corte antes da feitura e a distribuição da acta aos órgãos da soberania. A lei não obsta tal hipótese, basta ver que a lei fixa o prazo para interposição do recurso contencioso em 48 horas a contar a partir da publicação dos resultados e não a partir da data da distribuição da acta aos órgãos da soberania.

Então por que carga de água exige o STJ a entrega da acta como a condição para poder conhecer-se do mérito da causa? Resposta é simples: porque quer, ardilosamente, favorecer ao candidato apoiado pelo PAIGC nos seus intentos de anular as eleições, declaradas como livres, justas e transparentes pela comunidade internacional, através dos seus observadores colocados no terreno, particularmente, a CEDEAO que acompanhou todo o processo do recenseamento à votação. Confirmada pela CNE que, ao proclamar os resultados, enfatizou o facto de não ter havido sequer uma reclamação em todas as fases do processo, o que por si só reafirma a sua justeza, transparência e a liberdade.

Então, se é claro que o órgão maximo da justiça guineense está a agir parcialmente e de má fé a favor de um dos candidato, por isso pede que se faça um novo apuramento nacional com o único fim de permitir que essa candidatura possa interpor uma reclamação junto da CNE, por futil que seja, dos actos praticados pelas entidades inferiores a esta, não nos restará outra solução que não passe pelo direito à resistência a este iníquo acórdão.

É facto que não existe, explicitamente na nossa carta magna um tal direito, nem que venha estampado em algum texto das leis ordinárias que abundam por aí, mas o primado do Estado de Direito Democratico inculca-o em toda a sua extensão.

O cidadão tem o direito de, em situações extremas, resistir-se às ordens ilegais das autoridades administrativas e políticas, bem como às torpes e, tendencialmente, parciais das decisões dos órgãos jurisdicionais quando contra elas não existirem outras alternativas ou recursos. E tal não significará desobediência à lei ou à autoridade, e, sim a resistência a actos ignóbeis contrários aos ideais da democacia.

Sem comentários:

Enviar um comentário