Odemocratagb.comO Secretário-geral da União Nacional dos Trabalhadores da Guiné – Central Sindical (UNTG-CS), Júlio António Mendonça, disse que a luta da organização sindical que dirige é para combater o sistema instalado que, segundo a sua explicação, já provocou danos incalculáveis ao país e aos guineenses. Acrescentou que a economia do país está totalmente fragilizada, porque “não estamos a ser bem governados e o país está banalizado e no fundo do poço, porque não temos pessoas com noção da governação”.
“Esse é o mal que temos a sorte de ter. O povo guineense deve amparar a UNTG e deve associar-se à luta da UNTG, porque é a única via que temos para mudar esse país, mesmo eu não estando aqui já conseguimos instalar essa mudança de paradigma sindical na UNTG” disse o sindicalista na entrevista exclusiva concedida ao semanário O Democrata para falar, entre outros assuntos, da situação dos servidores públicos, do impactos dos impostos introduzidos pelo governo, do Orçamento Geral do Estado para o ano económico 2022 que acaba de ser aprovado pelos deputados, pontos de discórdias entre a UNTG e o governo e das novas estratégias de luta que a organização sindical vai adotar para persuadir o executivo a cumprir as exigências dos trabalhadores.
Mendonça alertou que serão intransigentes em 2022 e que farão a pior luta que o ano passado, porque “a população já está sensibilizada e mobilizada para fazer uma frente comum com a UNTG para mudar a situação dos trabalhadores guineenses”. Acrescentou ainda que 2021 foi um “ano negro” para os trabalhadores da Guiné-Bissau, devido à carga fiscal instituída pelo governo e ao índice de corrupção no aparelho do Estado e disse que a carga fiscal revela que os governantes ainda não ganharam a noção do que é a governação e qual é a responsabilidade que têm para a criação do bem-estar ao povo.
“O deficiente funcionamento do poder judicial está a contribuir negativamente para que tenhamos um setor privado forte, isto é indiscutível. Muitas empresas privadas e estrangeiras que operaram no país têm dificuldades para continuar a desenvolver as suas atividades, porque não há justiça e o próprio Estado é o principal violador dos direitos daquelas empresas. Contrai dívidas e não as paga. É grave! Como é possível atrair investimento, se não temos a justiça a funcionar com eficiência”, salientou.
O Democrata (OD): Secretário-geral, estamos a começar o ano 2022. Que balanço faz da situação dos trabalhadores da Guiné-Bissau?
Júlio Mendonça (JM): Considero 2021 como um ano negro para os trabalhadores da Guiné-Bissau, devido à carga fiscal instituída pelo governo e ao índice de corrupção que todos assistimos em 2021. Estes fatos revelaram que os nossos governantes ainda não ganharam noção do que é governação e qual é a responsabilidade que têm para a criação do bem-estar ao povo. Os trabalhadores guineenses sofreram bastante com a nova carga fiscal, porque refletiu nos salários dos servidores e obrigou a baixa e a perda do poder de compra. Independentemente de ter havido baixa de salários, houve também uma inflação exorbitante de preços dos produtos no mercado. Isto tem tido consequências graves na vida dos servidores públicos e dos trabalhadores em geral.
Em 2021 pressionamos bastante o executivo no sentido de mudar as coisas, mas infelizmente não conseguimos fazê-lo mudar. Não por nossa incapacidade, mas porque não temos tido sorte de ter governantes, o que nos obrigou a radicalizar as nossas posições com ondas de greves, para que pudéssemos persuadi-los a agirem com base nas obrigações que têm enquanto responsáveis do Estado. Infelizmente não se dignaram mudar o rumo das coisas e governar o país e isto teve consequências graves na vida das pessoas. Diria que 2021 foi um dos piores anos na história da Guiné-Bissau. Para os governantes foi um dos melhores anos, porque foi para eles um paraíso de corrupção sem nenhuma responsabilização, todos conseguiram triunfar com as suas ideias malignas e prejudicar o povo.
OD: O Parlamento acabou de aprovar, na generalidade, o Orçamento Geral do Estado para o ano económico de 2022. É esse orçamento que a UNTG previa?
JM: Não! Não era esse o orçamento que prevíamos. É verdade que a nossa pressão ajudou os deputados a refletirem um pouco e tentaram aproximar as suas posições às exigências da União Nacional dos Trabalhadores da Guiné (UNTG). Não obstante terem aprovado o Orçamento Geral do Estado, decidiram submetê-lo para a sua apreciação na comissão especializada para serem feitas algumas correções. Antes dessas correções, solicitaram subsídios aos sindicatos e demos a nossa contribuição e enviamos as nossas propostas concretas. Isto foi no dia 23 de dezembro do ano passado, seis dias antes de terem aprovado definitivamente o OGE.
Já tivemos a resposta da ANP de que o OGE foi aprovado com alterações consideráveis e que tomaram em consideração parte das nossas exigências, nomeadamente, o aumento salarial. Decidiram agir desta forma porque perceberam que a carga fiscal beliscou a capacidade de compra dos cidadãos e obrigaram o governo a fazer alguns sacrifícios. O governo conseguiu fazer cortes em alguns ministérios para poder colmatar alguns déficites provocados pelos impostos instituídos no ano passado. Segundo a informação do presidente da ANP, com esses cortes, o governo conseguiu fazer uma poupança de cerca de dois mil milhões de francos CFA. Ou seja, mais de um bilião e quinhentos milhões de francos CFA. O obetivo foi minimizar os desiquilíbrios criados pelos impostos introduzidos pelo governo para resolver alguns problemas sociais.
O presidente Cipriano Cassamá informou-nos que os deputados deram orientação ao governo para se sentar com os sindicatos para discutir a forma como o bolo deverá ser distribuído. Isto já é um passo importante e uma conquista. Em 2021 não deram ouvidos às nossas exigências, não obstante termos realizado três vigílias em frente à ANP. Este ano redimiram-se e chamaram os sindicatos e demos a nossa contribuição. Agora estamos à espera que o executivo cumpra as exigências, inclusive o que já vem nessa lei orçamental. Já há lei, agora é imperativo o governo cumprir tal e qual o que está nela.
A luta que fizemos não foi em vão e cabe agora ao executivo apresentar, humildemente, uma proposta. Porque nós já apresentamos aos deputados uma proposta de 95 mil do salário mínimo na Função Pública. Se o dinheiro que resultou de alguns cortes feitos em alguns ministérios for distribuído de forma justa e equitativa, o valor de um bilião e quinhentos e tal milhões de francos CFA para todas as categorias dos servidores públicos poderá atingir o valor que apresentamos como salário mínimo e cada funcionário sentirá um mais à vontade para gerir e partilhar o que ganha com a sua família. Para nós será, no mínimo, um pouco de sacrifício que o governo pode fazer para aliviar o sofrimento dos trabalhadores da Guiné-Bissau. Os deputados estão de parabéns pelo esforço que fizeram e têm que continuar vigilantes.
OD: Disse que a UNTG apresentou propostas aos deputados. Quais são essas propostas?
JM: Na verdade são muitas, mas vou falar apenas de algumas: criação de condições objetivas para a efetivação funcionários públicos que há anos estão a servir o Estado, que seja feita uma previsão orçamental para equipar centros de saúde, hospitais dos país e o Hospital Nacional Simão Mendes, maior centro hospitalar de referência, com equipamentos de diagnóstico de doenças, nomeadamente, hemodiálise, Raio X, TAC, todos os equipamentos necessários para o normal funcionamento de um hospital como Simão Mendes. Exigimos que sejam respeitados os mecanismos de ingresso na função pública, cumprimento do decreto nº4 de 2002 e que o governo comece, doravante, a liquidar todas as dívidas contraídas com os servidores públicos, de 2003 a esta parte. O Governo fez descontos salariais por causa das greves que fizemos.
Se se pode descontar os servidores públicos por causa das greves, então o governo pode pagar todas as dívidas existentes. Exigimos ainda a aplicação integral da carreira docente, capacitação dos professores e técnicos de saúde. Não faz sentido o governo estar a criar parcerias com os países vizinhos para trazer médicos para dar assistência aos técnicos nacionais no Simão Mendes, isto demostra que temos número insuficiente de técnicos para fazer face ao nosso sistema de saúde. Por isso, esperamos que os deputados estejam à altura de cobrar o executivo, caso contrário vamos atacar de novo porque não desarmamos ainda o nosso arsenal.
OD: Uma das exigências da UNTG foi o cumprimento de diplomas legais aprovados pelo governo. Como é que está o processo de diplomas legais?
JM: Aparentemente pensa-se que o governo não está a fazer nada. É verdade que não quer fazer para parecer que é a UNTG que está a pressioná-lo, mas em certa medida já está a cumprir. Recentemente informaram-nos de um concurso realizado no ministério dos Negócios Estrangeiros que teve a participação do pessoal da função pública, mas não sei se foram cumpridas as formalidades que o decreto-lei nº 4 de 2002 impõe . Não adianta também fazer concurso, colocar as pessoas na função pública e depois não pagá-las. É necessário que crie dotação orçamental para corresponder às expectativas dessas pessoas. A nível de alguns ministérios, registou-se a revogação de alguns despachos, estando algumas pessoas que haviam sido suspensas das suas funções a ser recolocadas. É preciso que o governo cumpra tudo o que tem a ver com o princípio da legalidade.
OD: Secretário-geral quais têm sido os pontos de discórdia entre os sindicatos e o governo?
JM: O primeiro ponto de discórdia tem a ver com o ingresso de pessoas na função pública. O governo pensa que os partidos devem influenciar o seu funcionamento, enviando pessoas para a administração pública. A influência dos partidos políticos refletiu negativamente na forma de governação do país. A dignificação da classe trabalhadora é um dos estrangulamentos no relacionamento entre a UNTG e o governo, porque aumentar impostos aos funcionários requer também aumentar salários aos servidores públicos.
O governo nunca se dignou dignificar os trabalhadores guineenses. E sem nenhuma justificação plausível, decidiu e instituiu novos subsídios aos representantes dos órgãos da soberania. Para nós, esses subsídios são um insulto ao pov0. Um povo que não tem nem sequer assistência médica e medicamentosa. Não faz sentido criar luxo aos governantes, que a partida já têm bons salários, livre despesa ou todas mordomias necessárias. É bom acabar com esses subsídios.
OD: Qual será a nova estratégia de luta da UNTG em 2022?
JM: Não vamos revelar a nossa estratégia, mas esperemos que o governo mude a sua forma de atuação para poder corresponder um pouco às espetativas do povo, mas se for ao contrário a nossa luta terá que continuar com novas estratégias que oportunamente anunciaremos. A greve é uma das estratégias, mas não a única. Obviamente que a nossa luta será pior que a do ano passado, porque terá a participação da população que já está mobilizada para fazer uma frente comum com a UNTG.
OD: Os impostos aplicados aos trabalhadores farão parte do leque das exigências da Central Sindical neste ano?
JM: Já deixamos isto claro ao governo. Pedimos ao executivo para fazer uma previsão orçamental de realização de um estudo no mercado para definição do salário mínimo nacional. O país ainda não tem salário mínimo nacional. Tem, sim, salário na função pública. O salário mínimo nacional é um imperativo para poder equilibrar os impactos negativos dos impostos postos pelo governo. Esperamos que este ano seja o ano de resolução dos problemas criados pelos impostos. Se não vai suprir os impostos, que se digne criar melhores condições salariais
OD: Em que nível está o engajamento assumido pelo ministro do Estado e do Interior mandatado pelo chefe de Estado para negociar com a UNTG?
JM: Para nós isso não passava de uma falácia, porque não surtiu efeito nenhum, ou seja, todos os encontros realizados, tanto na sede da UNTG como na presidência da República não tiveram impactos positivos. Não houve a devolução do dinheiro bloqueado, nem pagamento das dívidas aos servidores públicos que prestaram serviços nos hospitais. Os técnicos de saúde que trabalharam com os médicos sem fronteiras não foram pagos, portanto esse encontro é nada. Depois do encontro com o ministro do estado e do Interior, a greve e manifestações continuaram, portanto não houve entendimento.
Não houve negociação nenhuma. Foi um encontro de interação e de troca de pontos de vista e de informação sobre o que estava a ser feito na UNTG e análise do sequestro dos dirigentes sindicais na sede da UNTG. O ministro apenas levou ao encontro um recado do Presidente da República para informar aos sindicatos e o pedido de desculpas do primeiro-ministro sobre ataques das forças de segurança à sede da UNTG. Garantiu que doravante não haverá mais perseguição aos dirigentes sindicais.
OD: Teve encontro no final do ano com o presidente da Assembleia Nacional Popular sobre o OGE. Haverá novidades em relação aos trabalhadores do Estado?
JM: Não digo que haverá repetição da história, mas lembro-me que para termos reajuste salarial houve a participação dos deputados da nação na altura. Convocaram os ministros da função pública e das finanças e foi a partir desse encontro que o então ministro da função pública anunciou a aplicação do salário mínimo na função pública de 50 mil francos CFA. Isto significa que no passado deram alguma contribuição e esperamos que façam o mesmo de novo, porque fiscalizam politicamente a ação governativa. Devem continuar a fazê-lo, enquanto legítimos representantes do povo, onde estão pessoas que prestam serviços e criam riqueza para o Estado.
É um imperativo para os deputados fiscalizar a governação do país, sobretudo no que diz respeito à execução orçamental, porque foram eles que aprovaram OGE e têm a noção das rubricas que constam no orçamento e estarão em condição de interrogar o executivo, sobre aplicação ou não daquele orçamento.
OD: O setor privado nacional parece cada vez mais longe das espetativas do Estado. Qual deveria ser o papel do Estado em relação para esse setor?
JM: Na verdade, a nossa luta não se resume apenas aos servidores públicos, razão pela qual a primeira coisa que fizemos foi o novo código de trabalho que já foi aprovado na Assembleia Nacional Popular. Para nós, é uma vitória e estamos à espera que seja promulgado. Se o novo código de trabalho for promulgado, irá resolver muitos problemas que se verificam no setor privado, principalmente os problemas dos trabalhadores que prestam serviço nas instituições privadas, por isso estamos a exigir ao governo que assuma a sua responsabilidade, que controle e regulamente o setor privado a fim que possa funcionar de forma eficiente e eficaz para criar emprego. O Estado não pode continuar a ser o maior empregador, mas deve criar condições mínimas para que haja bom clima de funcionamento do setor privado na Guiné-Bissau, com investimento sério.
O Estado pode apoiar e incentivar, através dos bancos, o financiamento do setor privado, mas para que isso aconteça, precisamos ter um sistema judicial eficiente e eficaz, caso contrário não haverá grande investimento no setor, porque ninguém aplicará o seu dinheiro num país onde não há justiça, razão pela qual continuamos a exigir que seja priorizada a efetivação da justiça no país. Quando falei da definição do salário mínimo nacional era justamente para salvaguardar a situação do setor privado.
Para os cidadãos guineenses que trabalham no setor privado sejam dignificados, porque também são alvo dos impostos e das taxas. É preciso que haja a definição do salário mínimo nacional para que as empresas que atuam no setor privado tenham responsabilidade de pagar o salário com base naquilo que é definido por lei. A falta de bom funcionamento do poder judicial está a contribuir negativamente para que tenhamos um setor privado forte, isto é indiscutível. Muitas empresas privadas e estrangeiras que estão a atuar no país têm dificuldades de continuar a desenvolver as suas atividades laborais, porque não há justiça e o próprio Estado é o principal violador dos direitos daquelas empresas. Contrai dívidas e não as paga. É grave! Como é possível atrair investimento, se não temos a justiça a funcionar com eficiência.
OD: Secretário-geral, como é que está a situação dos trabalhadores recrutados pelo ministro das Finanças para substituir os trabalhadores que o próprio ministro suspendeu das suas funções por terem aderido à greve?
JM: O ministério das finanças está entre os ministérios que ainda não estão a honrar as exigências. Não sei o porquê dessa resistência. O ministro das finanças não só substituiu aquelas pessoas, violou também todas as leis que existem no país, celebrou contratos individuais de trabalho que não existem na função pública. Assinou contratos com treze (13) pessoas reformadas do BCEAO, colocando e estão a trabalhar no ministério das finanças sem concurso público e muito menos com o aval da função pública e recebem salários equiparados aos dos diretores-gerais, 230 mil francos CFA e ditos incentivos.
Alguns ministros estão a reconsiderar as suas posições, revogando os despachos. Por exemplo, no ministro da Administração Territorial e Poder Local reconduziu sete pessoas que haviam sido suspensas das suas funções. O ministro reconheceu o erro cometido, mas o ministro das finanças não quis reconsiderar a sua posição e até ao momento a situação continua na mesma. É um assunto da responsabilidade do executivo, porque nós vamos continuar com a nossa pressão para que a lei seja respeitada. Qualquer governante tem a obrigação de respeitar a lei, não tem que agir à margem da lei.
Algumas pessoas suspensas das suas funções no ministério das finanças não estão a receber, mas prestaram serviço durante 10 e 15 anos. Infelizmente, não têm vínculo com Estado e recebiam na folha A4 e hoje não podem receber, porque o ministério já não paga na folha A4. Essas pessoas já tem estatuto de agente administrativo, porque apenas em dois anos de serviço a pessoa tem este estatuto. O atual ministro das finanças continua a ser o principal violador das leis da governação.
OD: A UNTG decretou ondas de greve durante um ano, mesmo assim o governo não atendeu às exigências do sindicato. Isto não desgastou a atuação da UNTG e os funcionários públicos?
JM: Somos patriotas convictos e temos ambição de ver esse país mudar radicalmente, por isso não é por causa da luta de um ano. Temos a consciência clara que não é fácil mudar a mentalidade destes governantes num ano. Temos que ser persistentes e determinados na nossa luta, enquanto estivermos à frente da UNTG. Vamos lutar para mudar a forma de governação na Guiné-Bissau e não vamos parar. Este um ano foi bom e permitiu-nos tirarmos ilações de que afinal o que tínhamos previsto era real, porque esses governantes estão formatados para uma forma de governação. Para mudá-los não é uma batalha que se ganha rapidamente, é preciso ser persistente e promover muitas batalhas para atingir o objetivo final e estamos determinados a fazer muito mais do que fizemos em 2021, mesmo com as perseguições.
OD: Está preocupado com as perseguições aos líderes sindicais?
JM: Não sou senegalês e nem cabo-verdiano. Sou guineense e decidi fazer sindicalismo na Guiné-Bissau, com todos os riscos e tenho consciência clara disso. Sou guineense como qualquer um, mas diferente na maneira de pensar e ver as coisas. Dizer que a nossa forma de fazer sindicalismo é apoiar um partido político, isso é uma falsidade grosseira das pessoas que não têm noção e perderam norte, por isso fazem esse tipo de comentário.
A nossa luta começou desde que nós assumimos a liderança da UNTG. Quem eram os governantes na altura e qual partido suportava esse governo. O atual governo só vai completar dois anos, mas antes de as atuais autoridades assumirem a governação já tínhamos feito várias vezes greve na função pública. Esse tipo de discurso não tem lógica nem enquadramento. Mesmo uma criança de cinco anos não pode ter esse tipo de pensamento, porque viveu e assistiu às greves no governo de Aristides Gomes e esses governantes andavam a aplaudir-nos e faziam discursos e comentários nas rádios a dizer que era uma luta legítima e hoje estão a fazer pior do que anterior regime. A culpa é deles. Nós radicalizamos a forma de fazer sindicalismo, porque estão a fazer pior.
OD: A UNTG e a Conferência Geral dos Sindicatos Independentes tinham iniciado uma luta sindical juntas. O que aconteceu depois?
JM: Nada! A verdade é que temos ambições diferentes e a forma de ler o Estado também é diferente da dos dirigentes da Confederação. Eu ouvi dizer que o Secretário-geral da Confederação já foi nomeado subdiretor de um dos liceus de Bissau. Percebe qual é a lógica da luta sindical? Qual é a forma de fazer sindicalismo? Diferença entre UNTG e a Confederação? Enquanto jornalista, convido-o a investigar para trazer à luz do dia em que ano, mês que a Confederação convocou uma greve sozinha. Isso nunca aconteceu! Que eu saiba, nunca aconteceu. Só faz greve estando ao lado da UNTG. A Confederação aderiu à nossa luta porque um grupo de sindicatos filiados decidiu abandonar a Confederação para se juntar à UNTG. Nós mostramos a esses sindicatos que o objetivo da UNTG não era matar nenhuma organização sindical e que internamente deviam mudar a forma de fazer o sindicalismo para voltar a abraçar a nossa luta. É óbvio que, como têm líderes diferentes de nós, achamos que não era oportuno e fomos surpreendidos no dia da apresentação do pré-aviso de que não iriam participar ou tomar parte nas nossas reivindicações. Como temos a noção daquilo que estávamos a defender e tínhamos um plano estratégico bem definido e aprovado para quatro anos e compromissos com os trabalhadores, avançamos.
Lutamos para conquistar o reajuste salarial sem a presença da Confederação e conseguimos o reajuste, conseguimos a nova grelha em 2018 sem intervenção da Confederação. Por isso nós não estamos preocupados. Aliás, temos uma diferença muito grande em termos de número de associados. Nós temos 54 organizações filiadas e a Confederação nem chega a 08, mesmo assim os sindicatos filiados na Confederação muitos fizeram greve. Isso só para cada cidadão tirar ilações e fazer juízo próprio e comparação. As duas organizações não se comparam, a UNTG não é de hoje. Ela foi idealizada pelo mentor deste país, Amílcar Lopes Cabral. A UNTG tem responsabilidade para com os trabalhadores da Guiné e não é uma central satélite. A UNTG surgiu antes do Estado da Guiné-Bissau, ela vai continuar a fazer a sua luta independentemente de existir ou não outras organizações, porque tem um único foco.
OD: Qual é a sua relação com o atual ministro das Finanças?
JM: Somos todos benfiquistas. Em primeiro lugar, quando o Benfica perde, perdemos todos o sono. É um cidadão guineense como eu e como qualquer guineense. Não tenho nenhum problema contra ninguém, particularmente contra nenhum governantes. Não almoço com ninguém, não vou ao piquenique festa ou qualquer outra coisa com ninguém. Todos somos cidadãos da Guiné-Bissau, eu não sou inimigo de ninguém, pode até alguém pensar que é meu inimigo, mas eu acredito em Deus. A grande verdade é que somos adversários em termos de ideologia de governação do país, isto sim.
A forma de leitura de pensar a governação é totalmente diferente, razão pela qual não estamos a remar no mesmo barco. A minha maneira de ver a gestão da coisa púbica com a do João Alage Mamadu Fadia, ministro das Finanças, é diferente. Para mim, os representantes dos órgãos da soberania não devem apropriar-se da riqueza do país e colocar a população na mendicidade. Nós na Guiné não temos reis nem rainhas. Quando se falou de rainha de baga-baga, que fique claro que não temos rainhas nem reis, mas temos os servidores do Estado e do povo que juraram servir o povo, nomeadamente: o Presidente da República, o da Assembleia Nacional Popular, o do Supremo Tribunal de Justiça e o do Tribunal de Contas. Todos juraram servir o povo e devem ser os primeiros a sacrificarem-se quando o país está mal, mas não devem ser eles os primeiros a beneficiar e o povo a morrer.
OD: Se fosse o Fadia faria o quê?
JM: Se eu fosse o Fadia, em primeiro lugar não teria implementado os subsídios de representação, porque é o pior pecado para a Guiné-Bissau. Em segundo lugar, não teria aumentado novos impostos sem, porém, aumentaria os salários aos servidores públicos. Teria invertido o cenário, primeiro aumentaria os salários e depois aplicaria as taxas e impostos.
OD: O primeiro-ministro consentiu isso?
JM: Ele consentiu porque é cúmplice e está a beneficiar de subsídios de representação. Todos são cúmplices. Essa é a diferença que nós temos. Eu no lugar de Fadia faria diferente e estaria em condições de sacrificar o meu bolso para beneficiar o povo, em particular os trabalhadores para poderem ter mais estímulos e aumentar a produtividade.
OD: Então deixava as funções?
JM: Se não fosse ouvida a minha opinião, colocaria o meu lugar à disposição, não ficaria à espera de nada.
OD: O que acha que está por detrás dessa falta de interesse do executivo em atender as exigências do sindicato?
JM: É um hábito que já vinha sendo cultivado há décadas na governação do país. É um sistema que tinha sido implementado e que está a ser concretizado cada vez mais. Se não houver pressão forte, não haverá mudanças de mentalidade nesses governantes. Porque para mim, o obstáculo tem a ver com esse mau hábito dos nossos governantes. Os que estão lá no topo devem beneficiar primeiro, segundo e terceiro e depois vem o trabalhador em último lugar. Prova disso foi quando o governo quando fez o orçamento, instituiu os ditos subsídios e começou a pagar esses subsídios de representação aos representantes dos órgãos da soberania e aos ministros membros do governo. Todos têm vantagem nisso, porque têm ainda os ditos per diem de viagem.
Os deputados tiveram a noção dessas mordomias dos executivos aumentaram o bolo para os deputados que era cinco biliões no ano passado para mais de cinco biliões. Quem questionou os deputados sobre como esse dinheiro foi gerido, porque na Guiné não há fiscalização de governação nem se questiona o governo como aplica o Orçamento. Todos são cúmplices. Os deputados também puxaram brasas para as suas sardinhas. Aumentaram as senhas dos per diem de viagens de visitas aos seus eleitorados, aumentaram tudo de forma secreta. Agora quem vai lembrar do povo e dos trabalhadores em particular?
A UNTG é a única instituição que está a lutar e vamos continuar a lutar para ganharmos essa batalha. Vamos combater o sistema instalado que já provocou danos incalculáveis ao país. A nossa economia está totalmente fragilizada porque não estamos a ser bem governados e o país está banalizado e está no fundo do poço, porque não temos pessoas com noção da governação. Esse é o mal que temos a sorte de ter. O povo guineense deve amparar a UNTG e deve associar-se à luta da UNTG, porque é a única via que temos para mudar esse país, mesmo eu não estando aqui já conseguimos instalar essa mudança de paradigma sindical na UNTG. Prova disso, fiz uma viagem de quase um mês e tal, mas as pessoas fizeram a luta aqui com o mesmo foco e determinação.
OD: Qual o significado da detenção dos líderes sindicais do setor de saúde para a UNTG?
JM: É uma vergonha para o Estado. É um insulto para o povo e para os trabalhadores e é um desrespeito total a tudo que falamos durante esses anos todos, porque o principal responsável das mortes nos hospitais foram os governantes, não foram os técnicos a quem não foram criadas condições de trabalho. O que é que os técnicos estavam a exigir? A partida não exigiam o aumento salarial ou pagamento de dívidas existentes. Estavam a exigir, sim, a regulamentação do sistema de saúde no país que não está regulamentado. É a primeira responsabilidade do executivo. A Covid-19 trouxe a lupa toda a fragilidade do nosso sistema sanitário. Era o momento oportuno para que os nossos governantes mudassem a forma de pensar, de governar o país e criar condições de trabalho, ao invés de instituir subsídios milionários, deveriam canalizar aquele dinheiro para equipar os nossos hospitais, capacitar os nossos técnicos de saúde para poderem corresponder às exigências e às demandas da população. Não fizeram nada e refugiaram-se num processo falso que nem tinha pernas para andar. Foi um processo inventado, porque nenhum cidadão guineense apresentou queixa contra aqueles dirigentes sindicais e o Ministério Público nesse aspeto, num crime semi- público não deveria ser ele a promover a queixa. Não compete ao Ministério Público promover uma queixa.
Mas o que nós assistimos é o Ministério Público a promover queixa e esse processo é falso e é viciado. Foi um processo político que era apenas para amedrontar os dirigentes sindicais, mas para nós foi um estímulo para continuar a nossa luta.
OD: A UNTG beneficiou do fundo que lhe é dado pelo governo?
JM: Já lá vão nove meses que não recebemos esse fundo. Desde o momento que iniciámos as greves, esse governo bloqueou o fundo. O Ministério das Finanças bloqueou tudo. É um fundo mensal de dois milhões e trezentos e picos, mas a Confederação recebe todos os meses do governo. Recebia um milhão e tal tendo em conta os números de sindicatos que tem. A Confederação não tem pessoal. Tem apenas um gabinete onde funciona. Qual é o número de pessoas que lá tem? Aquele pessoal paga a Segurança Social? A UNTG tem trabalhadores que pagam todos os meses a Segurança Social, mas nos últimos nove meses fomos bloqueados. Passamos a festa do natal sem dinheiro. O primeiro-ministro prometeu-nos que faria pressão para desbloquear esse fundo. Foi toda uma cumplicidade do ministro das finanças e da função pública. Pagaram só um mês na véspera do ano novo ano.
À Confederação foram pagos todos os meses, e porque é que o ministro das Finanças não perguntou à Confederação o que é que faz com aquele dinheiro, mas perguntou à UNTG o que é que faz para o Estado. A UNTG presta serviço ao Estado, a luta que estamos a fazer é para endireitar o Estado da Guiné-Bissau. Foi a nossa luta que fez com que os ministros saíssem do salário que tinham de pouco mais de trezentos e tal mil francos CFA para um milhão e tal mensal. Foi graças à nossa luta que provocou o reajuste salarial. Foi graças à luta da UNTG que o Presidente da República saiu de setecentos e tal mil para dois milhões e quatrocentos mil francos CFA mensal. A UNTG é um parceiro incontornável de qualquer governo que tem a noção de governação e que pretende governar para o povo, porque estamos ao serviço dos trabalhadores e não ao serviço dos nossos interesses pessoais.
O próprio ministro das Finanças sabe quem faz sindicalismo para resolver os seus problemas pessoais. Não estamos a fazer sindicalismo para sermos nomeados diretores, subdiretores ou qualquer outro cargo, não! Estamos, sim, a fazer sindicalismo para resolver problemas sociais, por isso aquele fundo foi instituído e não de hoje. Todos os governos que passaram pagaram porque é um compromisso. A UNTG é membro do Conselho Permanente de Concertação Social. Porquê é que o governo da Guiné-Bissau é obrigado, antes de submeter o Orçamento Geral do Estado à Assembleia Nacional Popular, a levá-lo primeiro ao Conselho Permanente de Concertação Social para receber subsídios dos parceiros sociais, entre os quais a UNTG. Esses pareceres que damos, o governo não os paga, não. Nós valorizamos a escola, por isso todos os membros da UNTG que estão no Conselho são membros que estão à altura dos desafios e o governo sabe. São pessoas com capacidades e muito bons profissionais que dão subsídios válidos ao governo para que possa governar da melhor maneira.
Por: Filomeno Sambú/Djamila da Silva e Aguinaldo Ampa