Por DW.COM
A morte do ativista guineense Bernardo Mário por alegada falta de assistência médica e de oxigénio está a gerar uma onda de revolta no país. O Hospital Simão Mendes confirma que a produção de oxigénio está paralisada.
Na Guiné-Bissau, o tema incendeia o debate na sociedade sobre as condições e a atenção que o Estado dá ao setor da saúde na sequência da morte do ativista Bernardo Mário, na passada sexta feira, (29.01), por alegada falta de assistência médica atempada e de oxigénio.
As autoridades guineenses estão debaixo de fogo com acusações de não se interessarem em criar as mínimas condições nos hospitais do país, mas sim apenas em criar "subsídios milionários" para os governantes, segundo inúmeras publicações de consternação nas redes sociais.
Lesmes Monteiro, ativista e colega do malogrado que foi a enterrar no sábado, exprime à DW a revolta da sociedade com a situação: "Achamos que o Bernardo foi vítima de um sistema que tem vindo a assassinar silenciosamente a população da Guiné-Bissau", afirma. "O Estado tem negado o direito à vida, ou seja, direito à saúde às suas populações".
Segundo o ativista, "o Bernardo morreu por causa da negligência, por causa de assistência médica, por causa de falta de oxigénio no maior centro hospitalar do país e por falta de técnicos especializados para efetuar a cirurgia no centro hospitalar militar, o segundo maior do país".
Jovens juristas e colegas de Bernardo na Faculdade de Direito de Bissau formam um grupo de advogados, à espera da anuência da família do falecido, para entrar com uma queixa-crime contra o Estado da Guiné-Bissau.
"Dizer basta às mortes banais"
Bernardo Mário era jurista e também rapper de intervenção. Aos 39 anos liderava, ao lado do "Movimento de Cidadãos Conscientes e Inconformado", várias manifestações de rua contra o sistema político e a má gestão do erário público, lembra Lesmes Monteiro.
"Ele morreu porque motivos que queria mudar no país. Enquanto artista de intervenção social, sempre alertou sobre a necessidade de mudança no sistema de educação e saúde. Lembro-me que recentemente numa das manifestações que fizemos onde referiu no seu discurso que: as armas não vão matar mais pessoas na Guiné-Bissau, mas sim as pessoas vão morrer por falta de assistência médica", recorda.
"Nós temos a obrigação de seguir os passos dele para materializar o seu sonho de ver este país mudar radicalmente para melhor”, acrescenta.
Grupo de jovens realizou uma vigília em frente ao Ministério da Saúde Pública
Perante sucessivas mortes por falta de condições nos hospitais e para que a justiça seja feita por Bernardo, um grupo de jovens realizou esta segunda-feira, (01.02), uma vigília em frente ao Ministério da Saúde Pública. A polícia não tardou em dispersar o protesto pacífico, contou um dos responsáveis do movimento espontâneo intitulado "Somos bernais".
"Estamos aqui para dizer basta às mortes banais. No caso de Bernardo estamos a reclamar que houve omissão, porque segundo disseram não havia oxigénio. Porém, ontem ouvimos Alto Comissariado para a Covid-19 a dizer que havia oxigénio no hospital. Então, porque é que o Bernardo não teve o oxigénio? Porquê que Bernardo teve que morrer prematuramente e de forma evitável?", questiona um dos jovens, Jorge Mário.
Jovens exigem responsabilização
Apesar da intervenção policial, os jovens dizem-se determinados a exigir a responsabilização e melhores condições nos hospitais do país.
"Retirámo-nos do local devido à carga policial, mas vamos voltar assim que der", garante. "Porque esta luta é a luta do Bernardo. Ele lutou e morreu por falta de oxigénio. Então vamos continuar a sua luta".
Os jovens, explica, exigem "direito ao oxigénio nos hospitais e justiça ao Bernardo, para que mais 'Bernardos' não morram por causa de oxigénio. Que todas as pessoas ligadas à sua morte sejam responsabilizadas e punidas de acordo com a Lei. É essa a nossa exigência".
"Não morreu por falta de oxigénio", diz hospital
À DW África, o responsável do Hospital Nacional Simão Mendes, a referência do país, confirma que a fábrica de oxigénio está avariada desde finais do ano passado mas recebe um abastecimento de oxigénio do Alto Comissariado para a Covid-19, que pode ser usada só para os casos graves.
Serifo Adulai Ba, diretor do serviço de biomedicina do principal hospital, diz que Bernardo não aparentava ser um caso grave.
"Temos oxigénio que é dado pelo centro de Covid-19 para casos de cesariana, casos urgentes. Ele não morreu por falta de oxigénio, mas o seu diagnóstico não mostra que estava em estado de convulsão pós-operatório e nem estava mesmo em situação de uma intervenção. Foi à Urgência, mas nunca entrou no bloco operatório. Não tinha quadro clínico com insuficiência respiratória, ou seja, não apresentava estes sintomas que justifiquem oxigénio", justifica.
O Hospital Nacional Simão Mendes espera receber já na próxima quarta-feira, (03.02), a peça para concertar a fábrica de oxigénio. O funeral do jovem realizou-se no passado sábado com milhares de pessoas. "Queremos justiça e melhores condições para evitar mortes banais. Somos todos Bernais", foram as palavras de ordem.
As melhores condições deviam existir com o dinheiro de resgate que vocês dividiram...
ResponderEliminarA indignação justifica-se perante a perda de uma vida humana, mas tb queria ver a mesma indignação perante a morte de outras pessoas nessa mesma cidade e nesse mesmo país, por exemplo quando forças policiais assassinaram um manifestante em 2018 (?).
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