quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Entre 3 de Agosto e Bernardo, Demba Baldé i ka pecadur!

Por Jorge Herbert

Entre 3 de Agosto e Bernardo, Demba Baldé i ka pecadur!

Comparar a politização do massacre de 3 de Agosto com a politização da morte por causa natural com a possibilidade de negligência médica em investigação, é um enorme exercício de demagogia! 

Uma coisa é estar a lutar por uma causa e um evento que vai ao encontro a aquilo pelo qual luta ser aproveitado politicamente para exaltar a razão da sua luta e dessa forma mobilizar maiores apoios para a própria luta. Outra coisa é ser cúmplice do mesmo crime, enquanto poder, ou até exercê-lo, negando esses direitos à maioria da população e depois, já fora do poder, instrumentalizar a juventude para agir contra o poder instalado, apenas para a defesa dos seus interesses partidários, com base numa morte natural, possivelmente tornada precoce por carências que, como poder nunca resolveu... Isso, para lá da demogagia, roça a hipocrisia política, muito mais após o silêncio político que se assistiu após a morte violenta de Demba Baldé!

Quando aconteceu o 3 de Agosto, Cabral e companheiros já se haviam unido e desencadeado essa luta não armada para a exigência de melhoria das condições de trabalho dos nativos, entre outros direitos. Não andaram antes a oprimir e matar os nativos ao lado dos colonos para, depois de afastados das suas mamas, resolverem lutar por essa causa. Isso veio a acontecer já depois de iniciada a luta armada, com muitos que depois de comerem com o colono, foram retirados a mama colonial, alguns porque foram apanhados a praticar outros delitos, foram alistar-se nas fileiras da luta armada contra o colonialismo... E, são esses que depois se juntaram para assassinar Cabral e destruir o PAIGC por dentro, instalando aquilo que é hoje a cultura do PAIGC...

Desculpem-me, mas politizar uma morte, enquanto branqueiam dezenas de outras morte ocorridas pelo mesmo motivo ou até diretamente provocados pela política que nós praticamos no passado ou sob o nosso conluio, é fazer política de "Djugudendadi". 

E, quando se faz política de "djugudendadi", também deve-se dar a cara para assumir as responsabilidades do que agora foi exposto - a quase ausência de médicos especialistas nas áreas cirúrgicas e os que interviam cirurgicamente, o faziam por anos de aprendizagem prática, não cumprindo a "legis artis". Agora que se retirem também consequências políticas dessa ausência da carreira médica na Guiné-Bissau...

Jorge Herbert

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SEM A “POLITIZAÇÃO”, RARAMENTE HAVERÁ INTERVENÇÃO

Por Umaro Djau

Há uma semana atrás, tive umas conversas animadas com duas pessoas amigas sobre o que apelidaram da “politização” da morte de Bernardo Mário Catchura. Nos seus pontos de vista, as manifestações que tiveram lugar em Bissau não passam de tentativas de manipulação para piorar a situação política no país.

As ilações dos meus amigos – como todo o carinho que nutro por eles -- levaram-me a concluir que a maioria dos guineenses carece de preparação básica para compreender as dinâmicas necessárias para fazer avançar uma agenda (política, económica, social, cultural, ambiental, etc.) regional ou nacional.

Assim, antes de ir muito longe no meu raciocínio, deixa-me afirmar o seguinte: sem a politização de um assunto, a probabilidade de uma intervenção em termos de políticas públicas é reduzida. São poucas as políticas sociais (e do desenvolvimento) que surgem de um simples vácuo. Sem a politização, raramente há intervenção.

Imaginem o ano de 1959, mês de Agosto. Dia 3. O massacre de Pindjiguiti. O poder colonial assassinou cerca de cinquenta marinheiros, estivadores e trabalhadores das docas de Bissau em resposta às suas reivindicações para um aumento de salários. A maioria trabalhava para a Casa comercial Gouveia.

Esse acto bárbaro mereceu a maior “politização” da era colonial, tendo constituído um dos maiores factores de mobilização para o início da luta de libertação da Guiné e das Ilhas de Cabo Verde. Curiosamente, dois funcionários da Casa Gouveia, testemunhas desse evento, tornaram-se em maiores figuras da luta: Luís Cabral e Carlos Correia. Como teria gostado o poder colonial a não-politização do massacre de Pindjiguiti! 

Mas, todos nós sabemos o resto da história – o massacre de Pindjiguiti, a fundação do PAIGC, a luta de libertação, a Revolução dos Cravos em Portugal, as independências nacionais da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, as independências das ex-colónias portuguesas… As malditas politizações de várias outras ocorrências e os seus malditos aproveitamentos políticos!

Que tal se vos dizer que mundo está repleto de simples actos de coragem das pessoas que – apesar de nunca constaram nos livros de história – mudaram e transformaram, por completo, os percursos da história de uma maneira profunda?!

BROWN VS. CONSELHO DE EDUCAÇÃO DE TOPEKA

Em 1951, Oliver Brown entrou com uma acção judicial junto da Corte Suprema dos Estados Unidos contra o Conselho de Educação de uma cidade de Kansas, depois de sua filha (Linda Brown) ter sido impedida de entrar numa escola primária dedicada aos brancos. Esse acto de coragem individual levou ao fim da segregação racial nas escolas norte-americanas. Como teria gostado um defensor das leis da Era Jim Crow a não-politização da segregação!

ROSA PARKS

Chamava-se Rosa Parks. Um dia em Montgomery, Alabama, ela decidiu se recusar a ceder o seu banco de autocarro a um homem branco. Era o ano de 1955, no auge da segregação racial nos Estados Unidos. Com esse acto de coragem, Parks ajudou a iniciar o movimento pelos direitos civis nos EUA. Como teria gostado um defensor das leis da segregação a não-politização do assunto!

AMELIA BOYNTON ROBINSON

No chamado “Domingo Sangrento”, ela foi fisicamente violentada. Foi a 7 de Março de 1965, na Ponte Edmund Pettus em Selma, Alabama. Com o seu acto de desafio, Robinson ajudou a impulsionar as chamas do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos. Como teria gostado um defensor das leis da segregação a não-politização da violência ocorrida em Selma!

CONCLUSÃO

Meus compatriotas, são tantos os exemplos que nem caberiam num livro de história.

Mas, termino com a seguinte frase: a mudança que almejamos nunca será possível quando cidadãos se conformam com tudo. Aliás, como dizia Barack Obama, “a mudança não virá se esperarmos por outra pessoa ou por algum outro momento. Nós somos aqueles por quem estávamos à espera. Nós somos a mudança que procuramos”. 

Portanto, meus compatriotas, não tenham o medo de lutarem pelos vossos direitos, mas façam-no de uma forma determinada, organizada, disciplinada e pacífica, dentro daquilo que a lei vos confere. E façam-no com toda a politização necessária para fazer avançar ou recuar uma agenda (pública ou individual) ou uma determinada iniciativa política.

Nunca me canso de vos lembrar que a Guiné-Bissau precisa.

--Mestre Umaro Djau

9 de Fevereiro de 2021

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