sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

CONTRABANDO DE MEDICAMENTOS: UM NEGÓCIO QUE ENVOLVE POLÍTICOS E OFICIAIS MILITARES

07/01/2021 / Jornal Odemocrata 

Em dezembro último [2020], a Inspeção Geral de Atividades em Saúde encerrou as portas da Saluspharma, uma das empresas portuguesas de importação e distribuição de medicaments na Guiné-Bissau. A notícia levou o jornal O Democrata a iniciar uma investigação sobre o braço de ferro entre a Inspeção e a empresa. A nossa investigação estendeu-se às outras pistas e ao contrabando que domina, de forma ilícita, o mercado de medicamentos no país. 

Os motivos evocados pela Inspeção Geral para parar as atividades da Saluspharma prendem-se com o incumprimento dos termos do contrato celebrado, em 2017, com o governo da Guiné-Bissau. Ao abrigo do qual a empresa lusa compromete-se a estender as suas estruturas para todo o território nacional num prazo de 18 meses. Fonte do Ministério de Saúde avançou a O Democrata que para além do incumprimento contratual, o responsável da Saluspharma tem sistematicamente recusado a colaboração com a Inspeção-geral de Atividades em Saúde e essa atitude é vista como uma afronta à instituição vocacionada para ocontrolo de atividades sanitárias no país. A inspecção igualmente atribui responsabilidade à Saluspharma sobre a “recorrente” falta de medicamentos e aumento de preços no mercado.

“A inspeção enquanto órgão competente de controle de atividades sanitárias solicitou ao responsável da empresa, David Peixoto a apresentar documentos, incluindo a licença, cópia de contrato. Essa solicitação não foi atendida”, informou a fonte. Adiantou igualmente que aquele responsável recusou conformar-se com a solicitação, alegando que tais informações poderiam ser encontradas dentro do Ministério de Saúde. A attitude dePeixoto, vista como “desafiadora” e logo merecedora de sanções à luz da lei”, contou a nossa fonte.

SALUSPHARMA PROCURA REFÚGIO NA PRIMATURA PARA CONFRONTAR MINISTÉRIO DE SAÚDE

O Democrata soube que o enceramento das instalações da Saluspharma terá durado apenas algumas horas. As portas foram reabertas por ordens da Primatura, conta a nossa fonte, explicando que o Ministro da Saúde Pública terá sido pressionado pelo Ministro da Presidência de Conselho de Ministros e também vice primeiro ministro, Soares Sambú. O responsável da Saluspharma foi recebido na Presidência da República, e a nossa fonte suspeita que a tal deslocação ao Palácio visava contornar o encerramento da empresa. Peixoto negou essa acusação, explicando que a sua ida ao Palácio tinha outro propósito. 

Outro assunto na origem da “guerra” entre a Inspeção-geral de Atividade em Saúde e a Saluspharma está uma aquisição de materiais médicos pelo Alto Comissariado para o Covid-19, semconcurso público. Fonte do ministério da Saúde Pública indicou que a informação fora comunicada à inspeção pelo próprio responsável da empresa, durante uma reunião na sede da Inspeção. “Quando fora solicitado por escrito a fornecer a lista de medicamentos e materiais comprados pelo Alto Comissariado, a Saluspharma não se dignou a cooperar, alegando que tais informações podiam ser confirmadas junto do interessado, comprador, nesse caso o Alto Comissariado para aCovid-19. 

Entretanto, O Democrata confirmou que a aquisição de medicamentos e materiais de proteção num valor de trezentos sessenta e três milhões e quinhentos dezanove mil e quinhentos (363 519 500) F.CFA junto da Saluspharma. A Alta Comissária, Magda Nely Robalo indicou que a estrutura que dirige não optou pelo concurso público tendo em conta o contexto de emergência em que se encontrava na altura. 

“O que fizemos foi um concurso interno. Convidamos asempresas que nos enviem propostas e entre as empresas sondadas a Saluspharma era a única que reunia as condições para atender às nossas necessidades urgentes. A Ulti Médica Guiné Saúde, SARL não dispõe de medicamentos e materiais requeridos. A empresa Guipharma não tem disponibilidade de medicamentos e sofargui está fechada por decisão judicial”, explicou aquela responsável.

Entretanto, perante às acusações da Inspeção que terão justicado o enceramento temporário da Saluspharma, David Peixoto desmente as mesmas e acusa a Inspeção-geral de Atividades em Saúde de perseguições. Segundo Peixoto, a Inspeção não chegou de apresentar um relatório como resultado de inspeção das atividades da empresa e acha absurda a decisão de mandar fechar uma empresa sem nenhuma inspeção feita previamente. Informou que a sua empresa endereçou várias correspondências sobre diferentes assuntos, mas o Ministério e a Inspeção-geral de Atividades em Saúde não responderam.

Ademais, o responsável da Saluspharma acusa o Ministério de Saúde Pública de violação sistemática de contrato de exclusividade de quatro anos, celebrado em 2017.  Nos termos do referido contrato, o Ministério de Saúde Pública comprometia-se a impedir que as farmácias importassemmedicamentos para o país. Peixoto conta que essa disposição não chegou a ser cumprida. 

“As farmácias e outros agentes continuam a importar medicamentos ilegalmente. Há um mercado paralelo de importação de medicamentos. O atual governo, através do Ministério de Saúde Pública, está para recrutar brevemente mais um grossista o que será mais uma gritante violação do contrato de exclusividade” disse para de seguida, lembrar outros episódios que terão motivado a que a sua empresa apresentasse queixa ao Ministério Público.

Sobre alegada falta e aumento dos preços de medicamentos no mercado, o responsável da Saluspharma afirma que essa estrutura tem neste momento uma reserva de um bilião em medicamentos de que o país precisa. Acusa algumas farmácias de fazer propaganda para denigrir a imagem da empresa por terem interesses em importar medicamentos diretamente de fora. 

“As farmácias continuam a importar medicamentos descontroladamete perante à inércia do Ministério da Saúde Pública”. Peixoto acusa igualmente o atual Inspetor geral adjunto, Domingos Sami, de perseguição contra a sua empresa,numa clara postura de vingança. “Enquanto diretor da Farmácia do Hospital Nacional Simões Mendes, o Domingos Sami recusara receber medicamentos doados pela Saluspharma aquele estabelecimento e nós denunciamos o ato junto do Ministério da Saúdede Pública. Por isso, interpretamos as investidas actuais da inspeção como retaliação”, acrescentou Peixoto.

ALTO COMISSARIADO E MINISTÉRIO EM DISPUTA SILENCIOSA SOBRE A GESTÃO DE FUNDOS DA COVID-19

Outra disputa opõe também a atual liderança do Ministério de Saúde e o Alto Comissariado para o Covid-19. Fonte fidedigna avançou ao nosso jornal que a disputa preende-se essencialmente com a gestão de fundos doados para o combate à pandemia e isto tem alimentado crispação entre as duas entendidas. O Ministro da Saúde Pública emitiu, a 15 de Outubro, um despacho para importação de 20 contentores de medicamentos para o combate àpandemia do coronavírus. Segundo a nossa fonte, o Alto Comissariado para covid-19 não foi consultado na tomada da decisão de importar medicamentos. 

O Democrata apurou igualmente na sua investigação que o mercado de importação de medicamentos na Guiné-Bissau é invadido por agentes sem credenciais que atuam em total informalidade e em conivência com agentes de Estado, nomeadamente Alfândegas e Comércio. A principal porta de entrada ilícita de medicamentos ao país continua a ser a fronteira terrestre com o Senegal e a Guiné-Conacri, mas também por via marítima. 

Os medicamentos são dissimulados e misturados com cargas em camiões e conseguem atravessar a fronteira mediante subornos aagentes alfandegários e de comércio. Fontes de O Democrata confirmam a existência de um contrabando na importação de medicamentos para a Guiné-Bissau. Segundo as mesmas fontes, a empresa Sofargui, terá participado no concurso público para obtenção de licença de grossista de importação de medicamentos, mas não foi selecionada. As fontes informam que a Sofargui tem se envolvido em várias importações de medicamentos por via terrestre e por via do Porto de Bissau. “Em 2019, a Sofargui importou 7 contentores via porto de Bissau e 13 carregamentos de forma ilegal, apesar de não ser um grossista credenciado”, adiantaram as fontes em condições de anonimato.

O proprietário da Farmácia “Salvador” e Médico Tumane Baldé, antigo Ministro da Função Pública e Reforma Administraativa, são sócios da referida empresa atualmente estão sob investigação judicial. A Sofargui seria também aliada de grupo DP de um cidadão espanhol, Jesus que tem introduzido vários contendores de medicamentos no mercado nacional. Fontes contaram ao jornal O Democrata que a importação de medicamentos é feita em nome do Hospital Militar que, segundo a investigação da Polícia Judiciária, não tem conhecimento e nem beneficiou dos mesmos. 

O grupo DP é apontado pela PJ como parte de um contrabando de medicamentos bem conetado e ramificado em diferentes estruturas de Estado. Segundo os nossos interlocutores que requereram anonimato, o DP tem utilizado o nome de Ida Foundation, uma entidade caritativa, para importar medicamentos da China, Índia e Holanda. Os lotes de medicamentos importados são secretamente estocados num armazém atrás do mini mercado Darling em Guimetal. O Democrata confirmou a existência do armazém no local. 

A PJ apreendeu 450 unidades (caixas) de medicamentos que foram encaminhadas para a CECOME, constituída como fiel depositário. As unidades foram entregues pela PJ à Cecome a 2 de Setembro de 2020. De acordo às nossas fontes, os medicamentos apreendidos têm inscrições “Hospital Militar da Força Aérea”. A PJ também descobriu um acordo assinado pelo Comandante da Força Aérea, Brigadeiro General Papa Camará e o dono de DP, Jesus Lançareia. Esse acordo o não é do conhecimento das estruturas competentes do Estado-Maior General das Forças Armadas. 

Notificado sobre o assunto, o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, Biague Na N’Tan suspeitou da existência de um esquema de corrupção de que o Papa seria o cabecilha e pediu ao Tribunal Militar para iniciar um inquérito. 

Esse negócio, contam as fontes, é um dos motivos de tensão entre o Biague e Papa Camará. 

O Democrata apurou que medicamentos importados são distribuídos a diferentes farmácias a custos mais baixos, um prejuízo grande para as empresas importadoras credenciais, nomeadamente Saluspharma, Guipharma e Cecome. O contrabando é o principal fornecedor e abastecedor das farmácias e postos de venda no país. 

Na realidade, o mercado de contrabando escapa às inspeções e constitui uma porta aberta a entrada e venda de medicamentos ilícitos no mercado, um autêntico golpe à saúde pública.

“É uma mera utopia se pretender ter um mercado nacional de medicamentos de qualidade sem combater a rede de contrabando e criar condições de controle e Inspeção inter institucionais eficazes. Enquanto isso, a população guineense vai consumindo medicamentos, na sua maioria importada por corredores ilícitos, com certificações falsificadas”, critica uma fonte do ministério de Saúde Pública.

Por: Redação

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