Tem aquecido o debate a volta da Comissão da Revisão Constitucional, criada pelo Presidente da República, General Umaro Sissoco Embalo.
A propósito, impõe-se tecer algumas considerações, a serem divididas em dois grandes grupos.
1. O primeiro, em relação ao papel do Presidente da República, a luz a constituição de 1984-ainda em vigor, ou, para alguns, de 1991, por conta as profundas alterações conhecidas nessa altura, por forma a adaptar o texto fundamental ao multipartidarismo no procedimento legislativo, qualquer que seja ele, quer a iniciativa pertençe aos deputados, quer ao governo, quer o procedimento decorra apenas no parlamento ou apenas no governo;
2. O segundo, em relação aos compromissos que país vem assumindo em consequência da crise governativa vivida nos últimos cinco anos.
Ora bem, a luz da nossa lei magna, o Presidente da República tem um preponderante papel no procedimento legislativo, com poderes de intervir numa importante fase deste, a da conclusão da validação do acto, cabendo-o promulgar qualquer acto legislativo, Ex. Vi, artigo 68°, al. s) da Constituição da República da Guiné Bissau-CRGB.
Como se pode ver, os poderes que dispõe o Presidente da República são exercidos com um profundo conhecimento de causa, o que o habilita a criar todas as condições para determinar, com antecedência necessária, o âmbito e a dimensão da sua intervenção. A criação da comissão técnica, com a missão de analisar o texto constitucional, por um lado, e, por outro, as transformações políticas e sociais ocorridas no lapso temporal que medeia a aprovação do diploma e o momento presente, visa apenas armar o Presidente e permiti-lo, quando as circunstâncias se impuserem, exercer corretamente o seu papel.
Vendo para os intervenientes do procedimento legislativo, mormente constitucional, percebe-se que apenas uma solução de compromisso pode permitir a conclusão do procedimento. Se o Presidente não tiver uma opinião formada ou tiver uma contrária a do parlamento, o procedimento esbarra-se numa determinada fase. Aliás, o país já tem a experiência da tentativa da revisão constitucional dos anos 2000 e seguintes, em que o parlamento, assumindo o papel arrogante de ser o órgão legislativo supremo, avança com a revisão constitucional, que acabou por parar à mesa do Presidente da República e de nunca sair de lá, ainda hoje, passados quase 20 anos, se espera pela conclusão deste processo.
Portanto, pode o Presidente da República, enquanto um ativo interveniente do procedimento legislativo, proceder a criação da comissão técnica, com a missão de o conceder elementos estruturantes sobre os quais deve assentar a revisão da atual Constituição da República. O ato do Presidente da República não pode, nem de perto e nem de longe, ser entendido como usurpação da competência da Assembleia Nacional Popular, até porque nem esta tem competência de assumir a iniciativa na revisão constitucional, que é exclusiva dos deputados, vide o artigo 91°, número 1, conjugado com o número 2 do artigo 127°, ambos da CRGB.
O segundo grupo de considerações que se impõe tecer, é, como aparece no enunciado, a implicação dos acordos rubricados por todos os actores políticos mais expressivos ou, para ser mais concreto, com maior responsabilidade em termos de construção de opinião política, decorrente da sua presença no parlamento.
Como é sobejamente sabido, na tentativa de se solucionar a crise política dos últimos cinco anos, com epicentro na ANP, os actores políticos assumiram o compromisso de empreender um conjunto de reformas a nível nacional, máxime a revisão da Constituição, quer a luz do acordo de CONAKRY, assim como do acto adicional de Lome.
Recentemente, a CEDEAO evidencia a sua preocupação com a necessidade de se respeitar os acordos assumidos, tendo, no comunicado que reconhece a Vitória do Presidente da República, reafirmado o interesse de ver a Constituição revista no prazo de seis meses.
Escuso aqui tecer considerações técnicas a volta dos acordos internacionais e tratados e a sua implicação no Ordenamento Jurídico Interno por várias razões. Uma prende-se com o facto de não estarmos perante um acordo internacional no sentido técnico do termo, mas apenas um compromisso político dos atores nacionais testemunhado por uma organização internacional de que somos membros.
Vou, contudo, analisar a implicação dos actos que a CEDEAO tem adotado no modus atuandi internos, pondo, por regra, em xeque as prerrogativas constitucionais de diferentes órgãos do Estado. Espero que não tenhamos amnésia coletiva e de ainda preservarmos na nossa memória a forma com foi instituído o governo que realizou as eleições legislativas, a forma como se reduziu o Presidente da República-eleito, por um sufrágio directo, universal e secreto, por todos os guineenses-a um simples Presidente decorativo, a forma como foi imposta a nomeação do Procurador Geral da República, entre outros.
Estes actos observaram todos os instrumentos, menos a nossa Constituição da República, que, como todos se lembram, foi, pura e simplesmente, posta de lado.
Se seguirmos esta tendência e com o propósito de concluir a estruturação de bases sobre as quais deve assentar a estabilidade política e governativa do país, explicar-se-ia a revisão da Constituição da República à margem da mesma, devendo, para tal, ser chamado o povo, quem mais ordena na democracia, a pronunciar-se e escolher a Constituição que, hoje, melhor serve os seus interesses, os de viver num país politicamente estável e com governos focados apenas na satisfação das necessidades coletivas, a missão prioritária do Estado, e não governos que estariam em disputas desnecessárias.
Tenho dito.
Florentino Dias
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