Bashar al-Assad (Getty) Por Nuno Mandeiro cnnportugal.iol.pt
Bashar al-Assad garante que não fugiu da Síria, que a Rússia é que o obrigou, que foi tirado contra a vontade. Mas facto: obrigado ou não, contra a vontade ou nem por isso, Assad saiu mesmo. Contraste: quando a guerra na Ucrânia começou, os americanos queriam tirar Zelensky de Kiev. Resposta de Zelensky: "Não preciso de boleia, preciso é de munições". E por lá ficou. Até hoje. Mas dúvida: como é que se tira alguém de um país contra a sua própria vontade?
Oito dias depois de ter abandonado a Síria, Bashar al-Assad reagiu esta segunda-feira: "Nunca considerei a possibilidade de me demitir ou de procurar refúgio". O presidente sírio diz inclusivamente que foi a Rússia que o obrigou a debandar porque foi "Moscovo que solicitou ao comando da base que providenciasse uma retirada imediata". Mas é possível obrigar alguém a abandonar o seu país contra a sua própria vontade?
A resposta simples é 'não', mas Assad ficou com apenas duas hipóteses: "Morrer como herói ou refugiar-se". Numa análise crua e restrita aos factos geoestratégicos em jogo naquele 8 de dezembro, o major-general Agostinho Costa acredita que estamos perante uma "mistura entre uma fuga por medo": "Se Bashar Al-Assad tivesse ficado lá, já estava morto. Saiu porque senão acabava pendurado numa grua como as imagens que surgiram de um cidadão que inicialmente diziam que era cunhado da família de Assad".
Tiago André Lopes, especialista em Relações Internacionais, concorda com esta análise: "Assad teria acabado definitivamente morto, da mesma forma que aconteceu a Kadhafi ou até mesmo a Saddam Hussein. Se tivesse ficado, a vida de Assad teria já cessado". Tiago André Lopes lembra que, muito provavelmente, foi isso mesmo que a Rússia lhe explicou. "O ponto de fuga é um ponto normal para a maior parte de todos os ditadores, lembrei-me logo da fuga do presidente da Tunísia quando começou a Primavera Árabe - e que até passou pelo Banco Central para buscar uns lingotes de ouro antes de fugir no avião para a Suíça", recorda o comentador da CNN Portugal", garantido que "esse parece ser um perfil muito típico desta região".
Assad fugiu, Zelensky ficou: é comparável?
"Não é possível e não é justo - nem para um nem para o outro - fazer essa comparação", diz Tiago André Lopes, que explica que "Zelensky não pode ser comparado com o autocrata": "É uma comparação indigna para o presidente da Ucrânia". Mas, por outro lado, "Assad não pode ser comparado porque também não tens o mesmo sistema de aliados nem o mesmo sistema de apoio que tinha Zelensky".
Perante a incomparável comparação, o especialista em Relações Internacionais categoriza a decisão de Assad como "uma fuga, acima de tudo, pelo medo". Uma tentativa de "preservar a vida" e eventualmente de se "reorganizar a partir de fora se tivesse havido resistência popular". "Percebendo que não houve resistência popular, que não houve resistência militar, que não houve resistência dos aliados, Assad consternou-se e aceitou", considera Tiago André Lopes.
"Além disso, Assad sabia uma coisa: só iria conseguir combater se tivesse apoio maciço - quer da Rússia, quer do Irão, e percebeu nas primeiras horas que não o tinha. Indicativo disso é ter aceitado o seu destino: quando nós vimos a última conversa, a ser verdade, obviamente, que teve com o último primeiro-ministro nomeado pelo próprio, o primeiro-ministro explica-lhe o cenário do país e a resposta de Assad foi 'veremos amanhã'. Ou seja, há uma resignação um dia antes das tropas chegarem às portas de Damasco em relação ao seu futuro político", aponta Tiago André Lopes.
Agostinho Costa tende a concordar que Zelensky e Assad são "completamente diferentes": "Nos primeiros dias o presidente Zelensky esteve em Lviv até perceber que a manobra russa era fundamentalmente de intimidação, depois foi-lhe assegurado apoio 'as long as it takes' por todo o Ocidente. O primeiro-ministro do Reino Unido na altura, Boris Johnson, até foi lá, é completamente diferente", considera o major-general, lembrando que "toda a estrutura de decisão, toda a estrutura militar, todo o apoio logístico, tudo é ocidental": "Não tenhamos ilusões: no momento da verdade, os aliados de al-Assad não se chegaram à frente, como se costuma dizer".
Já com Assad, Agostinho Costa explica que "à 25.ª hora os apoios desapareceram, os aliados próximos - russos e iranianos - não se mexeram e disseram que o primeiro a combater tinha de ser o exército nacional". "Na Ucrânia foi completamente diferente, o exército ucraniano não se retirou antes. Pelo contrário: bateu-se com muita força, com muita determinação, porque se o exército ucraniano tivesse positivamente debandado, Zelensky hoje estava na Flórida", resume Agostinho Costa.
De regresso à oftalmologia
O que levou Bashar al-Assad a estar oito dias remetido ao silêncio - é esta a atitude esperada de quem foi alegadamente obrigado a sair da Siria? Tiago André Lopes entende que não: "Fosse de facto verdade que tinha sido forçado a sair do país e, muito possivelmente, teria feito declarações no próprio dia, o que não o fez".
Para o comentador da CNN Portugal, "as declarações de Bashar al-Assad são uma justificativa pós-facto e, possivelmente, não são muito verdadeiras". "Não acho muito viável, possível nem credível que a Rússia tenha forçado um chefe de Estado a sair do próprio Estado", defende Tiago André Lopes, teorizando que o que pode ter acontecido é que "al-Assad pode ter pedido refúgio ou na embaixada de Moscovo na Síria ou em alguma das bases controladas pelos russos". "E o Kremlin aproveitou esse momento para explicar que, um, não iam defender o regime, e, dois, que a única solução para Assad era uma de duasc- ou aceitar asilo político na Rússia ou enfrentar a fúria do HTS", diz Tiago André Lopes.
"Estas declarações são, acima de tudo, para mostrar às bolsas do país que ainda estão com ele que, se tivesse dependido apenas e só da vontade dele, teria ficado no terreno. Não é necessariamente verdade que tenha sido assim e, portanto, nós temos de ter algum cuidado com este tipo de declarações pós-facto", sublinha Tiago André Lopes.
Agostinho Costa lembra que este desfecho vem comprovar que Bashar al-Assad foi um "incidente de percurso" na liderança da Síria. Em contraponto, o irmão mais velho de Bashar, Bassel al-Assad, foi treinado nas forças especiais, era paraquedista, tinha feito academia militar em Moscovo, estava no caminho de ser o sucessor, mas morreu num desastre de automóvel". Agostinho Costa realça que Bashar "era tudo menos um santo", mas traz este ponto para explicar que "saiu com a sua família e agora vai abrir uma clínica de oftalmologia em Moscovo". "Vai voltar aquilo que era o seu emprego, aquilo que era a sua vocação, porque, digamos, estou em crer que ele se viu livre de um fardo."
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