Os rebeldes pró-russos em Tiraspol pediram proteção à Rússia. Aqui são vistos a agitar as bandeiras da Transnístria e da Rússia, em 2014 (Vadim Denisov/AFP/Getty Images via CNN Newsource)
CNN, Christian Edwards, Radina Gigova e Anna Chernova
Os rebeldes pró-russos de uma parte separatista da Moldova pediram ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, que protegesse a sua região do que alegam ser ameaças do governo moldavo.
A Transnístria, que se separou ilegalmente da Moldova com o desmoronamento da União Soviética, manteve-se firmemente na órbita do Kremlin, enquanto a Moldova, que faz fronteira com a Ucrânia, está a tentar aderir à União Europeia.
Num congresso especial realizado na quarta-feira, os políticos da Transnístria pediram a Moscovo que protegesse a região da "crescente pressão da Moldova", tendo o Kremlin afirmado mais tarde que a proteção dos seus "compatriotas" era uma prioridade, segundo a agência noticiosa estatal russa RIA Novosti.
Embora o congresso tenha inicialmente provocado receios de que Moscovo pudesse avançar com o plano de longa data para desestabilizar o governo cada vez mais pró-ocidental da Moldova, o país rejeitou-o como "propaganda".
Eis o que precisa de saber.
O que aconteceu na Transnístria?
As reuniões do Congresso dos Deputados da Transnístria, um modelo de tomada de decisões da era soviética, são raras, mas frequentemente significativas. Um Congresso de Deputados deu origem à Transnístria em 1990, desencadeando uma guerra entre os separatistas apoiados por Moscovo e a jovem república moldava dois anos mais tarde.
Nenhum país reconhece oficialmente a Transnístria, onde a Rússia tem mantido uma presença militar ao longo das últimas décadas, embora cada vez mais reduzida. Atualmente tem cerca de 1.500 soldados.
Antes de quarta-feira, a última reunião do congresso tinha sido em 2006, quando foi aprovado um referendo que pedia a adesão à Rússia. Quando os políticos da Transnístria anunciaram inesperadamente uma nova reunião, os analistas sugeriram que tal poderia conduzir a novos apelos à unificação com a Rússia. As autoridades moldavas e ucranianas minimizaram esta especulação.,
Mapa da Transnístria (CNN)
O congresso não chegou a este resultado extremo, mas aprovou uma resolução que apela à Rússia para que dê mais "proteção" às autoridades moldavas aos mais de 220 mil cidadãos russos na Transnístria.
"A Transnístria lutará persistentemente pela sua identidade, pelos direitos e interesses do povo da Transnístria e não desistirá de os proteger, apesar de qualquer chantagem ou pressão externa", afirma a resolução, de acordo com a agência noticiosa russa TASS.
A proteção dos interesses dos habitantes da Transnístria, nossos compatriotas, é uma das prioridades", afirmou o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia.
Por outro lado, as autoridades moldavas rejeitaram o congresso como uma tentativa de alimentar a "histeria".
"Não há perigo de escalada e desestabilização da situação nesta região do nosso país", escreveu o porta-voz Daniel Voda no Telegram. "O que está a acontecer em Tiraspol [a capital da região] é um evento de propaganda."
Em declarações à CNN, o gabinete de reintegração da Moldova afirmou que "rejeita as declarações propagandísticas de Tiraspol e recorda que a região da Transnístria beneficia das políticas de paz, segurança e integração económica com a UE, que são vantajosas para todos os cidadãos".
O porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Matt Miller, afirmou na quarta-feira que os Estados Unidos estão "a acompanhar de perto as ações da Rússia na Transnístria e a situação geral na região".
Porquê realizar um congresso agora?
A guerra da Rússia na Ucrânia teve um efeito profundo na economia da Transnístria. A Ucrânia fechou a fronteira com a região quando a guerra começou, cortando cerca de um quarto do comércio do enclave. Embora continue a receber gás russo gratuitamente, o acordo que permite o trânsito de gás através da Ucrânia expira em dezembro e não há garantias de que seja prorrogado.
A guerra também levou a Moldova a tentar resolver o seu conflito de décadas com a Transnístria. Em parte em resposta à guerra, a União Europeia concedeu ao país o estatuto de país candidato em junho de 2022 e, em dezembro de 2023, deu luz verde para o início das negociações de adesão.
Embora a presidente da Moldova, Maia Sandu, tenha indicado que estaria disposta a aderir à União Europeia sem a Transnístria, a reunificação pode agilizar o processo. Um blogue recente do Carnegie Endowment for International Peace argumentava que "a estratégia da Moldova é apressar o processo tornando a vida da Transnístria o mais difícil possível".
Neste sentido, em janeiro, a Moldova eliminou inesperadamente as isenções aduaneiras para as empresas da Transnístria, obrigando-as a pagar impostos tanto à Transnístria como a Chisinau.
Dumitru Minzarari, professor de estudos de segurança no Colégio de Defesa do Báltico, explica à CNN que a decisão da Transnístria de realizar um congresso especial foi "diretamente desencadeada" pela reintrodução dos direitos aduaneiros pela Moldávia.
"Ao oferecer isenções fiscais à região separatista, o governo moldavo estava praticamente a financiar a existência de um regime separatista em Tiraspol", continua Minzarari - um acordo que o governo já não sentia que tinha de tolerar.
O especialista acrescenta que a disputa criou oportunidades para as autoridades russas "pescarem em águas turbulentas".
Porque é que a Rússia está interessada na Moldávia?
Se a invasão russa da Ucrânia tivesse corrido como planeado, teria capturado a capital Kiev em dias e o resto do país em semanas, atravessando a costa ucraniana até à cidade de Odessa, no sudoeste do país, perto da Transnístria.
O então comandante da Região Militar Central da Rússia, major-general Rustam Minnekaev, disse que um dos objetivos da chamada "operação militar especial" era estabelecer um corredor através do sul da Ucrânia até à Transnístria, uma vez que a Rússia procura reunir-se com os seus "compatriotas no estrangeiro".
Apesar de a Ucrânia ter travado o avanço de Moscovo em Kherson, a cerca de 350 quilómetros da Transnístria, os analistas sublinharam que a Rússia mantém os seus planos para a Moldova.
"O Kremlin procura utilizar a Transnístria como um representante controlado pela Rússia, que pode utilizar para fazer descarrilar o processo de adesão da Moldova à União Europeia, entre outras coisas", alertou o Instituto para o Estudo da Guerra, um grupo de reflexão sediado nos Estados Unidos, num relatório publicado na semana passada.
A Transnístria separou-se ilegalmente da Moldávia. Um busto de Lenine em frente ao edifício da Casa dos Sovietes em Tiraspol, em julho de 2022 (Anton Polyakov/Getty Images via CNN Newsource)
Tal como a Rússia considerou inaceitável a viragem da Ucrânia para a União Europeia, em 2014, e usou a força militar para a impedir, também está interessada em evitar o mesmo na Moldova. A CNN viu um documento elaborado pelo serviço de segurança russo, o FSB, que detalhava um plano para desestabilizar a Moldova e impedir a inclinação daquele país para o Ocidente.
Putin justificou a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014 e as operações militares em Donetsk e Lugansk como um esforço para proteger os cidadãos de língua russa no leste da Ucrânia, que ele alegou estarem sob ameaça de Kiev.
Minzarari afirma que existem "fortes paralelos" entre essa retórica e o tipo de retórica utilizada recentemente pelo governo da Transnístria. Numa entrevista à RIA Novosti, o presidente Vadim Kranoselsky afirmou que o governo moldavo estava a preparar ataques terroristas contra a Transnístria antes de uma possível invasão, sem apresentar provas.
No entanto, outros analistas argumentam que, em vez de sublinhar a influência da Rússia na região, a situação na Transnístria é antes uma chamada de atenção para o facto de Moscovo não ter conseguido, até agora, atingir os seus principais objetivos de guerra.
"Um apelo à anexação da Transnístria rejeitado pela Rússia seria um grande golpe de relações públicas para a Ucrânia, lembrando aos russos e aos ucranianos que o que os comentadores acreditavam há dois anos serem objectivos modestos para a guerra estão agora demasiado longe do alcance da Rússia para serem sequer considerados", refere Ben Dubow, membro não residente do Centro de Análise de Políticas Europeias, à CNN.
Sem comentários:
Enviar um comentário