[REPORTAGEM_2021] O administrador do setor de Uno, região de Bolama/Bijagós no sul do país, Wilsom Gomes, denunciou que a situação sanitária naquela zona insular é muito complicada, dado que muitas vezes as populações ficam sem medicamentos e é obrigada a recorrer à farmácia de um missionário brasileiro. Denunciou ainda que os técnicos de saúde colocados no centro de saúde da ilha abandonam os postos de serviço para irem pescar, devido às dificuldades que se vivem na ilha, porém deixam a população a espera por horas no centro de saúde.
O setor de Uno, à semelhança de outros setores da zona insular, depara-se com grandes dificuldades, essencialmente de transporte marítimo, o que o torna isolado do continente e das outras ilhas. O setor é composto, administrativamente, por quatro secções, Uno, Orango Grande, Oracane, Unhukun e tem uma população de 6.751, de acordo com o censo de 2009.
A equipa de repórteres de O Democrata (outubro de 2021), na sua passagem por algumas ilhas, deparou-se com as dificuldades que os populares das ilhas que fazem parte da administração de Uno, bem como as ilhas próximas, enfrentam. Os relatos indicam que essas populações são obrigadas a viver isoladas, visto que atualmente não têm meios de transporte (neste caso canoa que faça as ligações inter-ilhas) e para se deslocarem para a capital Bissau. Como alternativa, são obrigadas a recorrer às pirogas de pesca artesanal ou de boleia das organizações não-governamentais que trabalham naquela zona.
No âmbito da reportagem efetuada à Orangozinho, O Democrata testemunhou que a população desta localidade também não tem transporte. A canoa que fazia a ligação estava avariada e a população de Uite é obrigada a caminhar duas horas, particularmente mulheres e crianças, para ter acesso ao centro de saúde, cruzando o rio que divide as duas ilhas. De acordo com os relatos de uma das duas mulheres, na época das chuvas não se pode andar de Uite para Orangozinho por causa da mata e dos animais e em consequência, os populares são obrigados a ficar no porto à espera da canoa dos pescadores para regressarem para as suas ilhas, porque não possuem centro de saúde.
Segundo os relatos recolhidos no terreno, havia uma canoa que fazia as ligações, apenas uma vez por semana, isto é, a cada segunda-feira. A piroga saia dessas ilhas para Bissau só voltava na sexta-feira. O custo variava de acordo com a distância percorrida isto é, de Bissau até Orango grande era de 4000 francos cfa, quem ia para Onhukun pagava 5000 francos cfa, devido à paragem que a piroga fazia em Uno. E quem viajava de Uno, Orango para Bubaque ou Formosa pagava 2000 francos. A viagem dura 3 horas, de Bissau até Uno e Orango varia entre 09 a 10 horas, dependendo do estado do mar.
Wilson Gomes, lamentou a falta de transporte para ligar as ilhas. Segundo disse, acontece uma vez por semana, dificultando a vida da população, bem como os doentes são obrigados a aguardar até o dia da ligação.
“Mesmo com desgosto (em caso de óbito) ou de doença, é-se obrigado a esperar até o dia da ligação para viajar, e os populares de Orango grande estão a queixar-se da falta de transporte porque já estão há mais de duas semanas sem transporte para se deslocarem, tanto para Bubaque quanto para Bissau”, sublinhou.
Wilson relatou que, em 2017, uma grávida saiu de Uno para Bissau e dada às dificuldades que enfrentou no mar acabou por falecer “porque não resistiu a complicações associadas à pressão arterial?”.
Explicou que a canoa que fazia essa ligação saía de Bissau e passava por Bubaque para embarcar mais passageiros e depois para Uno e Orango Grande. Informou que atualmente a única piroga que faz toda essa ligação está com problemas de motor.
“Praticamente os populares de Orango estão impossibilitados de viajar”, lamentou.
Wilson Gomes contou que a administração enfrenta dificuldades, visto que o edifício do Comité de Estado daquele setor está degradado e não oferece as mínimas condições de funcionamento à administração, bem como não há residência para o representante do governo e que foi a direção da escola, em Uno, que cedeu ao administrador a residência onde está instalado.
Contou que a sede do Comité de Estado daquele setor se encontra em ruínas, o que faz o administrador trabalhar no local onde mora, e conta com apenas quatro funcionários.
Questionado se as dificuldades que alega existirem são do conhecimento do seu ministério, Wilson Gomes respondeu que sim, através de um relatório de auscultação das necessidades da população entregue ao gabinete do ministro, Fernando Dias.
“No relatório consta a necessidade da reabilitação da sede do Comité de Estado, a carência em técnicos da educação e de saúde e a necessidade de ser ampliado o Centro de Saúde, cuja capacidade é muito reduzida.
SETOR DE UNO SEM INSTALAÇÃO PARA O FUNCIONAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO
Wilson Gomes frisou que atualmente, os centros que representa não têm ambulância. Uno tinha uma moto ambulância, mas que está parada por problemas técnicos e que as outras atividades ligadas ao setor saúde são feitas de motos doadas pela UNICEF.
“Fui uma vez ao Onhukun fazer levantamento das necessidades e não encontrei o enfermeiro no posto e quando pedi informações disseram-me que ele tinha ido pescar. Questionei-me a mim mesmo: se chegasse um doente quem iria atende-lo”?
Sobre a segurança nas ilhas sob sua administração, garantiu que há segurança nas localidades que compõem o setor de Uno, visto que há um corpo policial em cada secção e que também não é frequente o registo de queixas ou roubos, contudo, disse que a casa onde funciona a esquadra de Uno é privada e foi cedida pelo proprietário.
“A casinha possui apenas um quarto”, salientou, no entanto, admitiu não saber o número de agentes que atuam naquela localidade.
Sobre o acesso à água potável e à eletricidade, Wilson explicou que em Uno há um furo de água à qual toda a comunidade recorre.
O Democrata constatou que os postes de iluminação pública instalados em Orango não funcionam e alguns funcionam apenas por poucos minutos.
Questionado por que razão esses postes a painéis não funcionavam, disse desconhecer as razões. E acrescentou que também o mesmo acontece em Uno, mas que outros alegam que não funcionam porque são derrubados pelo vento, mas “como não temos escadas para constatar o que realmente se passa tudo ficou na incerteza. E pelos rumores dizem que a antiga administração vendeu a escada que havia em Uno à administração de Bubaque”, concluiu.
E sobre a prevenção contra a Covid-19 que, segundo os dados, a região sanitária dos Bijagós figura na quinta posição entre as regiões com mais casos de covid-19 a nível nacional com 180 casos acumulados, respondeu que a sua administração tem-se envolvido nos trabalhos com as autoridades sanitárias, na sensibilização para o uso obrigatório de máscaras e outras medidas de prevenção junto das comunidades.
Relativamente às escolas, contou que em Orango e Oracane há escolas que funcionam até o sétimo ano de escolaridade e em Uno até décimo primeiro ano e os alunos, ao concluírem esses ciclos, recorrem às escolas de Bubaque ou de Bissau. Em Uno a escola funciona em regime de autogestão.
A nossa equipa constatou que na secção de Orango Grande não há mercado, à semelhança do Uno. Os pescadores andam de porta a porta para vender o pescado ou vão para um espaço onde montaram uma campainha e a um sinal combinado, toda a comunidade fica avisada que há algo à venda.
O preço do pescado varia de acordo com a categoria do pescado, ou seja, de 250 a 1000 francos CFA por quilo. E não há meios de conservação do pescado.
Questionado sobre esses factos, admitiu que apenas a secção de Oracane possui uma fábrica de gelo privada, mas que actualmente não funciona.
Revelou que as mulheres de Oracane beneficiaram de um projecto de horticultura, no qual fazem as suas actividades (produzem malagueta, tomates e outros produtos).
“Às vezes acabam por estragar-se por falta de meios de conservação. Na própria secção não se vende quase nada, porque não há interessados, todos são produtores e ao mesmo tempo consumidores”, disse.
De acordo com o administrador, no setor de Uno, a secção de Uracane é a que regista maior evolução na atividade de pesca, tendo em conta que é a única que tem uma fábrica de gelo. Apesar das dificuldades, para o Administrador do setor de Uno é tranquilo para viver.
Em termos de fiscalização marítima, tendo em conta que é uma das secções da sua administração e faz parte das áreas protegidas pelo Instituto da Biodiversidades e das Áreas Protegidas (IBAP), neste caso, o Parque Nacional das ilhas de Orango (PNO), disse que não tem meios para tal.
A secção de Orango Grande, conhecida como a terra da rainha dos Bijagós Okinca Pampa, também não possui porto de desembarque, mas tem uma escola que leciona até 8º ano de escolaridade, tem um centro de saúde e uma esquadra da Polícia da Ordem Pública (uma pequena cabana).
O Democrata constatou também que os habitantes de Orango Grande vivem da pesca, do cultivo de arroz (m´pampas) e de mancarra e que a atividade mais comum realizada pelas mulheres é a horticultura, comercialização do “Combé” (berbigão concha), que também serve para a confeção de refeições misturado com arroz e a tara para a fazer as esteiras.
“Sem água potável e eletricidade, é notável ver postes iluminação pública que não funcionam, mas ninguém consegue explicar o que se passa ao certo”, lamentou.
Em termos de telecomunicações, Orango Grande conta apenas com uma operadora, que varia de acordo com a luz solar (a eletricidade é suportada por painéis solares), mas “a partir das 21 horas já não podem comunicar até a manhã seguinte”.
O Democrata entrevistou Segunda Alves, residente local, que contou que os produtos essenciais consumidos na ilha saem de Bissau.
“Aproveitamos as águas na época das chuvas e no período da seca recorremos aos poços”, disse. Segunda mostrou-se preocupada com a situação de saúde porque o centro de saúde é “muito pequeno”.
“Tem apenas uma sala para o internamento de doentes. Os doentes não são separados de acordo com a patologia nem sequer por sexo “se der à luz, fica na mesma sala com os outros doentes”.
Pediu a intervenção do governo no sentido de separar a maternidade dos outros serviços, de forma a reduzir os constrangimentos que as grávidas e as mães enfrentam, sobre tudo os de sexo masculino.
“Para conseguirem o sustento, as mulheres recorrem às “taras” para fabricar esteiras que posteriormente vendem em Bissau”, disse.
“As mulheres andam, a pé, 18 quilómetros para cortar as taras. É doloroso e é muito difícil. Fazem atividade de horticultura, e tudo acaba por estragar-se, porque os produtores são ao mesmo tempo consumidores.
Segunda Alves é professora e construiu um pequeno jardim preparatório denominado “Netos de Okinka Pampa”, o único jardim da ilha. O jardim conta apenas com uma sala e mais um bungalow de recreio e funciona em dois turnos (de manhã e à tarde). Tem apenas uma professora, a proprietária, e mais uma auxiliar.
Mensalmente os pais pagam 500 francos cfa. E são estes valores que utilizam para a compra de materiais e para assegurar as refeições das crianças com ajuda, não regular, de algumas pessoas.
PARTOS NO CENTRO DE SAÚDE DE ORANGO GRANDE SÃO ASSEGURADOS COM LANTERNAS DE TELEMÓVEIS
O centro de saúde de Orango Grande depara-se com falta de eletricidade e de água potável e os partos são assegurados com lanternas de telemóveis. O centro é do tipo “C”, conta com apenas três enfermeiros e uma higienista contratada pela direção regional de saúde de Bubaque.
À semelhança de outros centros de saúde, a ilha não tem ambulância nem capacidade para o internamento de doentes, apenas três pessoas podem ser internadas. Os três enfermeiros são auxiliados por 4 agentes de saúde comunitária, em diversas atividades ligadas à saúde.
Os habitantes da ilha de Orango conseguem medicamentos apenas no centro, porque “não existe farmácia na ilha nem dentro do centro, apenas tem um armário junto da sala do parto com medicamentos e não há outra farmácia a não ser o armário na sala de partos”, revelou.
No único posto médico da ilha só se faz a análises de teste rápido, e as restantes pacientes são obrigados a ir para Bubaque.
As consultas para adultos são a 250 francos CFA e para as crianças, de 05 a 14 anos, custam 100 francos cfa. A nossa equipa entrevistou a enfermeira adjunta do Centro de Saúde de Orango, Zelia Martins da Silva Djú, que contou que o centro oferece um serviço de urgências e de consulta externa.
Apesar da greve em vigor na função pública, os técnicos de saúde local não aderiram à greve.
Explicou que não têm nenhum farmacêutico e que as consultas e os tratamentos são administrados pelos enfermeiros, porque “o centro não tem farmácia, mas têm medicamentos disponíveis para venda”.
A enfermeira explicou que não há eletricidade há um ano, adiantando que trabalham com as lâmpadas de mão ou lanternas de telemóveis.
“Nem sequer temos uma ambulância e o moto-carro doado pelo hotel Parque está avariado há três meses”, salientou e disse que a evacuação de doentes é por conta dos familiares, apenas “damos recomendações. O hotel que nos ofereceu painel e moto-carro é que ajuda os familiares na evacuação de doentes quando é solicitado”.
“Registamos forte vento e chuva no ano passado que destruiu o telhado do hospital e arrancou os painéis e tudo, faz um ano que estamos sem eletricidade no centro. Trabalhar à noite sem eletricidade é sempre um risco, mas não temos outra opção”, lamentou.
Revelou que as doenças mais predominantes na ilha de Orango são a infeção respiratória, a diarréia e a hipertensão. E que atualmente estão em seguimento 9 pacientes de HIV, sendo 2 masculino e 7 do sexo feminino.
Disse que de quando em vez recebem materiais, nomeadamente, luvas e máscaras da parte da direção regional e programas, apesar de não ser frequente.
Por: Epifânia Mendonça
Foto: E.M
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