O futuro não é cósmico, é o do meu século,
do meu país, da minha existência.
Frantz Fanon
Por estes dias tenho assistido nas rádios e lido nas redes sociais uma espécie de debate sobre a inclusão da Sociedade Civil no Governo. Muitos são contra, com argumentos que posso respeitar e respeito, e outros são a favor com argumentos que também me parecem respeitáveis e competentes.
Há quem fale de Governo de Unidade Nacional em que a Sociedade Civil teria um papel preponderante que baste, e há quem ache que esta deve fugir dos políticos como o Diabo da Cruz, se não correrá o risco de se desagregar.
Há quem pense mesmo que o papel da Sociedade Civil é de lutar contra o Governo sempre, independentemente das virtudes ou das ações do mesmo. Assim resumidamente: Se o Governo errar, atacar, se acertar, calar a boca, nada dizer, se não, é conotado com o mesmo, etc.
Sendo este assunto - da ida ou não da Sociedade Civil para o Governo -, uma matéria interessante, e sendo eu membro da Sociedade Civil por força de uma ONG (Cultura Património e Cidadania) que criei e sou o Coordenador e por ser também membro da Direção do próprio Movimento Nacional da Sociedade Civil que engloba quase todas as organizações da Sociedade Civil – achei que deveria dar a minha sincera opinião neste caso.
Por isso fiz questão de começar por dizer quem sou em relação a Sociedade Civil, para que quem me leia perceba-me e perceba a minha independência de pensamento nesta ou em qualquer outra matéria (e assim espero continuar mesmo no dia em que comece a passar fome).
Mas antes de continuar queria ainda tecer algumas considerações sobre este convite (assim é entendido) feito pelo Primeiro Magistrado: Se o Presidente da República entende que a Sociedade Civil é útil e necessária neste momento, para servir o país em algo mais do que ser simples crítico ou apoiante de políticas, a sua intenção é louvável. É um reconhecimento de que dá algum valor a Sociedade Civil. Mesmo que esta viesse a recusar este convite, sentirá que não foi posta de lado como tantas vezes (quase sempre) pelo poder Politico, durante estes anos todos.
Todos estes últimos quarenta anos a Sociedade Civil em Geral (aqui não falo do Movimento Nacional em si) tem servido muitas vezes de caixa de ressonância de políticas do Poder e usada pelo Poder Politico, muitas vezes, para legitimar as suas ações de uma forma ou de outra. E isso levou a roturas profundas dentro desta parte significativa e marcante da nossa Nação (por ex. a Liga e outras organizações pediram a suspensão de membros do Movimento Nacional da Sociedade Civil para a Paz, Democracia e Desenvolvimento). Seja como for, isso é compreensível e normal, pois sendo a Sociedade Civil formada por diferentes atores, diferentes organizações, com diferentes objetivos e metas num largo arco de diapasão que vai desde a Protecção do Ambiente, do Património, Cultura, Direitos Humanos, Sociais e Económicos, então é natural que cada acontecimento Politico importante tenha a sua repercussão em cada uma dessas organizações. E consoante a sua sensibilidade ou posicionamento, as reações foram diferentes e por isso muitas acusações ou suspeições sobre apoios a este ou aquela fação politica são recorrentemente lançadas entre elas e acabam passando para a população em geral. E a verdade seja dita, por força disso, hoje em dia muita gente não acredita em nós e na nossa independência de Acção e de pensamento.
Mas isso é errado, pois eu que fui Coordenador da Casa dos Direitos, logo a seguir ao Golpe de 12 de Abril de 2012, e trabalhei com quase todas as organizações da Sociedade Civil, tanto as Nacionais como as estrangeiras ou Internacionais, conheço a fundo esta problemática. Tendo estado ausente do País uns 14 anos, e acabado de chegar, foi um dos melhores aprendizados que tive sobre esta nossa sociedade e os homens que a compõem, mais do que sobre as diferentes organizações que compõem a Sociedade Civil ou o Movimento Nacional.
Nessa altura, como antes e depois, sempre houve acusações de que a Sociedade Civil fazia política encapotada, etc. por exemplo, a Liga dos Direitos Humanos (membro do Movimento nessa altura, era suspeita de apoiar o regime que tinham acabado de ser derrubado e outras organizações eram suspeitas de apoiar o Golpe de Estado. No meu papel de Coordenador da Casa dos Direitos, tinha que trabalhar com todas as organizações independentemente de serem apoiantes de uma das partes ou não. E foi o que fiz, dialogando como todos e trabalhando com todos. Apreendi que esta sociedade é muito mais complexa que nos aprece a primeira vista e as vezes o que nos parecia errado no momento, a longo prazo se viria a revelar verdadeiro. Por isso hoje sou outro homem coma capacidade de entender as opiniões e pontos de vistas de todos mesmo que fossem contra as minhas próprias fortes convicções. Por exemplo eu que era contra o Golpe - por uma questão de principio (não podia aceitar que havia golpes bons e Golpes maus) - acabei criando amizade com muita gente que apoiou e apoiava o Golpe. Pois percebi que muito mais importante do que os lados da trincheira onde nos encontrávamos nesse momento, era o facto de sermos compatriotas. Ser compatriotas, diferentemente de ser amigos, não se escolhe, é uma realidade que nos assiste irrevogavelmente por termos nascido na mesma pátria e comungarmos dessa mesma essência.
De outro modo teremos, como há quarenta anos atrás, apenas palavreado ideológico estafado sobre a “unidade nacional” social e política do país, que como antigamente, conforme as conjunturas, se traduz no palavreado político (ainda mais estafado) sobre a utilidade dos “Governos de Unidade Nacional”. Uma noção extremamente perniciosa, grandemente responsável pelo nosso atraso e subdesenvolvimento, durante anos.
Na verdade, esta noção de “Unidade Nacional” - que geralmente por falta de ideias, meios e capacidade para a sua aplicabilidade prática não teve nenhuma utilidade em qualquer esfera da vida nacional (seja económica, cultural, social ou politica) - só tem expressão, ou por outro, só é “realizada” através dos tais “Governos de Unidade Nacional”; que geralmente nem são Governos (nunca governam, só desgovernam) e muitos menos são algum instrumento de coesão nacional.
Portanto, os Governos de Unidade Nacional, sempre foram uma falácia baseada num certo conceito de “justiça nacional”, esquecendo-se que a “justiça” stricto sensu nada tem a ver com a liberdade, desenvolvimento e progresso.
Também eram baseados em “repartição equitativa” de tribos no aparelho de Estado. Tantos Balantas em relação a tantos Fulas que por sua vez estão em relação a mandingas, etc. Um conceito simplista, muitas vezes utilizada para manter um certo statos quo num determinado momento político (ou pura e simplesmente para dividir postos e tachos) e traduz-se na ideia errónea e tola de que por um representante de cada etnia nacional no Executivo resolve por si só algum problema ou seria uma mais-valia no processo governativo; como se isso alguma vez acrescenta-se competência ou valor a um Governo.
Isso, numa linguagem simples e compreensível para a maioria, é como fazer uma Seleção Nacional de Futebol com representantes de todas etnias, em vez de seguir simplesmente lúcidos critérios futebolísticos, consubstanciados na arte e genica de cada jogador e o contributo que pode dar a à equipa como um todo.
Alem de que Governos de “Unidade Nacional” são Governos políticos e não técnicos, no sentido que não “criam riqueza” e nem “produzem desenvolvimento” de alguma índole, servem apenas para atenuar (e não resolver) problemas políticos (num dado momento) e nenhum problema nacional de verdade. E como não criam riqueza, não a podem distribuir e com o tempo a pobreza é mais forte do que lealdades sejam elas tribais ou religiosas.
Mas se me permitem, sobre este particular – ainda sobre quimeras baseadas em fictícias unidades nacionais -, deve-se dizer que muita gente, inteligente e lúcida quanto aos destinos desta Pátria, também advoga por um Exercito de Unidade Nacional com representantes de várias etnias, em pé de igualdade. Pensam honesta e erroneamente que criando um exército nacional com elementos de várias etnias (com numero de efectivos iguais) teríamos um exército necessariamente melhor; como se esse facto político, por si só, melhorasse o desempenho do mesmo; como se na vida militar pudesse haver outros pressupostos que não sejam a rígida disciplina, coragem, amor a pátria, dedicação e respeito aos poderes constituídos.
Não percebem que isso não resolveria nenhum problema “político” e muito menos “militar” e pelo contrário iria levar a que houvesse indisciplina, brigas e falta de autoridade das chefias, que teriam que funcionar na base de tribalismo - em vez de competência, patriotismo e capacidades naturais de cada elemento - tanto na incorporação como nas promoções, nas passagens a reserva, na atribuição de subsídios, alojamentos, etc.
E isso seria uma fonte de permanente conflitualidade, pois haveria o problema de as tribos maiores quererem ter mais efectivos que as menores, etc. , o que no limite levaria a uma bipolarização entre as duas maiores; coisa que longe de servir para uma unidade orgânica, levaria conflitos que no limite nos levaria a uma outra Guerra a curto prazo.
Mas deste asunto em particular, do exercito nacional, falarei depois, agora voltemos ao Governo com elementos da Sociedade Civil. Como disse o facto de ser convidado para fazer parte de um Governo, seja de Unidade Nacional ou não, é uma honra para o Movimento nacional, afinal neste País já tentamos tudo, e nada resultou. Porque não a Sociedade Civil? Se há anos que a sociedade Civil critica a atuação dos Políticos porque não demostrar na prática a sua capacidade? O que teríamos a perder? Não era Marx que dizia que "É na prática que o homem tem que demonstrar a verdade, isto é, a realidade, e a força, o carácter terreno de seu pensamento. O debate sobre a realidade ou a irrealidade de um pensamento isolado da prática é um problema puramente escolástico." ? Bom penso que é hora de o pensamento da Sociedade Civil ser demostrado no terreno.
Em quantos países a Sociedade Civil foi a solução de todos os impasses de dezenas de anos entre políticos e seus apoiantes? Esquecem da Polonia do Lech Wałęsa? Do Egipto, da Tunísia, do Mali? Toda a revolução nos países árabes foi conduzida pela sociedade Civil já para não falar das Clássicas como a Francesa.
Talvez, hoje, depois e todas as tentativas, golpes e contragolpes, chegou a altura da Sociedade Civil ajudar? Acho sinceramente que sim, apenas não a devem condicionar através de jogos políticos e conjunturais em que os partidos políticos são maquiavélicos. Nós podemos ajudar e como se pretende, mudar o paradigma deste País. Deixar de sermos um país que só se conhece pelas piores razões e fazer dela algo que nos orgulhe.
Se queremos um novo começo, uma tentativa nova vamos incluir um actor novo sem condicionamentos.
Diz-se que ninguém é profeta na sua terra, mas a teorização política deve ser também um instrumento para elevar o nível das nossas gentes e originar uma melhor compreensão do que se passa no nosso país e das reais possibilidades de caminharmos rumo a uma etapa superior.
Não falei com o Presidente do Movimento sobre este artigo e ele nem sabe que vou fazer um artigo, mas é melhor assim. Se aquilo que aqui digo não for do seu agrado, ainda bem, pois eu entendo que no Movimento e dentro do Movimento deve haver sempre independência de pensamento. Assim as minhas opiniões são minhas e de mais ninguém e só me vinculam a mim.
Mas como o mundo, que “nunca envelhece, mas apenas nós” - como bem dizia o meu velho pai, usando a sabedoria do nosso povo neste ditado crioulo-guineense, eu direi que "o povo também “nunca termina nem envelhece, apenas os seus filhos”, então é hora de por as mãos na massa e criar algo novo de raiz em todas as áreas.
Que Déus abençoe esta terra.
Coordenador da CPC
Vice Assembleia Geral do MNSCPD
Bastonário da ONAGB
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