Jornal Odemocrata / 12/06/2020
[REPORTAGEM junho_2020] A presidente da Rede Nacional das Associações de Pessoas viventes e não viventes com VIH/SIDA (RENAP), Maria de Fátima Lopes Machado, disse que a queixa mais frequente que recebem dos pacientes tem a ver com a falta de alimentação, o que levou dezenas de doentes a abandonarem o tratamento antes de se recuperarem e das recomendações médicas.
A responsável da RENAP fez esta revelação na entrevista exclusiva ao Jornal O Democrata para falar da situação dos pacientes com VIH/SIDA abalados com as medidas de restrições impostas pelas autoridades nacionais com o intuito de controlar a propagação do novo Coronavírus, fato que impede a deslocação de dezenas de pacientes à procura de medicamentos e de géneros alimentícios.
Informou durante a entrevista que a sua organização faz o seguimento dos doentes de VIH/SIDA através de visitas a domicílios e sensibilização nas comunidades por um grupo de 100 ativistas espalhados no terreno a nível nacional e que por mês fazem 24 visitas em 12 saídas. Segundo os dados disponíveis, a Guiné-Bissau é o país mais afetado pelo VIH/SIDA na África Ocidental, como também com maior prevalência a nível dos cinco países da África Lusófona, situando-se na ordem de 3,6 por cento.
RENAP DEFENDE QUE PROGRAMA DE LUTA CONTRA SIDA SEJA INCLUÍDO NO ORÇAMENTO GERAL DE ESTADO
Maria de Fátima Lopes Machado explicou que a rede enfrenta problemas de carência de vária ordem, por isso defendeu a necessidade de o Programa de Luta Contra Sida ser incluído no Orçamento Geral do Estado tornar-se urgente como também a inscrição de pessoas viventes com VIH/SIDA consideradas vulneráveis na Previdência Social e o reconhecimento da RENAP por parte das autoridades nacionais e sanitárias do país.
Lembrou que os doentes com VIH/SIDA deviam beneficiar de um fundo de 15% do Orçamento Geral de Estado para complementar o apoio que a organização recebe do Fundo Mundial (FM), nomeadamente: o pagamento da renda do edifício onde funciona a sede da organização, o fornecimento de medicamentos, reagentes e o pagamento do pessoal da direção e ativistas da rede. Contudo, diz estar confiante que em breve haverá sinais positivos para mudar a situação da organização e de doentes de Sida.
ʺTudo vem do Fundo Mundial, por isso é preciso mais engajamento das nossas autoridades para melhorar o funcionamento da organização, adotá-la de instalações adequadas, alimentação para os doentes e o fornecimento de medicamentos para sobrevivência de doentes de VIH/SIDAʺ, indicou.
Maria de Fátima Lopes Machado assegurou que neste momento, não há rotura de medicamentos como nos tempos anteriores. Frisou que o que provocava recorrentemente a rotura de medicamentos tinha a ver com o número de doentes de Sida no país e a previsão que se fazia das quantidades dos medicamentos necessários para a Guiné-Bissau. Assinalou que se o país seguisse as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) estaria sempre em rotura, mas decidiu quebrar as regras e priorizar mais as pessoas com imunodeficiência fraca e submetê-las ao tratamento.
Revelou na mesma entrevista que até 2019, estavam em tratamento dezoito (18.000) mil pessoas com quadro clínico de CD4 muito alto, tendo frisado que a sua organização não recebeu nenhum apoio em géneros alimentícios desde que foi diagnosticado o primeiro caso do novo Coronavírus (Covid-19) na Guiné-Bissau.
“O nosso maior problema é a mobilidade dos ativistas no terreno. Não têm meios de transporte e alguns chegam a percorrer 15 quilómetros de bicicleta para poder seguir os doentes de Sida, sobretudo a nível das regiões, na recuperação de doentes e distribuição de medicamentos”, informou.
A presidente da Rede Nacional das Associações de Pessoas viventes e não viventes com VIH/SIDA (RENAP) referiu que neste momento a rede depara-se com problemas relacionados com a mobilidade de ativistas no terreno e que no quadro de luta contra a Covid-19, foi elaborado um Plano de Emergência que seria desenvolvido por 133 ativistas, mas que ainda não está em execução.
O plano, de acordo com a sua explicação, seria suportado pelo Ministério da Saúde Pública com 5% de subvenção para PVVH/TB, mas até neste momento não há nenhuma resposta neste sentido. O Plano de Emergência foi elaborado para permitir que ativistas pudessem deslocar-se às casas de doentes, segui-los e distribuir medicamentos para seu tratamento.
A ativista guineense exigiu, por isso, o engajamento do Ministério da Saúde no tratamento de doentes de Sida, sobretudo nesta época das chuvas, período considerado sensível para pessoas viventes com VIH/SIDA.
Apelou ao ministro da Saúde, enquanto vice-presidente do Conselho Nacional de Luta Contra Sida, a engajar-se seriamente e garantir que o Plano de Emergência seja operacionalizado o mais breve possível.
Dados estatísticos indicam que a RENAP tem 16 associações filiais, oito em Bissau e oito a nível das regiões e cada organização conta com mais de cem associados. Assegurou que pessoas viventes com VIH/SIDA seguem as orientações da organização, mas nem sempre todas as pessoas testadas positivo aceitam reconhecer o seu estado de saúde e em consequência dessa resistência recorrem mais ao tratamento tradicional ou natural do que ao da medicina moderna.
ʺO Sida é real e é um problema de saúde pública. O vírus ataca os glóbulos brancos da pessoa infetada, portanto os medicamentos que tomamos não curam, mas ajudam o corpo a resistir contra o vírusʺ, explicou.
Maria de Fátima Lopes Machado informou que para reduzir o índice de estigmatização e discriminação de doentes viventes com VIH/SIDA na Guiné-Bissau, foi aprovada a lei nº05/2007 pela Assembleia Nacional Popular (ANP) e promulgada pelo Presidente da República. Segundo Maria de Fátima Lopes Machado, a lei em causa criminaliza a discriminação de seropositivos no país com pena de prisão, mas ʺinfelizmente não está a ser observada na práticaʺ.
SIDA ALTERNAG: “NENHUM PACIENTE DE VIH/SIDA FOI DECLARADO INFETADO OU MORTO PELA COVID-19”
O diretor de serviço do Centro de Informação, Despiste, Aconselhamento e Apoio em Saúde da Organização Não Governamental – Sida Alternag, Mamadu Baldé, afirmou que nenhum paciente de VIH/SIDA foi declarado infetado ou morto pela Covid-19, tendo assegurado que desde que receberam a confirmação de primeiro caso da doença na Guiné-Bissau, o centro tem trabalhado no reforço de medidas necessárias para garantir que os pacientes não sejam contaminados.
O ativista social e especialista em matéria do VIH/Sida e outras doenças sexualmente transmissíveis avançou os dados na entrevista ao nosso semanário para falar da situação de pessoas viventes com VIH/SIDA na Guiné-Bissau e a vulnerabilidade dessas pessoas face à pandemia de Covid-19.
O ativista garantiu na mesma entrevista que o centro dispõe de medicamentos suficientes para atender as demandas de pacientes do VIH/Sida. Revelou, no entanto, que atualmente 3.5% da população da Guiné-Bissau vive com o VIH/Sida, tendo sublinhado que algumas informações apontam para 3.6% de viventes com o VIH/SIDA a nível nacional.
Mamadu Baldé explicou que o centro enfrentou dificuldades de acesso aos medicamentos, tendo em conta a situação da pandemia e a dificuldade de deslocação de seus ativistas para acompanhar o tratamento de doentes e que devido a essas dificuldades, elaborou-se um plano de atendimento, alargando o período de cedência de medicamentos para o atendimento de pacientes que se deslocam ao Centro de Informação, Despiste, Aconselhamento e Apoio em Saúde.
“Todos os pacientes que conseguiram deslocara-se até ao centro foram atendidos e foi-lhes fornecido medicamentos, alargando o tempo mínimo de três meses, tendo em conta o período de previsão estabelecido até que a situação da Covid-19 abrande para poder tomar os medicamentos em tempo útil”, assinalou Mamadu Baldé.
BALDÉ: CORONAVÍRUS OBRIGA A REDUÇÃO DE ATENDIMENTO DE PACIENTES DE 10 A 15 SEMANAL
Em relação aos pacientes com dificuldades de mobilidade, Mamadu Baldé frisou que o centro disponibilizou uma equipa de ativistas que se desloca às casas de doentes, para a distribuição dos medicamentos, “mas essa agilidade apenas aconteceu a nível do Setor Autónimo de Bissau”.
O diretor de serviço de Sida Alternag do Centro de Informação, Despiste, Aconselhamento e Apoio em Saúde explicou que algumas pessoas preferem fazer tratamento onde julgam pertinente, sobretudo no contexto das regiões. Informou que já existia a possibilidade de o paciente vivente com o VIH/sida tratar-se na região onde reside, porque “a rede de centros de tratamento tem a cobertura nacional e todos os pacientes têm a possibilidade de tomar medicamentos nas respetivas regiões, mas não obstante essa diligência, alguns preferem tomar medicamentos em Bissau”.
“Neste momento, solicitamos diretamente a CTA regional (Centro de Tratamento Ambulatório) no concernente ao seguimento e tratamento de doentes a nível local e a título de empréstimo até quando tivermos a possibilidade de repor os medicamentos, por isso não há nenhuma dificuldade de os pacientes do interior do país terem acesso a medicamentos a nível local”, assegurou.
Mamadu Baldé reconheceu, contudo, que a sua organização continua a deparar-se com a dificuldade relacionada com os meios de transporte para circulação dos ativistas, tendo em conta o respeito pelas regras de convivência da Covid-19. Sublinhou que no quadro de prevenção e de combate contra o novo Coronavírus e o Sida, a Alternag foi obrigada a reduzir os dias de atendimento de cinco para três dias semanais para o atendimento geral, com permanência de serviços para responder às demandas de pacientes.
O ativista disse que antes de Covid-19, o centro atendia diariamente 10 a 30 pacientes, mas com o atual momento do Coronavírus o número de atendimento reduziu-se para uma media de 10 a 15 pacientes por semana, lembrando que o maior fornecedor de medicamentos é o Fundo Mundial e gerido pelo Secretariado Nacional de Luta Contra o Sida (SNLS), que tem os seus serviços permanentes desde a reabertura de serviços na gestão da problemática de VIH/Sida.
Segundo Mamadu Baldé, neste momento, o Programa Alimentar Mundial (PAM) não fornece géneros alimentícios ao projeto e que os dados de último relatório indicam que o número de pacientes que têm tratamento em dia subiu para 436.
“É uma doença que evolui e os resultados têm a condição de se manterem, porque não temos novas incidências como também o número poderá aumentar, devido às novas contaminações e no quadro de despistagem seremos obrigados a incluir novos pacientes”, notou.
Por: Filomeno Sambú/ Carolina Djeme
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