domingo, 3 de maio de 2020

LUFADAS DE AR FRESCO, ENTRE OS EXCESSOS E AS FALTAS DE CHÁ

Por Jorge Herbert

A Guiné-Bissau, terra que guarda o meu umbigo, é um dos países mais pobres do mundo, fruto dos desmandos de um grupo de supostos libertadores que mantiveram o país durante longos anos num sistema de partido único, para a seguir simularem uma abertura democrática, mas nunca se libertando da doutrina independentista, mantendo a filosofia do Partido libertador com regalias especiais em relação aos bens do Estado.

Nesse contexto, o Estado guineense foi empobrecendo, com o descurar dos pilares essenciais para o suporte e adequado funcionamento de qualquer Estado, como a Educação, a Justiça e a Saúde.

Descuraram a educação para melhor manipularem a consciência coletiva. Instrumentalizaram a justiça para melhor dominarem a sociedade. Desprezaram a saúde, porque não dá lucros imediatos e como “djintons”, tinham facilidades em apanhar um avião e colocarem-se em melhores condições de tratamento fora do país.

Priorizaram o resgate financeiro aos bancos e aos amigos empresários e ainda fizeram campanhas eleitorais luxuosas, enquanto morriam guineenses por falta de recursos nos hospitais do país!

Fruto desse desinvestimento, associado a um tempo em que as ‘’fake news‘’ tornaram-se numa importante arma para a conquista ou preservação do poder, hoje sinto que o povo guineense encontra-se dividido, confuso e perdido, em que tudo é politizado! Mesmo perante uma batalha desigual, contra um poderoso inimigo invisível que já ceifou milhares de vida nos países mais ricos do mundo, num país pobre como a Guiné-Bissau, os nossos quadros, a nossa diáspora e os nossos políticos, são incapazes de pousarem temporariamente as armas de guerra política e unirem esforços para enfrentar o inimigo comum!

A aquisição do chá contra COVID saltou para a ribalta, para uns como a esperança para a salvação do pobre povo sem recursos de saúde, para outros como o tema principal para ridicularizar os responsáveis políticos responsáveis pela aquisição da mesma!
Como homem moldado pela ciência, não posso de forma nenhuma concordar com o uso medicinal de qualquer produto que não tenha passado por todos os controlos que a ciência farmacológica exige, antes de ser colocado no mercado.

Agora, resta interrogar se estamos a falar de um medicamento ou estamos a falar de um chá com potenciais efeitos medicinais? É que se falamos de um produto que pretende enquadrar-se no Estatuto do Medicamento definido por decretos leis, tendo comprovadamente propriedades curativas ou preventivas de doenças, comprovadas por todas as fases científicas que um produto tem de passar para adquirir o tal estatuto, temos de assumir que esse produto não deve ser introduzido no circuito do medicamento, muito menos introduzido no circuito de importação e comercialização de medicamentos, nem tão pouco utilizado nas instituições de saúde…

Se estamos a falar de chás com potenciais efeitos medicinais, temos de enquadrá-lo fora do tal Estatuto do Medicamento, acreditando ou não nos seus efeitos, como muitos acreditam que o chá de camomila tem efeito relaxante e indutor do sono, o chá de hortelã preserva a memória, o chá verde ajuda a controlar a diabetes, ou o chá preto é estimulante e protege o coração… Isso para não falar na crença que muitos têm nas infusões que se fazem na Guiné-Bissau com as ervas naturais, como Buku, Massiti e Koronkonte (se a memória não me esteja a trair nos nomes)!

As ervanárias na Europa têm as suas portas abertas, sem qualquer censura por parte da população ou de índole política! É óbvio que estão regulamentadas pela lei e não podem ultrapassar determinados limites de atuação. Mas, durante a minha formação médica, já vi uma mulher jovem a ter de ser submetida à um transplante do fígado urgente, pelo consumo de produtos da ervanária para emagrecimento…

Como médico não estou munido de evidências científicas para aconselhar qualquer desses chás aos meus doentes, como tendo efeito terapêutico, mas também julgo que poucos são os médicos que têm arcaboiço e dados científicos para rejeitar de forma fundamentalista os efeitos de determinados chás, como tenho visto alguns médicos e não médicos guineenses a fazê-lo, em relação ao produto natural promovido pelo Presidente de Madagáscar como tendo efeito contra o Coronavírus.

Aos fundamentalistas médico-científicos, queria alertar que, pese embora tenham adquirido o estatuto de medicamento, nenhum dos fármacos que estamos a usar neste momento, para o tratamento de COVID-19 tem estudos controlados a provar o seu benefício no tratamento da infeção por SARS-COV2. Mas utilizamos com base em publicações de experiências recentes de outros centros de tratamento ou com outros Coronavírus…

Sabendo que o envolvimento psíquico e emocional do doente no processo do tratamento é um dos factores importantes no sucesso terapêutico, desde que não abandonem a ciência e o tratamento médico aconselhado, ainda por cima sem qualquer evidência de que o consumo desse chá acarreta graves efeitos secundários, não posso deixar de interrogar sobre a autoridade científica, política ou moral que leva à algumas comunicações fundamentalistas de alerta para o não consumo do tal produto natural importado de Madagáscar! Na minha óptica, essas comunicações situam-se no mesmo patamar da ignorância daqueles que, sem evidência científica, aconselham ao seu consumo com fins terapêuticos!

Mas, no meio de excessos e faltas de chá, queria primeiramente realçar a atitude patriótica do Primeiro-Ministro Nuno Nabiam e do Ministro de Interior Botche Candé, ao tornarem público que estavam infetados pelo Coronavírus e encontravam-se bem e em quarentena. Para mim, esse gesto, para além de ajudar a desmistificar essa doença na sociedade, foi um gesto de inovação política na Guiné-Bissau, onde tudo o que eram doenças dos governantes eram tratados nos segredos dos deuses e fora da Guiné-Bissau. Hoje, temos governantes a assumirem publicamente as suas doenças e a serem tratados por médicos guineenses!

Mas a minha admiração e agradecimento vai para os profissionais de saúde que, apesar de enormes dificuldades que enfrentam, para colocarem os seus conhecimentos médicos ao serviço da população, conseguem exercer uma medicina de qualidade, ajustada aos recursos do país!

Tive o prazer de ler o “Protocolo de Tratamento COVID-19, brilhantemente elaborado pelos profissionais guineenses, de forma adaptada à realidade dos recursos do país e publicado pelo Centro de Operações de Emergências em Saúde (Ver imagem em anexo). Aí consta tudo o que são orientações para o tratamento de COVID-19, suas complicações e descompensações das comorbilidades, em consonância com aquilo que são as recomendações internacionais.
Os meus agradecimentos a todos os ilustres colegas que participaram na elaboração desse excelente documento (lista em anexo) e digo-lhes que sempre acreditei que o problema da Guiné-Bissau nunca foi falta de quadros competentes, mas sim a falta de vontade e capacidade política para desenvolver o país.

Que o processo da segunda independência seja irreversível, mesmo sob as subtis manobras da CEDEAO influenciada pela batuta de determinados lobbies que controlam as Nações Unidas.



Jorge Herbert

Sem comentários:

Enviar um comentário