Por: Santos Fernandes
O poder pode parecer abstrato, mas para aqueles que têm maior sintonia com ele – ou seja, os poderosos – seus altos e baixos são sentidos de modo muito concreto. Afinal, as pessoas com poder são as que detetam melhor tanto suas possibilidades quanto os limites do que podem fazer com esse poder. Isso faz com que muitas vezes se sintam frustradas com a distância existente entre o poder que os demais supõem que elas têm e o poder que de fato possuem (MOISÉS NAÍM, 2013).
No seio familiar, convivi com pessoas que experimentaram os bastidores de poder, por mais de duas décadas na Guiné-Bissau, no entanto, a maioria dessas pessoas “confessa”, hoje, por omissão ou conveniência, a sua frustração em como o poder na Guiné-Bissau é um exercício suscetível e vulnerável às “traições” de vária ordem.
Mas a lição mais profunda dessa experiência partilhada por pessoas que outrora conviveram com “os bastidores de poder na Guiné-Bissau” eu só iria compreender totalmente alguns anos mais tarde.
Trata-se da enorme distância entre a percepção do poder e a realidade do poder, segundo um dos principais diplomatas do, então, regime e que detinha “imenso” poder. Na prática, porém, essa pessoa contava com uma capacidade muito limitada de empregar recursos, mobilizar pessoas e organizações e, em termos mais gerais, de fazer as coisas acontecerem. Seus colegas e até o presidente da república tinham a mesma sensação, embora não falássem sobre isso e resistissem a reconhecer que governo era lento e fraco.
Qual seria a explicação? Naquela hora atribuí aquilo à sistemática precariedade institucional na Guiné-Bissau. Minha sensação era e é que o nosso défice, em termos do exercicio do poder, se deve à conhecida e profunda ineficiência, fraqueza e mau funcionamento dos nossos órgãos públicos. A impossibilidade de exercer o poder a partir do governo certamente não deve ser tão acentuada em outros países de igual nível de desenvolvimento, creio.
Na everdade, o poder está se dispersando cada vez mais e os grandes atores tradicionais (governos, exércitos, empresas, sindicatos etc.) estão cada vez mais a ser confrontados com novos e surpreendentes rivais – alguns muito menores em tamanho e recursos. Além disso, aqueles que controlam o poder deparam-se cada vez com mais restrições ao que podem fazer com ele.
Costumamos interpretar mal ou até ignorar completamente a magnitude, a natureza e as consequências da profunda transformação que o poder está a sofrer nos tempos atuais. É tentador ficar focado apenas no impacto da internet e das novas tecnologias da comunicação em geral, nos movimentos do poder numa ou noutra direção, ou na questão de se o poder soft da cultura está a tomar o lugar do poder hard dos exércitos. Mas essas visões são incompletas. Na verdade, elas podem até obscurecer nosso entendimento das forças fundamentais que estão a mudar a forma de adquirir, usar, conservar e perder o poder.
Sabemos que o poder está a passar daqueles que têm mais força bruta para os que têm mais conhecimentos, dos países do norte para os do sul e do Ocidente para o Oriente, dos velhos gigantes para as empresas mais jovens (start-ups) e ágeis, dos ditadores aferrados ao poder para o povo que protesta sistematicamente nas praças e nas ruas, e em alguns países – vide o caso da Guiné-Bissau – começamos a ver até como o poder passa dos homens para as mulheres e dos mais velhos para os mais jovens. Mas dizer que o poder está indo de um continente ou país para outro, ou que está se dispersando entre vários atores novos, não é suficiente.
O poder está a sofrer uma mutação muito mais fundamental, que ainda não foi suficientemente reconhecida e compreendida.
Enquanto Estados, empresas, partidos políticos, movimentos sociais e instituições ou líderes individuais rivais brigam pelo poder, como têm feito sempre, o poder em si – aquilo pelo qual lutam tão desesperadamente, que tanto desejam alcançar e conservar – está perdendo eficácia.
Afinal, o poder é na verdade uma “kanela di cabra”, não se deve confiar nele, pela sua fragilidade e vulnerabilidade, em se tratando do caso guineense, na medida em que se muda com uma velocidade de luz. Ora para esquerda, ora para direita. Uns defendem o beltrano, hoje. Amanhã, outros apoiarão o fulano ou sicrano.
Portanto, na Guiné-Bissau, o poder é mais “fácil” de obter, mais “difícil” de utilizar e mais “fácil” de perder, enfim, o processo de degradação do poder – suas causas, manifestações e consequências – a partir do ponto de vista dos seus efeitos não só para a pequena minoria que mais tem e que mais manda. Em poucas palavras, o poder não é mais o que era. Banalizou-se o poder, será?
Tenho manifestado, por escrito, interesse especial em explicar e questionar o que significam as tendências do poder para todos nós, em vésperas de eleições presidenciais marcadas para novembro/2019, procurando compreender “in loco” de que maneira o país, em que vivemos, está a ser reconfigurado e projetado pelos nossos detentores do “real Power”.
Apenas uma opinião!
Santos Fernandes
Referência:
The end of Power: from boardrooms to battlefields and churches to states, why being in charge isn’t what it used to be. (MOISÉS NAÍM, 2013).
Fonte: Aliu Cande
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