Um relator especial das Nações Unidas afirma que, desde a crise financeira de 2008, as medidas de austeridade, que acentuaram a desigualdade e a exclusão social, foram prejudiciais à saúde mental. E a prescrição de medicamentos pode afigurar-se inadequada, se as doenças forem sobretudo causadas por fatores psicossociais.
Pūras concluiu que a austeridade, a desigualdade e a precariedade laboral são fatores chave para a saúde mental, ou a falta dela | Darren Staples - Reuters
A austeridade afetou milhões de pessoas na Europa. No caso de Portugal, a taxa de desemprego subiu a um nível sem precedentes – 10,9 por cento em 2010 -, os rendimentos das famílias desceram cerca de sete por cento entre 2009 e 2013 e o risco de pobreza aumentou até 2015.
Mas como pode a desigualdade afetar o corpo e, em concreto, a mente?
Dainius Pūras, relator especial das Nações Unidas para o direito à saúde física e mental, escreveu um novo relatório, no qual explora a relação entre a saúde mental e a desigualdade. Numa entrevista exclusiva ao diário britânico The Guardian, o autor explica os resultados a que chegou.
Pūras concluiu que a austeridade, a desigualdade e a precariedade laboral são fatores chave para a saúde mental, ou a falta dela.
A crise financeira de 2008 e as políticas de austeridade que se seguiram contribuíram negativamente para a saúde mental. "As medidas de austeridade não contribuíram de forma positiva para a saúde mental. As pessoas sentem-se inseguras, sentem-se ansiosas, não têm um bem-estar emocional devido a esta situação de insegurança", disse.
"A desigualdade é um obstáculo chave na saúde mental a nível global. Muitos fatores de risco para uma má saúde mental estão associados a desigualdades nas condições de vida. Muitos fatores de risco estão também relacionados com o impacto corrosivo de ver a vida como algo injusto", escreve no relatório.
Assim, não serão apenas fatores biológicos ou neurológicos que contribuem para as doenças mentais, mas também fatores psicossociais como a pobreza, a desigualdade, a exclusão social e medidas governamentais.
Uso excessivo de medicação?
"As pessoas vão aos seus médicos para que lhes prescrevam medicação, o que é uma resposta inadequada”. Ao invés, Pūras acredita que os governos deveriam encarregar-se de tratar da pobreza e da desigualdade e que tal "melhoraria a saúde mental".
De facto, a prescrição de medicamentos para as doenças mentais tem aumentado nas últimas décadas, sobretudo antidepressivos. Pūras argumenta que a justiça social e medidas de combate à desigualdade seriam mais eficazes. "Esta seria a melhor "vacina" contra as doenças mentais e seria muito melhor do que o uso excessivo de medicação psicotrópica", disse.
Nas últimas décadas, o número de pessoas que sofrem de doenças mentais tem aumentado, designadamente a depressão e a ansiedade, que cresceram 40 por cento nos últimos 30 anos. Atualmente, estima-se que 970 milhões de pessoas sofram de alguma doença mental, um número preocupante.
O relator alerta ainda para a influência da indústria farmacêutica, que diz "disseminar informação tendenciosa acerca da saúde mental".
Por último, encoraja os governos a adotarem medidas de combate à desigualdade e à exclusão social, assim como uma melhor segurança social e sindicatos mais fortes.
RTP.PT
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