quinta-feira, 21 de setembro de 2017

"Não podemos esperar obediência dos nossos filhos, uma obediência cega"

Todos os pais já passaram pela adolescência e pelo cocktail descontrolado de hormonas que deixa qualquer um com os nervos em franja nessa fase da vida, mas nem isso é suficiente para saberem lidar com um adolescente... Muito menos nos dias de hoje. Estivemos à conversa com a psicóloga Cristina Valente sobre os desafios desta fase da vida humana.


© Paulo Spranger / Global Imagens

Adolescência: Fase da vida humana entre a infância e a vida adulta, aproximadamente entre os 12 e os 18 anos, que se caracteriza por mudanças físicas e psicológicas que ocorrem desde a puberdade até ao completo desenvolvimento do organismo.

A definição, por si só, diz tudo sobre aquele que é, para a maioria, o momento mais impactante da vida humana, mas a verdade é que é cada vez mais difícil saber lidar com esta fase.

"Hoje em dia, a maior parte dos adolescentes tem já uma bagagem de conhecimento e de vida muito maior do que há algumas décadas. Olhamos hoje para um adolescente, com tudo aquilo que lhe é permitido fazer, tudo o que tem disponível na sociedade, pensamos que já não precisa de nós, que já não há nada a fazer quando as coisas correm mal, as pessoas desistem muito cedo porque acham que o adolescente é já um adulto, mas a verdade, é que, emocionalmente, a adolescência é a fase em que os miúdos mais precisam do acompanhamento dos pais. Eles não sabem dizer isso, eles não dizem isso".

As palavras são da psicóloga Cristina Valente que, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto, falou da adolescência e da importância da presença dos pais nesta fase da vida. Para a especialista, e tal como acontece com as crianças, a falta de tempo dos pais, "impacta de uma forma incrível" na adolescência, "aliás, a idade dos filhos em que curiosamente mais precisam de acompanhamento é na da adolescência".

"A tendência deles é afastarem-se porque há neles um movimento de independência e de autonomia que faz parte do desenvolvimento e tem de acontecer, no entanto, posso dar espaço e liberdade sem que isso signifique não dar limites, não alertá-lo para os desafios de hoje em dia. Hoje, os desafios de um adolescente e dos pais de um adolescente são consideravelmente maiores do que quando foi a minha adolescência", conta-nos.

Mas não é por se tratar de uma fase difícil que a adolescência tem de ser um pesadelo. Pelo contrário. É nesta fase que uma boa parte da personalidade, da responsabilidade e das capacidades se formam e, por isso, o papel dos pais é mais determinante.

Saber o que se passa na mente de um adolescente pode ser um verdadeiro desafio, mas Cristina está disposta a ajudar. Chega hoje à bancas o livro 'O que se Passa na Cabeça do meu Adolescente? - Viva esta etapa de forma harmoniosa e positiva, com regras, respeito, equilibrando obediência e liberdade' [Manuscrito] em que "fala de algumas coisas que não são habitualmente abordadas nos livros para pais".

Ao longo de cerca de 300 páginas, a especialista dá a conhecer as melhores estratégias para compreender um adolescente, mas também para ajudar o adolescente a compreender-se a si mesmo. Dos sentimentos ao papel dos avós, da separação dos pais aos comportamentos típicos nesta fase da vida, nunca esquecendo a sensação de emancipação e a vontade desobediente de liberdade, são muitos os temas abordados neste livro que serve como um guia prático para os pais dos tempos modernos.



O que se Passa na Cabeça do meu Adolescente?© Manuscrito

"Em primeiro lugar, são alguns desafios que muitos pais de adolescentes nem sabem que os filhos enfrentam e quando eu não sei, não sei que não sei, portanto, temos de perceber o que está à volta para ajudá-los e protegê-los. E, em segundo lugar, uma coisa que também não é falada em livros para pais, que tem a ver com a importância do meu passado e da importância do meu inconsciente na forma como lido comigo próprio, na minha vida profissional e, sobretudo, na relação que vivo com os meus filhos", explica-nos.

Dar liberdade sem liberdade a mais

Falar de adolescência sem falar no desafio da liberdade é quase impossível e, segundo a psicóloga, "não é fácil percebermos qual é a linha" que separa a liberdade da liberdade a mais. "Nos adolescentes, hoje em dia, realmente não é nada fácil", frisou, destacando que, no entanto, se o pai e a mãe tiverem com o adolescente "um relacionamento de confiança, de proximidade e respeito mútuo que começou desde os seus primeiros anos" é meio caminho andado para conseguir resolver o que pode não vir a correr como o planeado.

Para a especialista, o método de 'tentativa-erro' é o mais eficaz, pois "os erros são uma oportunidade de aprendizagem para as crianças, mas também para os pais. Não podemos dizer 'ai, cometi uma grande erro e agora sou o pior pai do mundo, agora já não posso fazer nada'... não, podemos chegar ao pé dos nossos filhos e dizer 'também estou a treinar, também estou a crescer'. Já me aconteceu a fazer isso".

Mas neste jogo de cintura entre liberdade e não-liberdade, há sempre espaço para a desobediência. Ou então não. "Quando [o adolescente] percebe que há respeito, não vai compreender a mensagem de forma errada, vai sentir que as coisas estão a ser feitas pela melhor das razões. Mas há uma coisa: não podemos esperar obediência dos nossos filhos, uma obediência cega. Nós é que temos de ter o trabalho de menos ego, no sentido de assumir que somos o pai daquela pessoa, mas que não mandamos naquela pessoa. O que podemos fazer é inspirar essa pessoa para ela fazer aquilo que quero fazer, por isso é que falo de liderança".

Contudo, e uma vez que em causa estão os imprevisíveis adolescentes, a desobediência pode acontecer, mas "nem sempre quando se é desobediente as coisas correm mal". "O principal é mesmo a relação, criar uma relação forte em que combinamos as consequências com o adolescente. Se tiver para as coisas principais do dia a dia as consequências atribuídas para sempre que o adolescente ultrapasse os limites, vou ter a minha vida muito mais facilitada".

E a vida do adolescente também fica bem mais fácil - ou menos dramática aos seus olhos - com uma relação sólida. "Na verdade, o que tenho que perceber na vida do meu miúdo, na vida dele cá em casa, na minha relação com ele, o que é que não vou permitir nunca, os valores inegociáveis, aqui tenho de ser completamente firme. Mesmo assim ele pode falhar, mas quando ele falhar tenho de estar lá para, com base na relação de confiança que tenho com ele, inspirá-lo a fazer de forma diferente na próxima vez".

NAOM

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