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“Um fôlego moral para a Ucrânia, uma humilhação para a Rússia, uma preocupação para os EUA, que ficam numa situação muito desconfortável”. É assim que o major-general Agostinho Costa resume os ataques ucranianos dos últimos dias em território russo - no domingo, com aquela que é descrita pelo major-general Isidro de Morais Pereira como “a operação mais destrutiva que a Ucrânia levou a cabo desde que começou a invasão russa”, recorrendo a um sofisticado plano de ataque de drones contra bases aéreas militares russas; e nesta terça-feira, com um ataque à ponte de Kerch, que faz a ligação entre a Rússia e a península da Crimeia, com recurso a minas subaquáticas com mais de uma tonelada de explosivos.
O ataque ucraniano desta terça-feira contra a ponte de Kerch, com recurso a minas subaquáticas com 1.100 kg de explosivos☝
Estes ataques, que resultam de uma “operação muito complexa”, reconhece Agostinho Costa, com meses de planeamento e “em sigilo absoluto”, como salienta o major-general Isidro de Morais Pereira, abrem “um novo capítulo na confrontação bélica”, correndo-se o risco de outros países fazerem o mesmo contra o Ocidente, teorizam os especialistas militares.
O ataque de domingo foi apelidado pelos próprios ucranianos como operação “Pavutyna” (teia de aranha) e demorou 18 meses a ser preparado. “A forma como foi preparada é uma novidade que deve causar alguma preocupação não só à Rússia, mas também aos aliados ocidentais”, avisa o major-general Isidro de Morais Pereira.
O plano foi implementado pelo chefe máximo dos serviços secretos ucranianos (SBU), Vasyl Malyuk, e implicou o envio de drones FPV (de Visão na Primeira Pessoa) para o território russo, que ficaram escondidos em tetos falsos de casas de madeira móveis, transportadas em camiões estacionados perto das bases aéreas militares russas. “No momento certo, os tetos das casas foram abertos remotamente e os drones foram lançados para atacar os bombardeiros russos”, explicou um oficial do SBU, citado pela imprensa ucraniana. Segundo Vasyl Malyuk, os drones atingiram cinco bases militares aéreas e danificaram 41 aeronaves, incluindo A-50, Tu-95, Tu-22 M3 e Tu-160.
“Se a Ucrânia foi capaz de montar uma operação desta natureza em território russo, também a Rússia, também a China, também a Coreia do Norte - eventualmente utilizando o mesmo tipo de mecanismos - podem levar a cabo uma ação parecida com esta sobre alvos ocidentais”, teoriza Isidro de Morais Pereira, em declarações à CNN Portugal.
Apesar de os serviços secretos ucranianos terem reivindicado a autoria do ataque, o major-general Agostinho Costa acredita que não agiram sozinhos. “A Ucrânia não tem capacidade para lançar uma operação destas sozinha”, argumenta, apontando que “operações desta natureza são conduzidas por britânicos e norte-americanos” desde logo do ponto de vista dos satélites e da informação.
É partindo deste princípio que Agostinho Costa entende que os EUA se encontram numa “situação muito desconfortável” com o ataque ucraniano de domingo. Isto porque os EUA e a Rússia assinaram o Tratado New Start, em 2010, que refere que bombardeiros como aqueles que foram danificados naquele ataque - como o TU-95, TU-22 e TU-160 - “têm de estar em céu aberto para poderem ser monitorizados pela outra parte”, como medida de desanuviamento entre as partes de modo a garantir que não excedem o limite de bombardeiros definido naquele tratado,
Além disso, segundo o major-general Agostinho Costa, ao abrigo do Tratado New Start, os EUA e a Rússia comprometeram-se mutuamente a não atacar as bases aéreas militares da outra parte, em caso de conflito. O tratado refere ainda que este compromisso é alargado aos aliados dos respectivos países, acrescenta Agostinho Costa. Daí o “incómodo” dos EUA com este ataque ucraniano, diz, sugerindo que a Casa Branca rapidamente veio a público assegurar que não teve conhecimento prévio deste ataque para se afastar do mesmo. “Os EUA sabiam e fizeram naturalmente parte do planeamento e da preparação desta operação. A questão aqui é se Trump sabia”, questiona Agostinho Costa, que assume que “muito provavelmente não sabia”, tendo em conta que, nos EUA, “os serviços secretos tendem a ter um ritmo próprio” e “uma autonomia que nem sempre joga com as respetivas administrações”.
Ora, a confirmar-se o envolvimento dos serviços secretos norte-americanos na operação Teia de Aranha, gera-se “uma situação muito preocupante” para os EUA e para o Ocidente como um todo, afirma o major-general Agostinho Costa: “Os Estados Unidos são responsáveis por impedir que a tríade não seja alvo de ataque e agora, têm a sua [frota de aeronaves] nas mesmas condições de vulnerabilidade e permite aos russos, se entenderem, dizerem: 'a partir de agora vamos meter os aviões em hangars, e os meus amigos nem sabem quantos é que temos'. “
Sendo certo que a Rússia suspendeu a sua participação no Tratado New Start, a verdade é que não se retirou do tratado e garantiu que iria continuar a respeitar os limites definidos no texto.
Com o ataque de domingo, continua o major-general Agostinho Costa, “abriu-se uma caixa de Pandora”. “Qualquer grupo terrorista hoje consegue mimetizar uma ação deste género. Abriu-se um novo capítulo na criatividade bélica. Isto vai sair caro, porque estas novas páginas da confrontação bélica, que estão ao alcance de qualquer um, e que não exigem tecnologia muito sofisticada, com impactos de natureza estratégica, mudam um o rosto da guerra.”

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