quinta-feira, 29 de maio de 2025

Rearmamento dos países da NATO ameaça metas climáticas globais

Tropas francesas em exercícios da NATO na Estónia (AP)    cnnportugal.iol.pt

Investigadores alertam que o reforço militar da NATO poderá fazer disparar as emissões em até 200 milhões de toneladas de CO₂ por ano — o equivalente à pegada de um país como o Paquistão. E o ciclo é vicioso: o agravamento da crise climática alimentará novos conflitos

Numa altura em que o planeta regista o maior número de conflitos armados desde a Segunda Guerra Mundial, os países da NATO preparam-se para aumentar drasticamente o investimento em defesa e com isso poderão contribuir para uma escalada das emissões de gases com efeito de estufa na ordem dos 200 milhões de toneladas por ano, segundo uma nova investigação partilhada em exclusivo pelo The Guardian.

A análise, conduzida por Ellie Kinney, do Conflict and Environment Observatory (“Observatório do Conflito e Ambiente”), e Lennard de Klerk, da Initiative on the GHG Accounting of War (“Iniciativa para a Contabilização dos Gases com Efeito de Estufa na Guerra”), traça um cenário preocupante: a militarização acelerada pode "comprometer gravemente" o cumprimento do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 13 da ONU — que é sobre a “ação climática” — e criar um ciclo "autoalimentado" de crise. Ou seja: mais armamento gera mais emissões; mais emissões agravam as alterações climáticas; e estas, por sua vez, alimentam conflitos.

“Estamos a sacrificar a segurança de longo prazo pela ilusão de segurança imediata”, afirma Kinney, alertando para o risco de decisões políticas "míopes". “Aumentar a segurança militar agora é contribuir para um mundo mais inseguro daqui a uma década", acrescenta. 

Em 2023, os gastos militares globais atingiram o valor recorde de 2,46 biliões de dólares. Só na União Europeia, o investimento em armamento subiu mais de 30% entre 2021 e 2024. E a tendência não deverá abrandar: o plano “ReArm Europe”, delineado pela UE em março, prevê um reforço orçamental de 800 mil milhões de euros, impulsionado por receios em torno da reeleição de Donald Trump e do seu recuo no apoio à Ucrânia.

Os investigadores centraram a análise na NATO — não por ser o foco pretendido, mas por ser a aliança militar mais transparente quanto aos seus gastos — e calcularam o impacto de um aumento de dois pontos percentuais no peso do orçamento militar face ao PIB. Excluindo os EUA, que já lideram destacadamente o investimento em defesa, a estimativa aponta para um acréscimo anual de emissões entre 87 e 194 megatoneladas de CO₂ equivalente.

Essa pegada extra, dizem os autores do estudo, terá um custo económico "monumental". Tendo por base o valor médio do “custo social do carbono” — cerca de 1.347 dólares por tonelada —, a fatura ambiental da NATO poderá ascender a 264 mil milhões de dólares por ano. E isto sem contar com o impacto de países fora da aliança. “A nossa amostra representa apenas 9% das emissões mundiais”, nota Kinney. “A verdadeira dimensão do problema é muito maior.”

A análise sublinha ainda o impacto orçamental do reforço militar: cada euro gasto em armas é um euro que não é canalizado para políticas de mitigação climática.

No Reino Unido, Bélgica, França ou Países Baixos, o aumento da despesa em defesa foi compensado com cortes na ajuda externa. Uma escolha que mina a confiança entre o Norte e o Sul globais, como ficou patente na última cimeira climática. “Em espaços como a COP29, países como Cuba apontaram com razão o paradoxo: há dinheiro para tanques, mas não há fundos para o clima", pode ainda ler-se no trabalho de Kinney e de Klerk. 


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