Abrigo nuclear Suíça (Getty Images) cnnportugal.iol.pt
Em fevereiro de 2022, quando a Rússia começou a bombardear Kiev, Zora Schelbert, diretora operacional do bunker nuclear Sonnenberg — que é um dos maiores abrigos nucleares civis do mundo —, em Lucerna, na Suíça, viu multiplicar-se o número de perguntas sobre aquele lugar. “Queriam até mais saber que medidas tomar, onde se deveriam refugiar”, conta Schelbert, ao The Guardian. No início, esta diretora pensou tratar-se de um engano. Mas não era. Contudo, é normal a estranheza. Dela, da diretora.
O que é para os europeus uma curiosidade, entre admiração e incredulidade, para os suíços é uma realidade de décadas: a de garantir a cada um, cada residente, cada cidadão, um lugar num bunker que o proteja do pior. Com quase nove milhões de habitantes, a Suíça lidera o mundo em bunkers por habitante — uma política que consolida desde 1963 e que obriga a que todos os novos edifícios incluam uma estrutura subterrânea ou financiem um espaço público próximo.
Durante a Guerra Fria, os bunkers eram a resposta clara à ameaça nuclear. Mais recentemente, o interesse (dos suíços) oscilava entre o cepticismo e a indiferença. Muitos viam-nos como um luxo dispendioso e pouco prático, espaços que, em tempos de paz — e até de longuíssima neutralidade suíça —, serviam mais até para guardar vinho, esquis ou prática de paintball — sim, diversão. Só que a invasão da Ucrânia mudou por completo isso. “A nossa perceção pública mudou profundamente”, confirma ao The Guardian Silvia Berger, historiadora da Universidade de Berna. “Estamos no meio de uma transformação.”
Bunker num edifício perto de Genebra, na Suíça. FABRICE COFFRINI/AFP via Getty Images
O sistema suíço de proteção civil é, no mínimo, singular. São 370 mil abrigos — desde pequenas divisões para famílias até verdadeiros bunkers para centenas e centenas de pessoas. Todos, ou quase, equipados com ventilação que neutraliza radiações — e agentes químicos ou biológicos —, estes espaços ainda se mantêm operacionais, embora muitos como vimos funcionem (ou funcionassem) como armazéns para objetos esquecidos ou sem utilidade, o chamado “mamarracho” lá de casa.
Existem ainda centros de comando subterrâneos — portanto, pequenas “cidades” subterrâneas, com cozinhas industriais, duches ou internet. Impressiona, mas importará esta referência: é que mesmo estas estruturas revelam as suas limitações. Nos recentes testes já feitos, as equipas (de proteção civil) demoraram semanas a preparar o espaço e não conseguiram fechar as portas blindadas, fundamentais para segurança em caso de radiação nuclear, na totalidade.
Mas falemos do que importa — e aqui o título o trouxe, leitor —, “por que é que a Suíça tem mais bunkers nucleares do que qualquer outro país”. A Suíça não é apenas um exemplo de engenharia civil irrepreensível; é até mais uma cultura. “Os bunkers fazem parte da identidade da Suíça,” explica Guillaume Vergain, de novo ao The Guardian, ele que é o responsável pela proteção civil em Genebra. “Isto é o nosso ADN.”
Esta mentalidade nasceu durante a Segunda Guerra Mundial, quando o país, rodeado por potências do Eixo, preparou o denominado Réduit Suíço, ou “refúgio fortificado”, na tradução livre, uma série de fortificações nos Alpes, dezenas de bunkers, casamatas e posições de artilharia escavadas na rocha que, em caso de invasão estrangeira, permitiria resistir por tempo indeterminado. A experiência de ver as cidades europeias (e vizinhas) devastadas por bombardeamentos tornou imperativo proteger os civis do país.
Este programa reflete uma crença profunda na defesa total da nação — não só militar, mas ideológica: na democracia, na neutralidade, na independência. Na Suíça, um refúgio subterrâneo é prudência e não medo. Os bunkers nas cidades são extensões naturais do plano para os Alpes, espaços seguros, não cavados na rocha, mas cavados nos solos.
Mas a eficácia destes abrigos depende da catástrofe, claro. Falemos de nuclear, por exemplo. Uma explosão nuclear deixa radiações que se dissipam em semanas — para isso foram pensados estes bunkers. Porém, acidentes como Chernobyl mostram outros limites: zonas contaminadas por séculos onde o bunker não basta.
Há também quem pergunte se estes custos valem a pena, ou se a diplomacia e prevenção seriam investimentos mais sensatos. Ainda assim, não ignorando, mas acreditando nele, a Suíça mantém o seu modelo de anos, de décadas, enquanto outros países reavaliam políticas e ainda tardam em se precaver. Já tardaram mais, na verdade. Na Europa, o regresso do medo da guerra traz de volta o interesse pela proteção civil — da Noruega, que voltou a exigir ter abrigos em novas construções, à Alemanha, onde o tema ressurgiu no debate público.
No fim de contas, os bunkers suíços são mais do que betão e aço. São hoje (como antes) um manifesto: preparar-se para o pior para que este não aconteça.
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