terça-feira, 2 de maio de 2023

O voto favorável da China numa resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) que menciona a "agressão" da Rússia contra a Ucrânia em termos condenatórios foi saudada por Kiev, mas é desvalorizado por analistas de relações internacionais.

© Reuters

POR LUSA  02/05/23 

 Apoio da China dúbio em resolução da ONU que refere "agressão" russa

O voto favorável da China numa resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) que menciona a "agressão" da Rússia contra a Ucrânia em termos condenatórios foi saudada por Kiev, mas é desvalorizado por analistas de relações internacionais.

A votação da resolução, que não tinha como foco o conflito da Rússia na Ucrânia, aconteceu menos de uma semana após o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, ter falado pela primeira vez, por telefone, com seu homólogo chinês, Xi Jinping, desde o início da invasão russa.

"A China votou a favor de uma resolução da ONU que se refere à Rússia como um (Estado) agressor", saudou Iryna Konstankevych, vice-presidente do comité de informação do Parlamento ucraniano, segundo o 'site' da instituição.

Konstankevych lembrou que, além da China, países "considerados amigos da Rússia", como Cazaquistão, Arménia, Índia e Brasil, também votaram a favor da resolução, que foi promovida por países democráticos europeus e dedicada à cooperação entre as Nações Unidas e o Conselho da Europa.

Na visão do embaixador da Ucrânia na ONU, Sergiy Kyslytsya, a Rússia "fracassou" na sua "tentativa de remover desta resolução a menção de agressão contra a Ucrânia".

A resolução refere-se aos "desafios sem precedentes que a Europa enfrenta atualmente após a agressão da Federação Russa contra a Ucrânia, e anteriormente contra a Geórgia, e o fim da participação da Federação Russa no Conselho da Europa".

Contudo, apesar do otimismo das autoridades ucranianas, analistas desvalorizaram o voto de Pequim, sublinhando o caráter não vinculativo da resoluçõa.

"Acho que a importância do voto da China está a ser exagerada. A minha intuição é que a China decidiu apoiar a resolução, pois viu que a maioria dos membros da ONU era a favor de adotá-la. A China não gosta de parecer isolada na ONU", disse à Lusa o analista Richard Gowan, do International Crisis Group.

"Não estou convencido de que a votação pretendia enviar um sinal político significativo à Rússia. No final de contas, trata-se de um parágrafo de uma resolução não vinculativo da ONU. Isso não vai manter o Presidente russo acordado à noite de preocupação", avaliou Gowan.

Ainda segundo este especialista no sistema das Nações Unidas, Conselho de Segurança e em operações de manutenção da paz, durante toda a guerra na Ucrânia, a China tentou mostrar a outros membros da ONU que não apoia totalmente a agressão da Rússia, mas sem apoiar alguma penalização direta à Rússia na ONU.

"Acho que esta votação é outro exemplo dessa tendência. É uma maneira razoavelmente barata de fazer isso politicamente. A China sabe que a Rússia terá apenas que aturar esse pequeno contratempo e aceitá-lo. Não tem nenhum custo político para Pequim", advogou Gowan.

Na rede social Twitter, Francisco Pereira Coutinho, especialista em Direito Constitucional da União Europeia e Direito Internacional Público, também desvalorizou o voto favorável de países como China e Índia.

"Eu não atribuiria grande importância ao significado de um voto favorável chinês e indiano a uma anódina resolução da Assembleia Geral da ONU sobre a cooperação com o Conselho da Europa que inclui, numa das declarações preambulares, uma referência incidental à agressão russa à Ucrânia e à Geórgia", avaliou.

A diplomacia ucraniana trabalha ativamente há meses para que a China não apoie a Rússia com armas e defenda o princípio da integridade territorial na Ucrânia.

A conversa de Zelensky com Xi Jinping foi interpretada por Kiev como um sinal positivo nas relações com Pequim.

Contactada pela Lusa, fonte oficial da missão da China junto da ONU não fez comentários.

A ofensiva militar lançada a 24 de fevereiro de 2022 pela Rússia na Ucrânia causou até agora a fuga de mais de 14,6 milhões de pessoas -- 6,5 milhões de deslocados internos e mais de 8,1 milhões para países europeus -, de acordo com os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Pelo menos 18 milhões de ucranianos precisam de ajuda humanitária e 9,3 milhões necessitam de ajuda alimentar e alojamento.

A invasão russa -- justificada pelo Presidente russo, Vladimir Putin, com a necessidade de "desnazificar" e desmilitarizar a Ucrânia para segurança da Rússia - foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que tem respondido com envio de armamento para a Ucrânia e imposição à Rússia de sanções políticas e económicas.

A ONU apresentou como confirmados desde o início da guerra 8.709 civis mortos e 14.666 feridos, sublinhando que estes números estão muito aquém dos reais.


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