domingo, 20 de dezembro de 2020

ANEMIA SEVERA É A PRINCIPAL CAUSA DE MORTE EM GRÁVIDAS EM GABÚ


20/12/2020 / Jornal Odemocrata 

O diretor clínico do hospital regional de Gabú, Lino António Cabral, revelou que a maior parte de casos de óbitos em grávidas registados naquele estabelecimento hospitalar não tem nada a ver com “erros” médicos ou falhas técnicas, mas sim com problemas de anemia severa nas grávidas (falta de sangue), tendo criticado os comportamentos de familiares que, mesmo tendo sangue compatível com o da mulher, recusam doar sangue. 

Segundo o responsável clínico, muitas vezes os médicos são acusados de submeter as grávidas à cirurgia, “quando podíamos fazer parto normal”. Acrescentou que a grande dificuldade com que os médicos se deparam tem a ver com a falta de colaboração da própria família (marido ou outro membro da família) das grávidas, porque deixam as mulheres no hospital sem nada e as vezes estas apresentam vários problemas clínicos e, por isso são obrigados a fazer diligências extras para salvar-lhes as vidas.

O Democrata fez, na semana passada (s48_2020] uma reportagem sobre a situação do hospital regional de Gabú, falou com o responsável clínico, que se referiu às dificuldades que enfrenta em termos clínicos e da própria infrastrutura hospitalar que não corresponde às demandas da população, a falta do pessoal técnico para fazer face às exigências das populações que procuram os serviços do hospital. 

Dados indicam que o hospital regional conta com oito médicos, 24 enfermeiros, em ativo, três parteiras, cinco técnicos do laboratório e o pessoal administrativo.

Os serviços disponíveis no hospital são urgências, consultas externas, Oftalmologia, Pediatria, CTA-Serviço de Atendimento Ambulatório. Ainda conta com os serviços da Medicina Interna, a Cirurgia, os serviços do Laboratório, a Tisiologia, que trata doentes com os problemas de tosse, os serviços de Ecografia, todos suportados por apenas oito médicos que estavam disponíveis até ao momento da entrevista. 

MAIS DE TREZENTOS PARTOS SÃO FEITOS MENSALMENTE NO HOSPITAL DE GABÚ 

O repórter apurou que aquela unidade hospitalar chega a realizar trezentos ou mais de trezentos partos mensais, por isso, os responsáveis de diferentes serviços defendem o reforço do número de técnicos para que possam trabalhar de forma coordenada e assim facilitar o desempenho dos técnicos.

“Porque quando o número do pessoal técnico é menor e a demanda é maior, todos somos obrigados a trabalhar excessivamente e sujeitos ao cansaço. Por exemplo, sou obrigado a estar no serviço todos os dias. E isso tem as suas consequências. Um médico que triplica a sua tarefa fica sujeito ao desgaste físico e psicológico, com riscos de poder não vir a corresponder às demandas e às exigências técnicas. Porém, quem está em situação de vulnerabilidade não vê esses condicionalismos, ou seja, as consequências de um médico desgastado realizar um trabalho”, lamentou o diretor clínico. 

O repórter de O Democrata pode constatar naquele dia que estavam na escala da maternidade do hospital apenas dois médicos. Coincidência ou não, eram os únicos que trabalham naquele setor. O diretor clínico do HRG frisou que apesar dos esforços que fazem diariamente, são tratados como pessoas que não querem trabalhar e depois o julgamento que se faz do médico é simples: “abandonou o local de trabalho ou não quer trabalhar”.

“Porque é absurdo deixar toda a responsabilidade num único médico, por isso trabalhamos até fora do tempo normal, devido à falta de médicos e enfermeiros para poder atender todos os pacientes, desde consultas, cesarianas, ecografia, visitas aos pacientes e realizar partos difíceis, todos os dias”, disse.

“Apesar de todos os sacrifícios, somos criticados. Isso não nos preocupa, porque temos registos, as datas e todos os atendimentos estão registados em livros. Não podemos inventar nada. Temos os nomes dos pacientes, as tabancas a que pertencem e a idade de cada paciente consultado ou tratado nos nossos serviços, portanto não temos nada a inventar, que não seja a verdade”, assegurou.

Espera, por isso, que o ministério de Saúde agilize o processo de colocação de técnicos em diferentes hospitais para ultrapassar certas carências, sobretudo a falta do pessoal técnico, em particular no Hospital Regional de Gabú.  

Questionado se a decisão do governo de isentar de pagamentos em alguns serviços do Hospital Nacional Simão Mendes (HNSM) chegou àquele estabelecimento hospitalar regional, Lino António Cabral afirmou que talvez só agora seja novidade a nível do HNSM, mas há quatro anos que as grávidas não pagam consultas nem cesarianas e as crianças de menos de cinco anos também não pagam consultas no Hospital Regional de Gabú.

O diretor clínico informou que os serviços da Maternidade e da Pediatria são apoiados por médicos cubanos, no âmbito do Programa Integrado para a Redução da Mortalidade Materna e Infantil: Componente de Reforço da Disponibilidade e Qualidade dos Cuidados de Saúde Materno-infantis (PIMI-II) e estão ligados intrinsicamente à Maternidade e à Pediatria, disse Lino António Cabral. 

Preocupado com a falta de técnicos naquela unidade hospital, Lino Cabral sugeriu que, o mínimo para reduzir as dificuldades e aliviar a carga horária dos oito médicos, seria necessário que o governo colocasse pelo menos 20 médicos, “isto quando falamos de falta de médicos”. 

Solicitado a falar da necessidade de introduzir PIMI-II no país, o médico indicou que a Guiné-Bissau apresenta indicadores particularmente preocupantes ao nível de saúde materno-infantil. Não obstante a saúde da mãe e da criança ser objeto de especial atenção por parte do governo e dos seus principais parceiros de desenvolvimento, “os programas de apoio à saúde reprodutiva produzem os seus efeitos lentamente”. 

“Neste contexto, atendendo às principais dificuldades do sistema sanitário na Guiné-Bissau ao nível dos cuidados materno-infantis, a União Europeia (UE) desenhou o Programa Integrado para a Redução da Mortalidade Materna e Infantil (PIMI)”, frisou. 

Inicialmente o programa era implementado nas Regiões Sanitárias de Cacheu, Biombo, Oio e Farim desde julho de 2013 a novembro de 2016 – e tendo em conta os resultados encorajadores alcançados – o PIMI foi agora alargado à totalidade das regiões sanitárias da Guiné-Bissau.

O programa encontra-se inteiramente alinhado com as prioridades do Documento Estratégico Nacional de Redução da Pobreza II (DENARP II). Encontra-se igualmente enquadrado nos objetivos e eixos de intervenção do Plano Operacional de Passagem à Escala Nacional das Intervenções de Alto Impacto relativamente à redução da mortalidade materna e infantil na Guiné-Bissau (POPEN). 

O diretor clínico sustentou a sua tese de 20 médicos, no mínimo, tendo em consideração o tempo e horas que um médico deve trabalhar por semana.

“O mínimo que se poderia aceitar seriam 20 médicos, porque se um médico deve trabalhar 48 horas por semana, significa que numa semana podemos ter cinco médicos em serviço por setor. Pediatria cinco médicos e para o Banco de Urgências, que tem muitas exigências, talvez dez, por exemplo, praticamente não teremos nada. E os outros serviços como a cirurgia, Oftalmologia e Tisiologia… Como funcionarão?”, questionou.

Para além desta preocupação, o médico apontou ainda alguns serviços como Ecografia e Raio-X, que não têm médicos disponíveis para trabalhar todos os dias, só nesses serviços.

Relativamente às denúncias feitas pelo régulo central da região de Gabú, José Saico Embaló, de que a falta de médicos tem levado as grávidas a morrerem no momento de parto, Lino Cabral aconselhou os populares de Gabú a procurarem informações nas fontes próprias para sustentar as suas denúncias, antes de avançarem qualquer informação que não poderão provar em nenhum fórum.

“Porque falar de uma matéria fora da sua área de jurisdição, o risco que se corre é ter informações falsas. É verdade que acontecem óbitos maternos e de grávidas. Mas se compararmos o volume de partos feitos neste hospital e o número das crianças que saem vivas e as que morrem, deveríamos merecer outro tratamento não este”, indicou.

MÉDICO DOA SANGUE PARA SALVAR GRÁVIDA E ACUSA FAMILIARES DE RECUSAR DOAR SANGUE 

O médico referiu que a maior parte de casos de óbitos ocorridos no hospital não tem nada a ver com erro médico ou falhas técnicas, mas sim com a anemia severa em grávidas (falta de sangue), porque “até os maridos não colaboram no momento do parto, sobretudo quando a grávida apresenta problemas ou um quadro de anemia severa, mesmo tendo sangue compatível com o da mulher, os maridos não aceitam colaborar”.

Segundo Lino Cabral, muitas vezes os médicos são acusados de submeter grávidas à intervenção cirúrgica, “quando podíamos fazer parto normal”.

“Se o médico de serviço tiver sorte, só no dia seguinte pode encontrar o marido. Nestas circunstâncias somos obrigados a fazer diligências para salvar vidas. Mas se não conseguimos salvar a vida de uma grávida, imputam a responsabilidade aos médicos”, referiu. 

“Na segunda ou terça-feira (23 e 24) de novembro de 2020 tivemos um caso de uma grávida que tinha problemas de anemia severa. O irmão mais novo do marido, que a acompanhou ao hospital foi informado do caso e sensibilizado sobre a necessidade de transfusão sanguínea para evitar que corresse riscos no parto. Aceitou e fez as análises gratuitamente e as análises acusaram 17 de hemoglobina, um nível aceitável para doação de sangue sem nenhum problema, o que não deveria ter acontecido. Quando foi informado que tinha sangue compatível e que podia doar sangue sem nenhum risco, simplesmente recusou”.

“Estamos a falar quase de um marido cuja mulher estava num estado grave e que precisava de sangue compatível ao seu, mas simplesmente não doou”, lamentou para de seguida, afirmar que uma vez foi obrigado a doar o próprio sangue para salvar uma grávida que se encontrava numa situação difícil e não havia sangue compatível no banco de sangue e os familiares da mesma não tinham condições nem sequer para tirar o sangue. 

“Mas quando morre uma grávida, por rejeitarem doar sangue ou chegarem tardiamente ao hospital com a paciente, por negligência ou por insistência de fazer o parto em casa, responsabilizam logo os médicos. Neste momento que estamos falar, temos um caso de uma grávida. O marido, que foi quem a trouxe, saiu e não voltou até ao momento. Mas teve coragem de criar panfletos na rua de que sua mulher não foi observada desde que chegou ao hospital e que o feto teria sido dado como morto. Pergunto: de quem tirou essa informação, se não estava quando a sua mulher foi observada?”, questionou.

Lino António Cabral disse que o número de doadores de sangue em Gabú não é compatível com as demandas de sangue naquele hospital, apesar de existir um grupo de doares de sangue. Segundo o médico, não obstante campanhas de sensibilização sobre a necessidade de doar sangue, enquanto uma das medidas para salvar vidas, o número de casos com anemia severa não para de crescer e que todos os dias recebem três ou quatro casos. 

“Porque não é seguro tirar sangue a alguém sem análises prévias para poder saber se tem ou não problemas que possam impedi-lo de doar sangue, bem como a quantidade de sangue que tem, mas fica-me a ideia de que essa comunidade não quer revelar algo ligado com a doação de sangue. Por que razão doar sangue para filho custa a um pai?”, questionou.

O diretor clínico admitiu que a problemática da anemia severa nas grávidas esteja relacionada com a alimentação, porque é uma zona pobre em mariscos “muito ricos em ferro”, um problema derivado de falta de rios com essa espécie de peixes, abundante noutras zonas do país.

“Os hábitos e a dieta alimentar desta zona são únicos, alimentos que contêm vitamina “C” e verduras, enquanto o ferro ajuda na alimentação. Comprar diariamente peixe ou outros produtos ricos em ferro, pode crer, poucas grávidas fazem isto, portanto a alimentação é um dos responsáveis pela anemia severa”, assinalou.

Para o médico, outra coisa que tem vitimado grávidas naquela unidade hospitalar do leste do país tem a ver com a pressão alta, complicações que ocorrem durante a gravidez, uma situação decorrente da falta de consulta pré-natal, que felizmente não se cobra. Mas, “algumas não fazem consultas até ao parto”.

“É grave observar que grávidas que moram no bairro onde está o hospital, dão à luz em casa. Não importa o número de filhos que se fazem por mês na maternidade de Gabú, o importante é acreditar dar à luz no hospital. Porque dói ouvir que quem se esforça dia e noite e longe da sua família ser tratado como responsável de casos decorrentes da negligência ou dos costumes de um certo grupo de pessoas”, criticou.

“ESTAMOS PREOCUPADOS COM A ALTA TAXA DE INFEÇÃO DE VIH/SIDA NAS GRÁVIDAS NA REGIÃO”

Recentemente dados divulgados sobre a prevalência de VIH/SIDA no país, indicam que na Guiné-Bissau a taxa de prevalência do vírus é a mais alta na África Ocidental e a doença é dos maiores problemas da saúde pública entre 5,3% na faixa etária dos 15 a 49 anos de idade e até o final deste ano o país registou uma subida muito elevada do número de pessoas consideradas seropositivas, ou seja, mais de 44 mil infetadas, conforme os dados da Agência das Nações Unidas (ONU/SIDA) que monitoriza a doença no país.

De acordo com os dados oficiais, as mulheres, sobretudo as grávidas, são as mais afetadas pelo vírus e as de zonas leste, regiões de Bafatá e Gabú, são as mais atingidas e as regiões de Oio, Biombo e Bolama Bijagós são as zonas com menos prevalência.

Questionado sobre a situação de VIH/sida na cidade de Gabú, Lino Cabral afirmou que são dados difíceis de avaliar, porque o formato que tem sido usado na abordagem da situação de TB e de VIH /SIDA, de que deveria ser um assunto confidencial, não tem sido eficiente e isso resultou no que resultou. 

Para Lino Cabral, se tivesse sido admitido que o diagnóstico de primeiros casos da doença fosse “aberto” (revelar que a pessoa tem sida) como, por exemplo, o paludismo e outras doenças, algo teria sido feito algo a respeito.

“Porque a lei nº 05 é clara, que não se pode mandar alguém fazer teste de Sida sem o seu consentimento, mesmo suspeitando que esteja a viver com o vírus. Portanto é um erro. Porque se a doença não tem cura, como pode ou deve ser tratado um paciente e por quem, por exemplo?”

“Ou se um médico ou técnico de saúde suspeita que uma pessoa tem uma patologia associada a vírus de Sida ou SIDA, melhor dizendo SIDA, e se a pessoa não quiser que se lhe seja feito um teste, essa pessoa corre risco de morrer, porque não quer ser diagnosticada, portanto como consequência da lei nº 05, que veda essa possibilidade de obrigatoriedade, a pessoa também não poderá receber tratamento, porque não se pode medicar ou tratar uma pessoa sem a confirmação do diagnóstico, mesmo tendo alta suspeita”, sublinhou.

Em relação à TB, Cabral apontou como uma das falhas a resistência das comunidades em procurar centros de saúde mais próximos das suas zonas e o abando do tratamento na fase intensiva (período de dois meses), o que leva as bactérias a criarem outros tipos de reações e resistências ao tratamento e se o paciente sofrer uma recaída, os efeitos do medicamentos já não serão iguais a fase inicial em que abandonou o tratamento. 

“Como consequência, durante o período de recaída, há a possibilidade de transmissão da doença. Portanto deve haver sequência na medicação e observação das orientações médicas”, defendeu.

“Outro problema, referiu, tem a ver com o receio que têm de serem isoladas se revelarem que têm TB. Mas o tratamento da Tuberculose é eficaz, apenas em duas semanas, com boa medicação, não há mais probabilidade de transmitir a doença”, assegurou. Contudo, reconheceu que não tem havido também pesquisa ativa da parte dos médicos, nem o seguimento dos doentes que abandonam o tratamento ou que não aceitam medicar-se, conforme as orientações médicas.

O médico relatou também casos relacionados à violação sexual em menores na região de Gabú, “mas ultimamente a tendência tem diminuído, graças ao trabalho desenvolvido pelas ONG´s no terreno”. Sublinhou que esses casos ganharam proporções em 2012, tendo referido que aconteciam nos períodos da colheita da castanha de caju e em lugares isolados.

“Felizmente nenhum dos casos que nos chegou aqui corre riscos, contudo, há sempre danos colaterais, porque estamos a tratar de crianças que não têm órgãos genitais maduros para aguentar a relação sexual forçada com um adulto”, admitiu.

Por: Filomeno Sambú

Foto: F.S

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