Adiantou na entrevista exclusiva ao semanário O Democrata para analisar juridicamente o impasse que se regista na constituição da Mesa da Assembleia Nacional Popular, que para o Movimento para a Alternância Democrática (MADEM) quanto mais complicada a situação, melhor será porque quem está a perder neste momento é o PAIGC.
“O PAIGC deve saber ainda que para efeitos constitucionais, a mesa do parlamento não está constituída e, por isso deve abrir-se para o diálogo. É verdade que não resulta da Constituição da República que a nomeação do primeiro-ministro depende da constituição da mesa do parlamento, mas na verdade depende da constituição da Assembleia Nacional Popular”, defende o jurista.
Em relação à contestação do MADEM que recusa apresentar outro nome para o cargo do segundo vice-presidente, explicou que o MADEM não tem razão, de acordo com o regimento da Assembleia Nacional Popular. Esclareceu que a lei diz que o posto do segundo vice-presidente é do MADEM que é a segunda formação política mais votada, mas é um posto sufragavel, o que significa que o partido manda um candidato e se este for recusado, deve mandar outro de acordo com a lei.
Assegurou que a composição de acordo com o Regimento, far-se-á na base da representatividade e não na base do Método d’Hont defendida pelos libertadores (PAIGC), por isso sustenta que, de acordo com o Regimento, o cargo do primeiro secretário da Mesa da Assembleia Nacional Popular pertence ao Partido da Renovação Social e o do segundo secretário é do PAIGC, que é o partido com maior número de deputados.
O Democrata (OD): Bastonário, de acordo com a interpretação jurídica das leis do país que se faz, a nomeação do novo Primeiro-ministro indicado pelo partido vencedor das eleições legislativas de 10 de Março está condicionada pelo impasse na composição da Mesa da Assembleia Nacional Popular?
Basílio Sanca (BS): Eu tenho uma opinião própria sobre esta questão, mas devo dizer que é sinal de uma irresponsabilidade total dos nossos políticos, porque esta questão é ‘menor’. O importante neste momento é que o partido que ganhou as eleições assuma a governação. Nós devemos ter vergonha daquilo que a comunidade internacional fez, ao forçar-nos ir às eleições para sair da crise que o país registava.
E feitas as eleições, eu acho que não deve haver motivos de impasse! Este impasse é uma ficção inventada e tem a ver com falta de responsabilidade dos nossos políticos. Infelizmente na Guiné, as pessoas não fazem política para salvaguardar o interesse das populações. Para quem faz política para o interesse da população, certamente que esta situação seria menor. Ou seja, não tem sentido disputar a constituição da Mesa da Assembleia Nacional Popular, porque os lugares estão distribuídos legalmente na mesa, o que está muito claro de acordo com a lei.
OD: Considera esta situação menor, ou seja, de falsa crise, tendo em conta a clareza da lei na formação da Mesa do Parlamento…
BS: Para a composição da Mesa do Parlamento de acordo com a lei: quem tem a presidência do parlamento é o partido que vence as eleições legislativas e quem venceu as eleições é o PAIGC. E depois a lei segue para o critério da representação de outros lugares da Mesa, por isso os restantes quatro lugares serão ocupados pela representação.
OD: Para a composição da Mesa da Assembleia Nacional Popular, de acordo com a lei, aplica-se o Método d’Hont ou segue-se o critério de representatividade de acordo os resultados eleitorais?
BS: Não existe o Método d’Hont no regimento. A lei é clara neste sentido e diz representação para ocupar os lugares de primeiro e segundo vice-presidentes do parlamento, como também do primeiro secretário. Depois muda em relação ao segundo secretário que dá ao partido vencedor das eleições. Isso significa que o PAIGC tem o primeiro vice-presidente, MADEM – G 15, ocupa o segundo o vice-presidente e o PRS, vai preencher o cargo do primeiro secretário da mesa do parlamento e o PAIGC fica com o segundo secretário. Este é o critério que deve ser seguido de acordo com o regulamento da Assembleia Nacional Popular. Não existe outro.
Em relação a contestação do MADEM, a grande verdade é que o MADEM não tem razão. A lei diz que o posto do segundo vice-presidente é do MADEM que é a segunda formação política mais votada, mas entretanto, é um posto sufragavel, o que significa que o partido manda um candidato e se este for recusado, deve mandar outro, de acordo com a lei.
Agora do ponto de vista político, acho que o PAIGC não devia ter aquela atitude de recusar o nome de Braima Camará, porque ele é o líder de um partido. O PAIGC sabe que se agredir o líder do MADEM, provoca uma guerra politicamente e apesar do MADEM não ter razão, portanto é isso que está acontecer…
O MADEM não tem razão neste caso, mas o PAIGC, sabendo das circunstâncias que estamos a procura da estabilidade política e governativa e consequentemente da paz e que todo o mundo, em particular os atores políticos, deve concentrar-se na busca da estabilidade e da paz, acho que a bancada parlamentar do PAIGC e os seus aliados não deviam ter este procedimento que teve com o candidato do MADEM.
OD: Em relação a imposição do Presidente da República que continua a relacionar a nomeação do Primeiro-ministro indicado pelo partido vencedor das eleições com a resolução do impasse no parlamento, que interpretação oferece-lhe fazer em relação a posição do Chefe de Estado, que nega a vontade da maioria do povo guineense manifestada nas urnas?
BS: Esse problema é muito complexo pelo facto de que não resulta diretamente da nossa Constituição de que a nomeação do governo está condicionada a composição da Mesa da Assembleia Nacional Popular, mas há uma relação lógica: a Assembleia” depois o governo. E há um problema aqui! Para mim a mesa ainda não está constituída, porque a própria Constituição diz que a mesa é constituída por cinco elementos e esta tem apenas quatro, portanto significa que a mesa ainda não está constituída.
OD: Bastonário, alega que a mesa do parlamento ainda não está constituida e que há muitos problemas a resolver. Como enquadra juridicamente a reunião da Comissão Permanente da Assembleia Nacional Popular que reuniu-se e marcou a sessão parlamentar com agendas para discutir e aprovar o programa do governo e o seu orçamento?
BS: Este comportamento da Comissão Permanente é de guerra declarada! Acho que o PAIGC deve aceitar o princípio de negociação e abrir-se para o diálogo, porque quem perde é o PAIGC. Já perdeu três meses de governação. Para o MADEM, quanto mais complicado melhor será, porque quem está a perder neste momento é o PAIGC. Aliás, o PAIGC deve saber ainda que, para efeitos constitucionais, a mesa do parlamento não está constituída e, por isso, deve abrir-se para o diálogo.
É verdade que não resulta da Constituição da República que a nomeação do primeiro-ministro dependa da constituição da mesa do parlamento, mas na verdade depende da constituição da Assembleia Nacional Popular. Os deputados foram empossados e agora faltam os órgãos do parlamento. Há uma relação entre o funcionamento do governo e o do parlamento. Portanto, na base disso pode haver aqui duas posições. Isto é, a moderada e a radical.
OD: E a radical, significa o quê?
BS: A posição mais radical significa que se é a mesa que recebe o programa do governo e o orçamento do Estado e se não está constituída, portanto não está ninguém que vai receber estes documentos. A moderada pode dizer não há problemas. Como a nomeação do governo coincide exactamente com a entrega do programa no parlamento, vamos esperar até lá. Se, calhar a questão poderá ser ultrapassada. Isso significa que nos termos da Constituição não há uma relação direta entre a constituição da mesa e a nomeação do primeiro-ministro.
OD: Mas depende da vontade do Presidente da República?
BS: Não depende. O Presidente da República é a pessoa máxima da Nação e tem o poder de moderação e este poder de moderação é que lhe obriga estabelecer o diálogo com os partidos políticos. Significa que neste momento o Presidente da República deve estabelecer um diálogo com os partidos políticos e forçá-los a chegar um entendimento na Assembleia Nacional Popular.
OD: Oficialmente o mandato do Presidente da República termina no próximo dia 23 de junho. De acordo com a lei, ele pode ser substituído pelo presidente do parlamento diretamente, assumindo toda a competência do Chefe de Estado, sobretudo de nomear e empossar o primeiro-ministro?
BS: Não existe isso de substituição direta do Presidente da República pelo presidente da Assembleia, é falso, porque nas instituições da República ou do titular de soberania, o princípio é da competência. Os poderes são atribuídos e na Constituição da República não existe esta situação ou nenhuma norma que prevê esta situação.
O Presidente da República não marca as eleições e chega o último dia do seu mandato e em termos constitucionais perde poderes do Presidente República. Ele continua a exercer a função porque não há procedimentos legais para substituir o Presidente da República por esta razão. Tudo tem que estar previsto na lei e aquilo que não está, infelizmente não pode ser praticado, por mais que queiramos…
Sabemos que o primeiro-ministro é nomeado e quem pratica o ato da nomeação? O presidente da ANP não está na Constituição. Quem empossa o primeiro-ministro é a ANP? Nãio está na Constituição? Por isso as questões políticas são resolvidas politicamente. E defendo a ideia do que os partidos políticos e o Presidente da República têm que chegar ao entendimento, para não provocar uma rotura Constitucional.
OD: O Presidente da República não é parte do problema no parlamento…
BS: É verdade que ele não é parte do problema, mas tem a obrigação de promover a paz e o entendimento entre os órgãos de soberania, sobretudo entre o Governo e a Presidência da República. A partir do dia 23 de junho termina o mandato do Presidente da República e perde os poderes normais estabelecidos pela Constituição, mas a Constituição não dá poderes ou competências a nenhuma figura ou titular de órgão de soberania para substituí-lo e assumir as suas funções. Isto não está previsto na Constituição.
OD: Com termino do seu mandato e perda do poder legal de nomear e conferir posse ao Primeiro-ministro e ao governo?
BS: O que se pode fazer é apreciar as funções interinas do Presidente da República, mas o que não pode acontecer é o recurso a violência. É uma questão a discutir politicamente para saber qual será a solução, mas que fica claro que ao nível do nosso ordenamento jurídico, não existe solução para isso…
OD: Bastonário, o Presidente da República pode ou não nomear e empossar o Primeiro-ministro, uma vez terminado o mandato?
BS: O que é que vamos fazer? Vamos às normas transitórias, ou seja, situações do Presidente de Transição. Um dos exemplos é o caso que se referiu agora, quando o presidente do parlamento substituí por via legal o Presidente da República. Quais serão então os seus poderes? Nós vamos ver nesta sede, se a lei permite ao Presidente da República nomear ou não o primeiro-ministro, porque deixou de ter os poderes normais com o fim do seu mandato. Se continuar no poder, apenas poderá ter o poder do Presidente Interino, portanto cabe-nos ver as competências do Presidente Interino de acordo com a Constituição da República.
OD: O Presidente Interino tem a competência de nomear o primeiro-ministro, de acordo com a Constituição?
BS: Depende… Nós vimos a situação do Presidente Serifo Nhamadjo. Normalmente estas nomeações são negociadas. Em termos normais, o Presidente Interino não terá poder de nomear o primeiro-ministro. Podemos recorrer mais uma vez a Constituição e ver quais os poderes do Presidente de Transição. Se o mesmo não tiver essa competência, então voltamos atrás e ver a história como é que as coisas chegaram a esse ponto.
O que não pode ser é o que as pessoas especulam dizendo que a Assembleia pode. Já não seria um poder normal previsto na Constituição, mas um poder que resulta de uma rotura. Há uma violência contra a Constituição, portanto é no fundo um golpe de Estado. Por isso a única via aqui é a negociação…
OD: O que se deve negociar neste sentido? Quem deve negociar com quem?
BS: Os atores políticos têm que negociar e chegar ao entendimento, sobretudo os principais partidos. Porque o que estão a fazer aqui é uma brincadeira e falta de responsabilidade total! Imagina o Braima Camará e Nuno Nabiam, líderes de partido, como é que vão à mesa!? Então, quem representa o partido nos debates?
É irresponsabilidade total das pessoas que vão para a política sem noção de responsabilidade. Se o Braima é o líder do MADEM e o Nuno é o líder de APU – PDGB, eles decidem ir para a Mesa do Parlamento, mas nós sabemos que o papel da mesa é de moderação e tem pouca intervenção no debate. Aliás, podem até forçar o debate e intervir, mas em princípio o papel da mesa é de moderação.
Um líder de partido deve transmitir o projeto do partido. Como é que vai a mesa, onde as condições para ele falar são poucas. Temos que ver a lógica das coisas e neste caso o líder do partido no parlamento não é nada! E o líder da bancada é quem representa o partido na Assembleia. Isso tem a ver com a forma como as pessoas fazem a política na Guiné-Bissau, porque não há nenhuma responsabilidade da liderança.
Se eles tivessem a noção da importância da liderança, nunca iriam para a Mesa e creio que eles não têm a noção da liderança. Há um problema aqui de falta de responsabilidade da parte dos nossos políticos…
Em relação ao PAIGC, nós saímos de uma eleição que algumas pessoas não acreditavam que iam acontecer, mas aconteceram. Você vai ao parlamento em vez de preocupar-se em assumir o governo, vai perder tempo da governação com coisas menores… não o fulano não pode estar na mesa! Isso não existe na política é uma invenção…
Preocupar-se em tirar um partido o lugar na Mesa. A lei diz que o lugar é do PRS e você diz que não, imagina só! Veja a crise das nossas lideranças, as pessoas não conseguem interpretar a função política corretamente. As pessoas vão para a política, mas não conseguem tirar a capa do particular para assumir a função política, isso traz essa complicação.
A disputa que assistimos são coisas particulares levadas a público, aliás, isto é um desrespeito total às populações que votaram. Este desentendimento dos partidos no parlamento é um desrespeito total aos cidadãos. Nós votamos para quê, para irem lá e não se entenderem por causa do lugar na Mesa!? Porque o PAIGC quer dominar toda a mesa?
O grande problema do PAIGC está no fato de ter antecipadamente atribuído o lugar de primeiro vice-presidente ao Nuno Nabiam. Se largar o lugar do PRS, vai ter que renegociar com o Nuno Gomes, porque eles perdem a maioria na Mesa. E se continuar assim serão obrigados sempre a renegociar com APU-PDGB para a definição da proposta da ordem do dia. Infelizmente são os políticos que temos. Não há compromisso com a população e muito menos com os problemas reais do país, porque um político maduro que tem compromisso com o eleitor e de resolver os problemas do país, não perderia o tempo com esta situação menor.
Isso é um sinal claro de falta de maturidade dos nossos políticos que fazem política por egoísmo e não por interesse das pessoas e do país. Sabemos que essa divergência não tem nada a ver com o eleitorado e são simplesmente posições egoístas dos poderes e estão a pôr em causa neste momento toda a manifestação e a esperança que levaram as pessoas às urnas.
Por: Assana Sambú
Foto: AS
odemocratagb.com
Congratuiacao da forma como o senhor tem explizitamente explicado sobre esta crise provocada por ambas partes.
ResponderEliminarÉ um orgulho ter sido o seu aluno, está exposição foi a mais honesta que ouvi durante toda essa polêmica levantada no país e a mais consentanea com a nossa lei e sem nenhum interesse. Parabéns prof.
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