quarta-feira, 8 de maio de 2019

Do ponto de vista jurídico-constitucional, à Mesa ainda não está constituída, e não estando constituída não se pode falar do seu funcionamento e muito menos estar ela, em condições de legitimar atos do novo Governo, nomeadamente a aprovação do seu programa e orçamento geral de Estado.

Por Nelson Moreira

Caros compatriotas

Fui tentado de várias formas, para se pronunciar sobre o alcance do nº 2 do Art. 27º do Regimento da ANP, por forma a dissipar todas as duvidas que pairam a volta deste processo. 
Mas antes de tudo, convém destacar as seguintes preocupações:

PRIMEIRO: Princípio de representatividade/ método de Hondt;

SEGUNDO: Escrutínio secreto – Artº 27º nº 2 e 91º do Regimento da ANP;

TERCEIRO: Atribuição do cargo de primeiro vice-presidente da ANP ao APU-PDGB;

QUARTO: Conclusão.

PRIMEIRO: Princípio de representatividade/ método de Hondt

O Art. 27º do Regimento da ANP, intitulado Eleições, preceitua no seu nº 2, - passo a citar – que “os lugares do Primeiro, Segundo vice-presidentes e do Primeiro Secretario são atribuídos aos partidos, de acordo com a sua representatividade na Assembleia” – fim da citação.

O Legislador Guineense quis neste Artº 27º nº 2, para que a repartição dos lugares na Mesa da ANP seja alargada de forma mais abrangente possível aos partidos políticos com mais representação na ANP, permitindo assim não só a maior coesão, mais também o maior entendimento entre eles no que diz respeito a estabilidade dos projectos da ordem dos trabalhos.

Na busca deste consenso, o legislador Guineense, entendeu por bem adoptar como critério de repartição dos 3 (três) lugares na mesa e referenciados no nº 2 do Art. 27º, relativo ao Primeiro, ao Segundo vice-presidentes e ao primeiro secretario, o principio da representatividade que significa que, os referidos 3 (três) lugares devem ser repartidos aos partidos na ANP em função dos resultados eleitorais, devendo no caso em contenda, ser os cargos do Primeiro e do segundo vice-presidentes assim como o Primeiro secretário serem atribuídos ao PAIGC, MADEM G15 e o PRS respectivamente, por serem o primeiro, segundo e o terceiro partido mais votado (47, 27 e 21 mandatos) nas eleições do dia 10 de Março de 2019, e não através do recurso ao “Método de Hondt”.

O recurso ao método de Hondt para efeitos da repartição dos lugares previsto no nº 2 do Art. 27º do Regimento da ANP, só se aplica para as eleições legislativas por estar tipificado na Lei eleitoral, e serve exclusivamente para o apuramento do mandatos e não à eleições para constituição dos órgãos internos de um dos órgãos da soberania como é o caso de ANP.

O âmbito da aplicação da Lei Eleitoral restringe-se apenas às eleições legislativas, ao passo que o Regimento da ANP é um instrumento jurídico aplicável só, e tao só, à forma da organização e funcionamento interno da ANP , isto é, são corpos de normas relativos à sua organização e funcionamento, aprovados por esse mesmo órgão.

Não estando essa tese prevista em nenhum articulado do Regimento, não se pode por recurso a analogia, chama-lo à colação para resolver as pretensões inconfessas, exógenas, recorrendo método interpretativo deslocado do espirito e da realidade, na medida em que, se assim fosse a intensão do Legislador, ele ia de uma forma inequívoca, expressa e taxativamente consagra- la no Regimento, mas que não é o caso.

O espírito do ARTº 27º do Regimento da ANP, é permitir para que a maioria da representatividade que o partido vencedor das eleições goza na ANP se reflita também na Mesa, razão pela qual, blindou o cargo de Presidente da ANP e do Segundo Secretário da Mesa ao partido vencedor das eleições e com maior número de Deputados.

Já em relação aos demais cargos, Primeiro e Segundo Vice-Presidentes assim como o de Primeiro Secretário, o legislador consagrou para efeitos de repartições, o critério de representatividade, o que se afere em função de mandato conferido a cada partido na ANP, por forma a permitir para que as outras formações politicas estejam também representadas na Mesa evitando desta forma o monopólio em absoluta da Mesa da parte do partido com maior número de mandatos na ANP.

SEGUNDO: ESCRUTINIO SECRETO – Artº 27º nº 2 e 91º do Regimento da ANP

Falando do sistema de escrutínio secreto, importa referir que este vem consagrado no nº 2 do Art. 27º, art. 90º e art. 91º ambos do Regimento da ANP, visando assim evitar não só a pressão e coacção sobre os Deputados, mas também, proibir a compra de votos garantindo assim a total liberdade de opinião e de votos dos Deputados.

Atendendo ao “princípio da liberdade de opinião e de votos” previstos tanto na nossa Lei magna, assim como no Regimento que visa proteger os Deputados no sentido de não “serem incomodados, perseguidos… pelos votos e opiniões que emitirem no exercício dos seus mandatos” (vide Art. 82º da CRGB e 27º nº 2 do Regimento conjugado com o Art. 90º e ss) a atitude assumida e que vem sendo defendida até aqui por alguns descontextualizados da realidade Guineense em geral e as nossas Leis em particular, viola de forma flagrante este “Sacro Santo” principio constitucional.

A violação do princípio do escrutínio secreto assumida e defendida pela Mesa de candidaturas e confirmada pela coligação maioritária sob liderança do PAICG, atenta contra os direitos fundamentais dos Deputados previstos na nossa Lei magna consubstanciada na liberdade do voto.

Sustenta Gomes Canotilho in … Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina,2003, pp 303-304, “a liberdade de voto e o voto secreto constituem os princípios materiais do sufrágio”. Segundo este ilustre Constitucionalista Português, “liberdade de voto significa garantir ao votante (eleitor) o exercício do direito do voto sem qualquer coação física ou psicológica de entidades públicas ou de entidades privadas” alegando ainda que, o principio do voto secreto “significa que, o eleitor guarda para si a sua decisão” o que pressupõe “não só a pessoalidade do voto (o que excluiria, no seu devido rigor o voto por procuração ou por correspondência), como a proibição da sinalização do voto (listas diferentes papéis e urnas diferentes) bem como deve impossibilitar “uma reconstrução posterior do sentido da imputabilidade subjetiva do voto”.

No caso em apreço, este principio basilar e estruturante do modelo da nossa democracia, foi flagrantemente violado no processo da constituição da Mesa da ANP, nos dias 18 e 24, na medida em que, o sistema de votação impingido pela Mesa da ANP, manipulado pelo PAIGC, nos termos do qual, obrigou os Deputados a utilizarem três boletins de votos (SIM, NÃO e ABSTENÇAO) ao invés de um único boletim de voto e uma única urna para todos os candidatos, optando ainda por colocar à disposição de cada candidato, uma urna e três boletins de votos visando assim controlar e manipular o sentido de voto, na medida em que, cada Deputado após exercer o seu direito de voto, é obrigado voltar com restantes dois boletins de votos para justificar o sentido de voto, o que evidencia de uma forma clara de que o principio do escrutínio secreto não foi observado pondo assim em causa a liberdade de votação dos Deputados.

O método adoptado pela Mesa, de utilização de três boletins (SIM, NAO e ABSTENÇAO) constitui assim vicio de nulidade absoluta de todo o processo de votação ocorrido nos dias 18 e 24 do corrente mês.

TERCEIRO: ATRIBUIÇAO DO CARGO DE PRIMEIRO VICE-PRESIDENTE DA ANP AO APU-PDGB

Coloca-se questão de saber se, tendo em conta que não houve nenhuma coligação pré-eleitoral e nem pós eleitoral, e que a distribuição dos mandatos dão ao PAIGC 47 Deputados, MADEM G15 27 Deputados, PRS 21 Deputados, APU-PDGB 5 Deputados, UM 1 Deputado e PND 1 Deputado, como pode o Partido APU-PDGB ter um cargo de Primeiro
vice-presidente da ANP, se quer o PAIGC e quer o APU-PDGB, pertencem a grupos parlamentares diferentes?

Ainda pergunto, perante o disposto no Art. 27º do Regimento da ANP, como pode o PAIGC indicar um líder de uma outra formação politica, que é o APU-PDGB, para se ocupar o cargo de Primeiro Vice-Presidente, sabendo que este é apenas o quarto partido com mais representatividade na ANP?

Poderão também perguntar, como é possível ao terceiro partido em termos de representatividade na ANP, qual seja, o PRS com 21 Deputados, não lhe ser atribuído o respectivo cargos de Primeiro Secretario?

Conforme decorre do Art. 27 do Regimento, o PAIGC pode por direito indicar o nome de um seu Deputado, mas não de nenhum outro partido, para ser votado ao cargo de primeiro vice-presidente da ANP.

Decore ainda do referido Artigo 27º do Regimento assim como da nossa Lei magna, Art. 84º, nº 2, a mesa da ANP é composta em função da representatividade parlamentar ou coligação dos partidos que concorreram às eleições legislativas.

Do que precede, resulta de forma inequívoca que, a indicação feita pelo PAIGC do líder um outro partido que é o APU-PDGB, 4º partido mais votados, para ocupar o cargo do primeiro vice-presidente da ANP, carece de legitimidade e legalidade.

Estando o Nuno Gomes Nabiam como Deputado eleito na lista do APU-PDGB nas eleições do dia 10 de Março, com a bancada parlamentar diferente da Bancada do PAIGC, não havendo coligação pré e pós eleitoral, como pode representar dois programas ou duas correntes de opiniões diferentes?

O legislador reserva os lugares de Presidente e do Primeiro vice-presidente da ANP ao partido com maior numero mandatos na ANP, e não a qualquer partido que esteja na 2º, 3º ou 4º posição, por questão de legitimidade popular.

QUARTO: CONCLUSAO

1. O princípio do escrutínio secreto posta em causa pela Mesa de candidaturas e que se reclama a sua observância, não é só uma questão do cumprimento da legalidade, mas também é o fundamento da existência do Estado Democrático de Direito consubstanciados na liberdade de escolha de titulares de cargos eletivos.

2. Conforme resulta do artigo 84º, nº 2 da CRGB, que passo a citar: “ a mesa é composta pelo Presidente, um 1º vice – presidente, um 2º presidente, um 1º secretário e um 2º secretário eleitos por toda a legislatura”, fim da citação, e faltando ainda por eleger o cargo de 2º vice – presidente da Mesa ANP, sem falar do cargo do 1º Secretario, que em termos de representatividade da ANP, pertence ao PRS, enquanto a terceira formação politica mais representada na ANP, do ponto de vista jurídico-constitucional, à Mesa ainda não está constituída, e não estando constituída não se pode falar do seu funcionamento e muito menos estar ela, em condições de legitimar atos do novo Governo, nomeadamente a aprovação do seu programa e orçamento geral de Estado.

3. O que se discute neste momento é o cumprimento escrupulosa da Lei no que diz respeito à observância do principio do escrutínio secreto assim como atribuição do cargo de 1º Secretário ao PRS, por ser este a terceira força politica mais votada nas ultimas eleições. Foi esta, a razão da nossa retirada na ANP na sessão do dia 24, porque o PAIGC e a sua coligação rejeitaram o recurso ao voto secreto assim como ceder o PRS cargo de 1º Secretário.

Nelson Moreira

Deputado da Nação

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