Por cnnportugal.iol.pt
Sem que nada o fizesse prever, a recém-eleita primeira-ministra nipónica, Sanae Takaichi, foi ao Parlamento avisar Pequim: Tóquio defenderá militarmente Taiwan. A China respondeu que, caso o Japão faça, haverá uma "derrota esmagadora". A verdade é que "um conflito nesta região envolve cinco ou seis Estados"
Há um novo foco de tensão internacional: Pequim e Tóquio estão em rota de colisão por causa de Taiwan e, a acontecer, este conflito será bem mais problemático à escala global do que a invasão da Ucrânia ou o reacender das tensões no Médio Oriente, garante Miguel Baumgartner. O comentador da CNN Portugal explica porquê: "Teria implicações gravíssimas para o comércio internacional".
Tiago André Lopes, também comentador da CNN Portugal, concorda que "seria muito complicado". "Acima de tudo porque temos uma rivalidade cada vez maior entre China e Índia, que têm fronteira comum", sublinha, lembrando que estes são "dois pesos pesados": "Dois Estados monumentais em termos de população - são mais de 3 mil milhões de pessoas -, com a região também aguçada pelos atentados terroristas que houve recentemente, quer em em Bombaim, quer em Islamabad; podemos arrastar, de repente, para um conflito nesta região cinco ou seis Estados. Subitamente, Paquistão, Índia, China e Japão podem todos estar envoltos num conflito com múltiplas frentes e com diferentes causas".
Mapa dos países identificados por Tiago André Lopes (Fonte: Mapchart)
O início da fricção entre Pequim e Tóquio surge após Sanae Takaichi ser empossada como primeira-ministra nipónica. É a primeira mulher a ocupar o cargo no Japão - e na primeira vez em que se dirigiu à Comissão de Negócios Estrangeiros no Parlamento, como explica Tiago André Lopes, decidiu dizer, “que se houvesse um ataque à Taiwan, o Japão considerava-se validado para defender a Taiwan”. Escusado será dizer que “isto caiu mal na China”, afirma o especialista em relações internacionais.
Posto isto, o embaixador chinês no Japão fez uma publicação no X com comentários “extremamente inapropriados”, como referiu posteriormente ao governo chinês o embaixador japonês na China. O que escreveu Xue Jian, cônsul-geral chinês em Osaka? “A cabeça suja que se espeta deve ser cortada”, podia ler-se, antes do comentário ter sido apagado pelo próprio.
Apagada a publicação, “a China decidiu explicar ao Japão que, se decidir interferir com a questão de Taiwan - que Pequim já classificou este ano variadíssimas vezes como um assunto interno por resolver -, a China responderia de forma violenta”. “Este é o ponto em que estamos agora”, remata Tiago André Lopes, que alerta desde logo que, "do ponto de vista político, a Ásia Oriental está numa fase muito empolada".
"Vimos esta primeira-ministra a dizer que queria construir uma ponte diplomática com a Rússia para resolver as relações históricas, mas não levou a lado nenhum até ao momento. Vimos este agravar da retórica entre a China e o Japão, mas também entre a China e Índia. A Índia reabriu uma base aérea em Caxemira. A região está a ficar tensa e os focos principais são Caxemira e as Coreias. Começámos a ver isto em agosto, quando os EUA começaram a perguntar aos aliados do Pacífico quem iria ajudar em caso de uma intervenção na Coreia ou em Taiwan. Este é um mau sinal, a região está de facto muito tensa", resume Tiago André Lopes.
Miguel Baumgartner acredita que o Japão tem “vários motivos” que justificam este tipo de declaração da sua nova primeira-ministra. “Tem uma posição estratégica, económica, política e até geográfica”, que justificam a posição de Sanae Takaichi face a qualquer potencial ameaça contra Taiwan que "significaria uma grave distorção da estabilidade na região com implicações diretas à própria defesa nipónica".
"Taiwan perder a independência e ser invadida pela China seria um derrubo enorme naquilo que é a economia do Japão e na própria economia do Indo-Pacífico", explica Miguel Baumgartner. O especialista considera que já é possível afirmar-se que o mundo está a “entrar numa segunda Guerra Fria”, mas desta vez entre os EUA e a China. “É uma Guerra Fria que é principalmente uma guerra comercial e política, numa tentativa de afirmação como a grande potência mundial”, aponta, lembrando que há uma certeza: “A China, neste momento, não quer mais ser olhada como um país de segunda classe”.
Para o comentador da CNN Portugal, a parada militar chinesa no Dia da Vitória foi Pequim a anunciar ao resto do mundo que "tem as condições económicas, militares, políticas e até em termos de parcerias internacionais para estar no mesmo estatuto que os Estados Unidos".
Aperto de mão entre Sanae Takaichi e Xi Jinping a 31 de outubro (Fonte: Getty)
Baumgartner lembra ainda que, há umas semanas, este foi um dos motivos que levou Donald Trump a negar a Zelensky o envio de mísseis Tomahawk para a Ucrânia: "Os Estados Unidos queriam ter no seu armamento uma quantidade suficiente destes mísseis para o caso de algum avanço da China para Taiwan. Portanto, é uma guerra política como era antigamente a Guerra Fria, uma contagem de espingardas".
Tiago André Lopes acredita que Pequim tem vindo a dar indícios de que tem vindo a ser algo ignorada pela agenda mediática internacional em prol de outros temas. "Em outubro, Xi Jinping foi reempoderado, atualizou o quadro digital e fez outra coisa: reorganizou o Comité Central Militar da China", realça, explicando que o líder chinês reduziu o número de membros do organismo que gere as questões militares de sete para quatro - foram retirados os chamados 'generais Fujian' das posições de poder. "Isto mostra que a China se está a preparar militarmente para alguma coisa. O quê não sabemos, mas para alguma coisa se está a preparar." O especialista em Relações Internacionais entende que "o desafio público" de Sanae Takaichi "não ajuda em nada as tensões e apenas empola ainda mais este sentimento de que o Estado Chinês tem de mostrar força na região".
Miguel Baumgartner entende que Takaichi sabe que "o Japão funciona quase como se fosse a primeira força de resistência a esta tentativa de expansão de parte da China", mas que tem ainda consciência que na verdade Tóquio estaria sempre "pressionado a intervir de qualquer dos modos" caso os EUA unidos se envolvessem na defesa de Taiwan, porque existe logística e ainda militares norte-americanas em território nipónico.
"Não acredito que haja uma invasão de Taiwan de hoje para amanhã", garante Miguel Baumgartner, mas lembra que este tema "é algo que está no pensamento de Xi Jinping e no pensamento do Partido Comunista Chinês, que sempre olhou para Taiwan como uma parte da China". Precisamente, o mesmo que aconteceu com a Rússia na Península da Crimeia - e esse "é um ponto fulcral". Para percebermos a sua importância, diz Miguel Baumgartner, basta recuar-se alguns dias até à declaração em que Donald Trump diz que ia "acabar a guerra de Biden com uma Ucrânia menor em território". "Foi com esta premissa que Trump abriu esta caixa de Pandora: se Trump permite à Rússia fazer isso, então também permitirá à China invadir Taiwan. O precedente está mais ou menos aberto."
A verdade é que "Taiwan é extremamente importante para o desenvolvimento tecnológico dos EUA e Washington não tem interesse absolutamente nenhum em que a China inicie uma invasão". As tensões nesta região do globo "são sempre uma incógnita, mas não acredito que vamos chegar a uma invasão de Taiwan", conclui Miguel Baumgartner.
Donald Trump recebeu Volodymyr Zelensky na Casa Branca a 17 de outubro (Fonte: Getty)
Tem Tóquio poderia bélico suficiente? Dois exércitos, a mesma "incógnita"
Baumgartner acredita que a China não está a fazer mais do que "um teste de stress" para ver até onde vão tanto o Japão como os EUA; precisamente "da mesma forma que a Rússia, por vezes, também testa a paciência de Washington". "Ninguém quer um conflito naquela região, Taiwan não quer um conflito, o Japão não quer um conflito, a China não quer e muito menos querem os Estados Unidos, que têm interesses económicos fortíssimos naquela região."
Mas: se houver invasão ou manobras militares chinesas em Taiwan, tem o exército nipónico capacidade para atingir o terceiro maior exército do mundo? "Não sabemos", responde prontamente Tiago André Lopes.
"Temos uma grande dificuldade com o exército da China. Não sabemos qual é o potencial operacional de combate da China, porque há décadas não vimos a China a combater. Sabemos que tem equipamento militar, vimos na parada militar que se tem estado a modernizar, a construir, a comprar, que estão a construir uma cidade da defesa, há tudo isso, mas não sabemos como é que combatem porque não os vemos a combater há muito tempo", diz, alertando que, por outro lado, também acontece "o mesmo com o Japão": "O Japão, por causa da doutrina pacifista, só em 2017 é que passou a poder operacionalizar o seu exército e, portanto, são duas incógnitas".
No entanto, o especialista em Relações Internacionais identifica uma diferença crucial: "O Japão, no ano passado pelo menos, era o país do mundo que mais gastava percentualmente com Defesa - estava a gastar 20% do PIB".
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