domingo, 31 de agosto de 2025

Guiné-Bissau - Opinião: Um estudante só se torna imigrante quando é vítima da ausência de políticas públicas proativa ... O que está a acontecer no aeroporto Humberto Delgado não apenas nega os direitos dos estudantes, como também constitui uma clara violação da dignidade da pessoa humana.

Por  Rádio Capital Fm

Os estudantes investem os seus recursos desde a instrução dos processos na Embaixada de Portugal na Guiné-Bissau. Obtêm vistos, o que significa que cumpriram todos os requisitos exigidos. No entanto, ao chegarem a Lisboa, são interrogados com perguntas que soam mais a armadilhas do que a critérios legais: Quais são as cadeiras do teu curso? Qual é a morada onde vais ficar? Quem vai receber-te?

Ora, essas perguntas deveriam ser feitas no país de origem. Se os estudantes não soubessem responder, seria nesse momento que o pedido de visto deveria ser indeferido. Não faz sentido que, após a concessão do visto, já em território português, sejam impedidos de entrar, enfrentando o risco iminente de deportação para a Guiné-Bissau.

Esta situação é gravíssima, e muitos não imaginam os impactos futuros que estes traumas podem provocar nos processos de integração académica e social desses estudantes. Aliás, ao chegarem às suas faculdades, terão de enfrentar uma dupla dificuldade:

1. A adaptação natural que qualquer estudante internacional atravessa, tanto a nível cultural e social, quanto académico.

2. A carga traumática vivida no aeroporto, que inevitavelmente deixará marcas psicológicas, afetando o rendimento académico.

A solução passaria por acompanhamento contínuo de técnicos de psicopedagogia para ajudar a superar esses problemas. Contudo, o paradoxo é evidente: a mesma autoridade que deveria criar condições de acolhimento é a que, na prática, gera obstáculos. Depois, surpreendem-se com os baixos índices de conclusão de licenciaturas, dentro dos prazos normais, por parte de estudantes guineenses.

Alguns argumentam que este “rigor” no aeroporto se deve ao elevado número de cidadãos guineenses que utilizam os vistos de estudo como via para a imigração. Esse argumento pode ser parcialmente aceitável. Mas será legítimo, para combater esse fenómeno, violar leis e acordos internacionais sobre mobilidade e, pior ainda, desumanizar os estudantes? Será que todos os que chegam não têm a real intenção de estudar?

Os processos administrativos devem respeitar o princípio da individualidade — cada caso é um caso. As autoridades têm legitimidade para aplicar controlos rigorosos, sim, mas não podem assinar, com tais práticas, um “atestado de incompetência” na resolução de um problema que exige políticas públicas eficazes. Como costumo dizer: um estudante só se torna imigrante quando é vítima da ausência de políticas públicas produtivas.

Há pouco tempo, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal esteve em Bissau. Porque não foram estas questões discutidas com as autoridades guineenses?

Deixo aqui a minha total solidariedade para com os 41 estudantes atualmente retidos no aeroporto Humberto Delgado, em condições desumanas, sem alimentação adequada e tratados como criminosos. Expresso também o meu profundo reconhecimento à Associação de Estudantes da Guiné-Bissau em Lisboa (AEGBL), pelo trabalho incansável que tem desenvolvido na defesa dos direitos destes estudantes.

Samuel Alfredo Gomes, Presidente da Organização de Estudantes da Guiné-Bissau em Coimbra e ativista dos direitos humanos

Sem comentários:

Enviar um comentário