Nova versão do míssil de cruzeiro não promete, segundo os especialistas, ser um "game changer". Ainda assim, poderá trazer novos fôlegos à guerra. Sobretudo nas mensagens que é preciso enviar a Washington, quando a Casa Branca se prepara para um novo inquilino com uma visão diferente sobre o conflito: Donald Trump
Chama-se Trembita e é um dos símbolos do desejo da autonomia ucraniana no campo de batalha. Sobretudo porque Kiev estará a preparar uma versão deste míssil de cruzeiro capaz de chegar a Moscovo.
A atual versão do Trembita, que está em desenvolvimento desde 2023, tem um alcance na ordem dos 140 quilómetros. A PARS, empresa ucraniana responsável pela produção deste armamento, estará a trabalhar numa versão com pelo menos 700 quilómetros de alcance - uma distância que, a partir da fronteira, permite chegar à capital russa, Moscovo.
Segundo a imprensa internacional, o desejo é de que a nova versão do Trembita esteja pronta no prazo de um ano. O modelo atual, que segundo os especialistas militares prima pela simplicidade, tem um custo de produção na ordem dos 10 mil dólares. E o sucessor deverá manter esse traço económico. Para efeitos de comparação, um míssil ATACMS, como os fornecidos pelos Estados Unidos da América (EUA) a Kiev, custa cerca de um milhão de dólares.
A Ucrânia consegue produzir o Trembita sozinha?
Antes de percebermos se a nova versão do Trembita vai mudar o rumo da guerra, importa perceber se a Ucrânia terá mesmo capacidade de produzi-la sozinha. Os especialistas militares ouvidos pela CNN Portugal garantem que sim.
“A Ucrânia tem uma capacidade de produção que vem dos tempos da ex-URSS. Nunca deixou de ter os velhos engenheiros, os grandes mecânicos e designers. Tem uma grande tradição de produção de armamento pesado”, aponta Isidro de Morais Pereira. O major-general cita o discurso de Ano Novo de Volodymyr Zelensky para referir que 30% das armas utilizadas pelos militares ucranianos em 2024 foram produzidas integralmente na Ucrânia.
Destacando que o Trembita “não é uma arma muito sofisticada”, Agostinho Costa concorda que a “Ucrânia tem capacidade tecnológica para construir sistemas de armas com sofisticação”, com destaque para os drones.
Mas, mesmo com este historial a favor, o major-general Carlos Branco deixa um aviso: “a Ucrânia está com um problema grave de energia”, que poderá condicionar este objetivo produtivo.
De que ajuda do Ocidente não pode a Ucrânia prescindir?
Mesmo que o objetivo seja o de uma maior autonomia, Kiev não poderá abdicar do apoio que tem vindo a receber do Ocidente para produzir um míssil de cruzeiro capaz de alcançar Moscovo.
“A Ucrânia precisa de apoio ocidental, mas não é tanto de dinheiro. Precisa é que os países ocidentais continuem a fornecer acesso livre a tecnologia de ponta, nomeadamente a microchips, necessários para construir mísseis”, aponta Isidro de Morais Pereira.
Ainda assim, reitera Agostinho Costa, o dinheiro é sempre bem-vindo na Ucrânia, uma vez que o “orçamento do país é assegurado” pelo Ocidente. E, sem um orçamento folgado, fica mais difícil adaptar prioridades no campo de batalha.
Poderá este novo míssil mudar a guerra?
Poderá um míssil com capacidade de chegar a Moscovo mudar o rumo da guerra? Os especialistas não acreditam em alterações substanciais no terreno.
“É mais um sistema, não é um ‘game changer’. Estes mísseis entram numa panóplia de meios de que a Ucrânia já dispõe”, vinca Agostinho Costa. Além disso, ainda não há certezas sobre o grau de precisão deste novo recurso.
Apesar de reconhecer que a nova versão do Trembita teria um “alcance notável”, ao superar os 700 quilómetros, Isidro de Morais Pereira alerta que “a Ucrânia tem outros mísseis” que utilizam tecnologia similar.
“Esta nova versão do Trembita torna-se relevante porque alguns líderes ocidentais foram demasiado cautelosos, para não dizer medrosos, face às ameaças de Putin. E qualquer militar sabe que não há uma guerra que se ganhe só com a defesa”, junta.
O novo Trembita permitiria à Ucrânia alcançar um conjunto diferente de alvos, como postos de comando, complexos industriais e pontos de produção de energia.
Mas transforma-se-à em realidade? Só o tempo dirá, avisa o major-general Carlos Branco: “Estamos perante uma retórica sistemática e repetida das armas milagrosas. Estas coisas não se anunciam, acontecem. Os russos não disseram que tinham os mísseis Oreshnik. Empregaram-nos”.
Que mensagem para os EUA e Trump?
As notícias sobre a existência de um novo míssil ucraniano capaz de alcançar Moscovo ganham força quando o mundo está a três semanas de ver Donald Trump tomar posse novamente como presidente dos EUA.
E, com ele, ganham força os receios sobre um corte (ou mesmo sobre um ponto final) no apoio americano. Para os especialistas militares, há uma mensagem subliminar nas notícias sobre este novo míssil de cruzeiro.
Não é Kiev a dizer a Washington que a Ucrânia se pode safar sozinha. Pelo contrário: é Kiev a mostrar que não está no fundo do poço, que ainda tem muito fôlego e vontade de se digladiar, que precisa dos EUA para chegar a uma solução de paz.
Isidro de Morais Pereira lembra que, no discurso de Ano Novo, Zelensky disse acreditar que os EUA estariam com a Ucrânia nos primeiros minutos de paz. “Está a mostrar a Washington que tem a determinação de ser um país livre e dono do seu destino. E que, por isso, merece ser apoiado”, diz.
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