sábado, 13 de junho de 2020

Covid-19: Sete milhões de gravidezes indesejadas em seis meses

Organização Mundial da Saúde organizou esta sexta-feira uma conferência de imprensa sobre os impactos da pandemia nas mulheres, crianças e adolescentes.

India e Nigéria representam um terço das mortes maternas no mundo REUTERS/ADNAN ABIDI
Andrea Cunha Freitas 12 de Junho de 2020

Duas horas para falar do impacto da covid-19 nas mulheres, crianças e adolescentes de todo o mundo é muito pouco. De uma forma directa ou indirecta, ninguém está a salvo e é impossível dizer quem foi mais afectado pela pandemia. Esta sexta-feira, durante a conferência de imprensa sobre a saúde materno-infantil e dos adolescentes em tempo da covid-19, foram feitos muitos alertas e pedidos. Um dos avisos mais repetidos recai sobre os países com menos rendimentos onde, por exemplo, em seis meses de confinamento a falta de acesso a contraceptivos poderá ter causado sete milhões de gravidezes indesejadas. Sobre as crianças referiu-se que a pandemia terá colocado entre 42 e 66 milhões em risco de pobreza e sobre os adolescentes valorizou-se o impacto da covid-19 na saúde mental. 

Muitos dos dados lembrados esta sexta-feira pela Organização Mundial da Saúde (OMS) não são novos e constam do relatório sobre saúde reprodutiva do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA). Uma das ideias-chave do documento refere que, em seis meses de confinamento, 47 milhões de mulheres em 114 países de baixos e médios rendimentos podem ter perdido o acesso à contracepção por causa da pandemia, levando a sete milhões de gestações indesejadas. Esta impressionante estimativa foi citada várias vezes na conferência de imprensa da OMS, mas a primeira pessoa a lembrar este número foi precisamente Natalia Kanem, directora-executiva do UNFPA e que foi a primeira participante convidada a falar.

O porto de abrigo na escola

A seguir, Gabriela Cuevas Barron, presidente da União Interparlamentar, trazia mais uma má notícia mencionando o facto de termos actualmente no mundo entre 42 a 66 milhões de crianças em risco de pobreza por causa deste problema de saúde pública mundial. E os impactos indirectos da pandemia vão muito além da economia, alertou. Com as escolas fechadas, muitas crianças perderam apoios importantes que vão além da educação, lembraram vários dos participantes convidados e membros da equipa da OMS. A escola é também um importante lugar de apoio para muitas crianças e adolescentes no plano alimentar e psicológico.

NELSON GARRIDO

Assim, aos vários impactos negativos do fecho das escolas surgiu a questão sobre o real efeito positivo que essa medida terá tido no controlo da pandemia e na disseminação do vírus. Os responsáveis das OMS presentes nesta sessão especial referiram, no entanto, que ainda não há uma resposta definitiva para esta questão que está a ser cuidadosamente analisada. E, confrontado com a possibilidade de uma eventual recomendação da OMS sobre o fecho ou abertura das escolas, o director-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreysesus, admitiu a dificuldade de dar um conselho global sobre este assunto específico perante contextos tão diferentes em tantos países.

Sobre o risco do aumento de problemas associados à depressão e ansiedade entre os mais novos, não houve qualquer dúvida e reclama-se, por isso, uma acção urgente para reparar os danos. Uma medida ainda mais importante quando sabemos que o suicídio é uma das principais causas de morte entre os adolescentes. Além da falta de apoio e os problemas de acesso a serviços de saúde mental, foi ainda referido que a pandemia da covid-19 pode também exacerbar outro tipo de dificuldades como os consumos de álcool e drogas ou o assédio online entre os mais jovens.

Num fenómeno que atinge de forma igualmente grave mulheres, crianças e adolescentes, foi ainda abordado o provável aumento de casos de violência doméstica. Sobre a violência de género, Natalia Kanem afirmou que “é uma pandemia dentro da pandemia” e reclamou: “Não podemos deixar ninguém para trás.”

Mais tarde, Jayathma Wickramanayake, porta-voz da juventude nas Nações Unidas, destacava ainda a pressão e violência denunciada por muitos jovens LGBT e pedia também que a juventude não fosse vista como aqueles que só causam problemas, mas antes como parceiros e aliados.

Mães sem cuidados

Durante a conferência, houve muitos outros avisos sobre saúde pública especialmente dedicados às mulheres, crianças e adolescentes. Foi, por exemplo, mais uma vez recordada a recomendação da OMS para que as mães (mesmo as que estejam infectadas) mantenham a amamentação dos seus filhos. Os benefícios, insistem os especialistas, ultrapassam claramente os (pouco prováveis) riscos. Tanto mais, como recordou Anshu Banerjee, conselheiro da OMS para a área da saúde reprodutiva, que não foi provado até agora que possa existir risco de transmissão entre mãe e filho, dado que em nenhuma análise de leite materno foi detectada a presença do vírus vivo. “As mães com covid-19 não devem ser separadas dos seus filhos”, sublinhou o director-geral da OMS.

Ainda no que se refere à saúde materna falou-se muito sobre os riscos associados à falta de acesso a cuidados de saúde, sobretudo em países mais pobres onde já existiam muitas dificuldades antes da covid-19. Falou-se assim sobre as mortes evitáveis de mães e recém-nascidos nos países onde há mulheres que acabam por dar à luz sem conseguir qualquer tipo de apoio no parto.

Num artigo publicado há um mês na revista The Lancet, uma equipa de cientistas apresentou várias estimativas sobre o impacto da covid-19 na mortalidade materno-infantil concluindo que, no melhor dos cenários, ao longo de seis meses terão sido causadas 253.500 mortes infantis adicionais e 12.200 mortes maternas adicionais em todo o mundo. O pior dos cenários referia mais de um milhão de mortes infantis adicionais (1.157.000 mortes infantis) e 56.700 mortes maternas adicionais.

EPA/ABEDIN TAHERKENAREH

No meio de tantos dados inquietantes e más notícias, houve ainda um espaço para algumas notas de esperança. Assim, ouviu-se uma vez mais que esta pandemia pode ser uma oportunidade para repensar todo o sistema e corrigir muitas desigualdades. “Vamos aproveitar para reconstruir melhor, como disse António Guterres”, pediu Natália Kanem.

Gabriela Cuevas Barron também frisou que devemos aproveitar este violento embate para reconstruir sociedades melhores e mais justas e também “aplicar a lente do género” em todas as medidas ligadas à covid-19, corrigindo as desigualdades que afectam as mulheres. É preciso fortalecer os sistemas de saúde e não nos deixarmos levar pela ilusão de que as crianças estão a salvo desta pandemia, frisaram os vários participantes na conferência da OMS. Ninguém está a salvo.

A conferência terminou com mais um apelo do director-geral da OMS à união e solidariedade do mundo contra a covid-19. “O mundo nunca viu nada assim. É muito difícil lutar contra este perigoso vírus num mundo dividido. Este vírus explora as brechas entre nós, este vírus explora a divisão entre nós. Este deve ser um momento de humildade para qualquer indivíduo, para qualquer nação, rica ou pobre.”

Fonte: publico.pt

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