O líder do PAIGC na Guiné-Bissau, Domingos Simões Pereira, esteve em Paris para se reunir com a comunidade guineense a residir em França. Em entrevista à RFI, o antigo primeiro-ministro afirma que há uma vontade deliberada em atrasar o processo eleitoral, nega qualquer tipo de guerra pessoal com o chefe de Estado e afirma que o país sabe que precisa que o PAIGC ganhe as eleições.
Neidy Ribeiro: O primeiro-ministro Aristides Gomes apresentou na semana passada um relatório ao chefe de Estado onde indica que, até momento, foram recenseados 30% dos potenciais eleitores, num universo de mais de 900 mil eleitores. O senhor admite que o país tem condições de realizar eleições ainda em 2018?
Domingos Simões Pereira: É uma responsabilidade que todos nós guineenses, sobretudo dirigentes políticos, temos de entrar num quadro de normalidade. As últimas eleições foram realizadas em Abril de 2014, portanto todos devíamos estar alinhados para criar condições para que em Abril de 2018 acontecessem essas eleições. Não foi possível, foi transferida para Novembro, de acordo com as disposições constitucionais, e portanto temos de trabalhar nesse sentido.
RFI: Como é que se explicam estes atrasos no processo de recenseamento?
DSP: Tivemos partidos, particularmente um partido, o PRS, a exigir recenseamento de raiz, através de métodos biométricos, concessão do cartão no acto da eleição. Só se podia começar a recensear quando chegassem todos os kits, por isso é que se começou a falar dos kits. De outra forma, podia-se começar o recenseamento e depois fazer a impressão conforme as outras alternativas que tinham sido propostas. Gastou-se aí mais de um mês. E, no final, nós estamos a assistir a muitas iniciativas no sentido de bloquear o processo. Eu penso que foi noticiado, dirigentes do PRS que se deslocam às messas de recenseamento para bloquear essa situação. Tivemos o registo de um incidentes desses envolvendo o secretário-geral do partido (PRS).
Tivemos incidentes no sul do país, concretamente em Fulacunda, onde o representante do PRS vai à mesa de recenseamento, subtrai a bateria que assiste a equipa no trabalho para bloquear o processo. Tivemos o mesmo registo tanto em Portugal como em França, onde os embaixadores recebem os kits, guardam os kits, impedem a equipa que veio de Bissau de fazer o seu trabalho, e depois afirmam que não há condições para a realização de eleições.
RFI: Têm sido denunciadas irregularidades no processo eleitoral. Há mesmo partidos que defendem que deveria começar-se tudo de novo. É possível anular o processo?
DSP: Isso é um completo absurdo. Sempre disse desde o início que os partidos não se prepararam. São partidos que estão habituados a fazerem uma co-relação entre a sua disponibilidade financeira, a sua capacidade de controlar o acto eleitoral e aquilo que eles esperam ser os resultados. E basta não sentirem esse controlo absoluto da situação para acharem que as condições não estão reunidas.
RFI: A Comissão Nacional de Eleições denunciou que muitas pessoas têm sido impedidas de se recensear por terem os documentos caducados, quando a lei prevê esse tipo de situações. Acha que há uma intenção de adiar todo este processo?
DSP: Desde o início, não há dúvidas nenhumas, que todo o atraso que tem acontecido é, em muitos casos, atrasos deliberados. Por exemplo, quando nós falamos do início do recenseamento, os kits ficaram retidos na Nigéria por mais de um mês. Os próprios técnicos que se deslocaram à Nigéria e que constataram que os kits existiam e que deviam ir para a Guiné-Bissau sentiram-se frustrados e voltaram para a Guiné.
RFI: Com todos estes atrasos, com todo o descontentamento, nomeadamente da parte da sociedade civil, muitos defendem que a marcação de eleições deveria ser em finais de Janeiro ou Fevereiro. Não acha que essa seria a melhor data?
DSP: Se houverem razões objectivas que demostrem que o adiamento, um pouco mais de tempo, dá a ganhar algo em termos de qualidade da realização de eleições, obviamente que teremos toda a capacidade de aceitar essas propostas. O problema é que esta proposta de adiamento não é acompanhada por nada que demonstre que nós estamos a tentar ganhar em eficiência em relação ao processo.
Ora, nós temos um país que está parado há mais de três anos. Temos uma economia que está completamente estagnada. Há uma grande diferença em realizar eleições em 2018 e fazer eleições em 2019, desde logo porque todos os países, normalmente, começam o seu ano fiscal em Janeiro. Quando um país como a Guiné-Bissau, que depende fortemente do apoio internacional e da cooperação internacional, faz as suas eleições em Janeiro tem que compreender que a capacidade de interlocução com os seus principais parceiros fica comprometida.
RFI: Aristides Gomes tinha apenas uma missão: realizar eleições a 18 de Novembro, como foi definido em Lomé. Muitos políticos e analistas têm vindo afirmar que há no país um sentimento de que o governo não tem condições nem interesse em organizar o pleito na data prevista. Considera que o primeiro-ministro está bem colocado para a conduzir o processo eleitoral?
DSP: Penso que sim, eu não tenho elementos para auferir essa avaliação. Eu penso que é importante dizer que este governo é consequência de uma crise que foi criada, que foi sustentada durante muito tempo. Agora, três anos depois, do início dessa confusão, querer transferir para o governo essa responsabilidade do quadro de paralisação que nós vivemos, parece-me no mínimo um pouco questionável. Eu penso que o que acontece é que as mesmas entidades …que bloquearam o país e não permitiram que, na altura em 2015 ao evocar a existência de um novo quadro político, se convocassem eleições… tal como a nossa Constituição rege, hoje tentam procurar um novo bode expiatório.
RFI: Acredita que isto se tornou numa guerra pessoal entre o Presidente da República e o Senhor?
DSP: Foi assim apresentada no início e o povo guineense foi levado a crer que se tratava de uma questão pessoal. Eu penso que o momento de mudança, que algumas pessoas não estiveram atentas e não conseguiram acompanhar, foi quando nós nos retiramos e foi possível colocar um outro primeiro-ministro. A partir dessa altura, sem dar conta talvez, o Presidente estava a ser avaliado. Se o problema era pessoal e eu me afastei, fui ocupar-me dos assuntos dentro do partido, o que se espera era que o Presidente da República se entendesse com o primeiro-ministro que foi então proposto. A convivência com o Presidente da República durou pouco menos de um ano. Depois dessa alteração o que é que nós temos vindo a ver: uma sucessão de primeiros-ministros, vamos no sétimo. Porquê? Porque o Presidente da República recusa-se a cumprir aquilo que é o “ditame” constitucional.
RFI: O Presidente da Comissão da União Africana, Mussa Faki, quando esteve no país defendeu que se deveria mudar a constituição, para defenir os poderes do presidente e do executivo, antes de a Guiné-Bissau ir a eleições. Não se estarão, mais uma vez, a adiar as decisões que estiveram na origem da crise político-institucional de 2015?
DSP: Compreendo que essa posição seja defendida por todos os países que são vizinhos da Guiné-Bissau. Porquê? Porque todos são de regime presidencial. Ora eu penso que a Constituição é um documento, é uma lei. Se há regimes semi-presidenciais é porque esses sistemas funcionam.
RFI: Este fim-de-semana esteve reunido com a comunidade guineense a residir em França. Já está em campanha eleitoral?
DSP: O PAIGC é um partido sério. Portanto a partir do momento em que a data das eleições é fixada, para nós é lei, até porque é fixada por um decreto presidencial.
RFI: Quais é que serão as prioridades do PIAGC?
DSP: Pela primeira vez, nós vamos ter um partido político que tem condições de dar garantias ao povo guineense que, se for eleito, vai levar o seu mandato ao fim. Vai implementar um programa de governação que é baseado numa visão estratégica. Nós fixamos vários objectivos: colocamos o capital humano como o nosso principal enfoque. Identificamos quais os factores de crescimento da nossa economia e estão bem definidos: desde o caju, o turismo, as pescas, a exploração mineira, a energia é fundamental.
RFI: Em entrevista à RFI, o PRS afirmou que nenhum partido vai conseguir obter maioria absoluta. O senhor prevê um cenário de coligação?
DSP: Eu penso que o resultado das eleições depende da vontade do povo guineense. O programa que nós vamos apresentar ao povo guineense vai ser acompanhado com um pedido muito claro, muito expresso de que o PAIGC, para implementar esse plano e para levar toda essa visão em curso, precisa de facto de maioria confortável, precisa dessa maioria absoluta. Agora o PAIGC respeita aquilo que for a vontade do povo e uma coisa é certa: nós vamos manter a porta aberta ao diálogo. Vamos dialogar com todas as forças vivas da nação e em função dos resultados, nós estaremos dispostos a analisar todas as alternativas que possam viabilizar a implementação da visão estratégica que nós avançamos.
RFI: O Senhor acredita que o PAIGC vai sair vencedor destas legislativas?
DSP: O país sabe que, neste momento, precisa que o PAIGC ganhe as eleições.
RFI
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