quinta-feira, 6 de junho de 2019

Em entrevista à Radio: PRIMEIRO-MINISTRO JULGA SER IMPRODUTIVO E CONTRAPRODUCENTE AUMENTO DE SALÁRIOS

Em grande entrevista à Rádio Bombolom da Guiné-Bissau, o Primeiro-ministro Aristides Gomes analisa de forma diferente a onda de paralisações na função pública e reconhece que as greves decretadas pelas duas maiores centrais sindicais do país colocaram o governo no limite da sua capacidade de dar respostas às necessidades e exigências de governação e das possibilidades reais dos instrumentos do seu governo postos à disposição, ou seja, que nortearam a criação do executivo que o próprio lidera.

Por outras palavras, Aristide Gomes quis lembrar que a legitimidade do governo que lidera e toda a sua base teve origem nas emendas de Lomé, resultantes do acordo de Conacri que neste momento “está caduco”, sobretudo com a realização das eleições de 10 de março de 2019.

“Como é óbvio, o objetivo principal do governo era realizar as eleições, que supunham a estabilização de um clima de tensão que o país vivia tanto a nível político como social”, argumenta. Em síntese, o Chefe de governo reconhece que o executivo que lidera não está à altura de fazer face aos desafios que existem hoje na sociedade guineense. Por isso, na sua observação, o atual momento requer as competências de um governo saído das urnas capaz de fazer face aos desafios que se impõem.

COTITULARIZAR CONTAS PÚBLICAS VISAM IMPEDIR A DELIPIDAÇÃO DO FUNDO DE ESTADO

“A situação que o país tinha era de um ambiente de crispação e de tensão política entre os diferentes elementos da classe política e a nossa sociedade inteira estava à volta dessa crise”, notou.

Aristides Gomes foi persistente, lembrando que quando entrou em funções, o primeiro desafio que abraçou foi o processo de recenseamento e aorganização das eleições. Procurou identificar o elemento de controvérsia entre partidos políticos. Quando descobriu que o ponto de divergência era apoderar-se dos meios financeiros do Estado, decidiu que um dos fatores de estabilização da sociedade seria também o de pacificação das zonas de conflitos, ou seja, setores que geram mais fundos e rendimentos aos cofres do Estado. Por isso, defendeu a criação de condições ou critérios de acesso a essas fontes de rendimento.

“Quando percebemos que havia guerra em relação ao setor dos transportes posicionamo-nos bem, mostrando que ninguém tinha o direito de se apoderar dos fundos do Estado nessa área de forma aleatória, intempestiva, sem critérios ou ainda delapidar os fundos do Estado. Teria que ser com base nos critérios estabelecidos. Foi a partir daí que decidimos cotitularizar as contas das instituições geradoras de rendimento”, sustentou o governante.

O também ministro da Economia e das Finanças defendeu que a ideia inicial era impedir que os partidos políticos delapidassem os fundos de Estado de forma arbitrária e garantir ainda que o acesso a dinheiro nessas instituições fosse regulamentado e arbitrado pelas instituições financeiras nacionais, permitindo que esse dinheiro revertesse fundamentalmente a favor dos fundos públicos. 

Outra questão abordada tem a ver com o cenário adoptado para o recenseamento que disse ter sido bastante custoso e tirou muitos tempos ao governo.

“Realizamos as eleições nas condições em que realizámo-las e que até podem ser contestadas por muitos, mas a grande verdade é que em termos de objetividade são incontestáveis na medida em que até este momento ninguém conseguiu provar que foi prejudicado com o tipo de recenseamento que o país adoptou”, realçou.  

Apesar das dificuldades encontradas ao longo da sua governação, Aristides Gomes afirma que estruturalmente o governo conseguiu colocar o país, pelo menos, numa situação em que todos podem ser convidados a reconhecer que se as coisas continuassem nesse ritmo, antes de se estender a mão ao novo governo, a Guiné-Bissau poderia resolver de forma fundamental os problemas de fornecimento da energia e água. Contudo, disse que o seu governo herdou uma situação de desequilíbrio salarial enorme, sobretudo a fraqueza salarial registada ao nível do pessoal menor da função pública.       

“Por isso fomos obrigados, em certos casos, a proceder ao aumento do salário mínimo na função pública em 90% e em outras categorias a 60% e 50%. Herdamos também um país com atrasados salariais de anos muito recuados na educação, por exemplo, de 2003, a situação dos assalariados das empresas públicas que depois foram privatizadas, mas que tinha seus passivos por liquidar como é o caso da “Estrela do Mar”…etc. Criamos condições para que os trabalhadores dessas empresas saíssem da situação de desespero em que se encontravam”, referiu.

AUMENTO DE SALÁRIO MÍNIMO ELEVA MASSA SALARIAL DE TRÊS PARA CINCO BILÕES DE FRANCOS CFA

Em relação ao aumento de salários na função pública e fixação de algumas taxas fiscais que agravaram o aumento das despesas dos servidores públicos, Aristides Gomes disse que foi uma confusão de quem quer confundir as coisas, porque o aumento das taxas fiscais na função pública em nenhum momento agravou as despesas dos servidores públicos e esclareceu que o governo procurou apenas fazer pressão a determinadas categorias de operadores que não pagavam taxas no sentido de passarem a pagá-las porque era de lei.

“O único aspeto novo neste cenário foram as pensões que fixamos acima de 200.000 mil francos CFA mensais às pessoas que não pagavam impostos, mas que com a nova medida passaram a pagar, porque temos critérios de convergência ao nível da União Económica Monetária Oeste Africana que nos impõe a estarmos a par de outros Estados membros. Portanto, com o aumento salarial que fixa 50.000 mil francos CFA como salário mínimo na função pública, a despesa aumentou também. Quando entrei em funções, a massa salarial mensal do Estado era de cerca de três biliões e meio de francos CFA e ultimamente subiu para cerca de cinco biliões”, assinalou.

Dados estatísticos indicam que o governo, no âmbito de gestão corrente dos assuntos do Estado, adoptou a medida de moralização das finanças públicas. Contudo, existem ainda muitos problemas no aparelho administrativo guineense, sobretudo no concernente ao pagamento de salários aos servidores públicos.

Sobre a matéria, Aristides Gomes disse que não conseguiu realizar com sucesso tal medida porque houve momentos em que o governo teve de investir mais nos setores chaves como a energia. Num país com a fiscalidade que incide basicamente no consumo (alfândegas e contribuição e imposto), era difícil alcançar e concretizar o plano. Ou seja, o país não tem nada proveniente da sua própria renda (petróleo ou indústrias, por exemplo) que possa gerar rendimentos. Não conseguiu realizar com sucesso tal plano porque o preço do maior produto de exportação do país (caju) caiu e quando o maior produto de exportação cai a tendência é para ficar com menos receita. 

“Estavámos a evoluir num contexto em que a receita interna tinha que baixar estruturalmente, mas ao mesmo tempo tínhamos que aumentar as nossas despesas para estabilizar a sociedade e realizar as eleições em condições aceitáveis. Portanto, foi nessa contradição que o governo evoluiu com a expetativa de o próximo governo que saísse das eleições pudesse ter condições de resolver o problema de déficit orçamental, um assunto tradicionalmente solucionado com a participação da comunidade internacional”, detalhou, mostrando que no âmbito dessa participação é que a comunidade internacional intervém nos assuntos do país até em detalhes, nomeadamente: financiamento e a realização das eleições… Solução de conflitos, a presença da ECOMIB na Guiné-Bissau, por exemplo, etc.

 Como solução, aponta a formação de novo governo que terá capacidade de entrar em contato ou em negociação com a comunidade internacional para a redução do déficit orçamental.

Em relação às medidas iniciais adoptadas pelo governo guineense para a comercialização da castanha de cajú, Aristides Gomes nega que o governo tenha subido as taxas, conforme alegadamente teria sido especulado pelos exportadores e intermediários e esclarece que a taxa inicial aplicada era a mesma que se pagava no âmbito do fundo FUNPI.

O Chefe de Governo condena, no entanto, a atitude das duas maiores centrais sindicais União Nacional dos Trabalhadores da Guiné (UNTG) e a Confederação Geral dos Sindicatos Independentes da Guiné-Bissau (CGSI-GB), que nos últimos tempos, têm paralisado a função pública com sucessivas ondas de greve, exigindo do governo aplicação de diplomas legais que estabelecem relação entre o Estado e os servidores públicos.  

Em tom de revolta, Aristides Gomes disse que foi instalada uma cultura política e sindical que revela claramente a fragilidade extrema do Estado guineense e acusa os trabalhadores dos órgãos públicos de desinformação, os da educação e de saúde de impedirem outros funcionários que não aderem às paralisações de terem acesso aos seus serviços durante a vigência das greves na função pública, violando as barreiras policiais para retaliar contra os seus colegas e promovendo atos de sabotagem nos locais de serviço. 

Sobre as exigências apresentadas pelos sindicatos, o Primeiro-ministro julga ser improdutivo e contraproducente avançar com novo aumento salarial, ou seja, sair dos 50.000 para 100.000 mil francos CFA como salário mínimo na função pública, sobretudo numa altura em que o atual déficit orçamental do país é de 9 biliões de francos CFA.

“Como é possível pensar que é razoável aumentar novamente o salário na Guiné-Bissau, se de fato queremos ajudar para que o país avance?! Saímos de 29 mil para 50 mil francos CFA. Não é razoável subirmos novamente de 50 mil para 100.000 mil francos CFA, não. A título de exemplo, vejamos comparativamente qual é a situação do salário mínimo na nossa sub-região. No Benin 40.000 mil francos CFA, Mali 40.000 mil francos CFA, Senegal 55.000 mil francos CFA, Burkina Faso 34 mil francos CFA, no Níger 30.047 mil francos CFA, Togo 35.000 mil francos CFA e Costa do Marfim 60.000 mil francos CFA, o que quer dizer que estamos na terceira posição no concernente a salário mínimo ao nível da sub-região”.

Segundo Aristides Gomes, o salário mínimo em si pode até não significar grande coisa, mas quando comparado ao PIB percapita, ou seja, riqueza dividida por cabeça, Benin tem 5.500 mil francos CFA, no Mali 9 mil francos CFA, Guiné-Bissau 800 francos CFA, Burkina Faso 9.600 mil francos CFA, Níger 7.600 mil francos, Togo 2.800 mil francos CFA e Costa do Marfim 23.700 mil francos CFA, PIB nominal. E em relação ao PIB por cabeça só, no Burkina Faso é de 480 francos CFA, Mali 494 francos CFA, Guiné-Bissau 459 francos CFA, Senegal 841 francos CFA, Burkina Faso 373 francos CFA, Níger 219 francos CFA, Togo 354 francos CFA e Costa do Marfim 892 francos CFA. O que dá a Guiné-Bissau a quinta posição no que tem a ver com o PIB por cabeça.

“No entanto, no salário mínimo estamos em terceiro lugar, muito próximos do Senegal, que é de 55.000 mil francos CFA. Neste contexto, é impossível fazer novas mexidas ao ponto de querer ultrapassar até o da Costa do Marfim que tem um PIB de 40% da moeda comum do nosso espaço comunitário. Portanto, estes dados estatísticos são científicos porque foram trabalhados com base nas variáveis que podem ser confrontados a todos os níveis”, desafiou.

Na mesma entrevista, Aristides Gomes acusou os funcionários aduaneiros de criarem bloqueios ao desalfandegamento e passagem de produtos não perecíveis, impedindo desta forma a arrecadação de receitas. Nos últimos tempos, o governo está determinado em fechar o seu déficit orçamental, por isso acionou medidas de cobrança a todos os cidadãos que têm dívidas com o Estado, nas alfândegas, contribuições e impostos e dívidas contraídas através de caução do governo junto aos bancos e minimiza o fato de a carta dirigida a Botche Candé pelo ministério da Economia e das Finanças, solicitando a devolução de cerca de um bilião de francos CFA aos cofres do Estado, parar nos Blogs.  

Por: Redação

OdemocrataGB

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