A Organização de Unidade Africana, OUA, hoje denominada União Africana, foi criada em 25 de maio de 1963, em Adis Abeba, capital da Etiópia. Esse dia foi adotado pela Organização de Unidade Africana como o Dia de África.
A UCCLA não pode, por isso, deixar de evocar o dia, saudando com ele o continente africano, todos os povos e países que dele fazem parte e, naturalmente, os munícipes das cidades africanas de língua portuguesa associadas da UCCLA.
Quando o Dia de África foi instituído pela OUA, o mundo era então bipolar, com influência hegemónica de duas superpotências, os EUA e a ex-URSS, mundo esse que não existe mais, mas que marcou profundamente o continente africano, como, aliás, ainda hoje se vê.
Apesar das profundas alterações verificadas à escala planetária, o Dia de África - e ainda bem - continua a ser evocado com inúmeras iniciativas.
Porque “todo o mundo é feito de mudança”, como escreveu Luís de Camões, não podemos deixar de ter presente, no ano da passagem do 500.º aniversário do seu nascimento que este ano se comemora, que hoje são outros, mas não menos relevantes, os desafios que também África tem pela frente.
Desde logo há o facto de o mundo ter sido confrontado, no primeiro trimestre de 2020, com a primeira pandemia da era da globalização, dando causa a graves restrições de mobilidade dos cidadãos, com impactos imprevisíveis.
A ausência de vacinas para prevenção e combate ao vírus exigiu uma grande concentração de meios, incluindo financeiros, para a descoberta do antidoto.
Este objetivo, alcançado em tempo record, não evitou que o continente africano fosse o que maior vulnerabilidade apresentasse na obtenção atempada e em quantidade necessária de vacinas para a vacinação generalizada da população e isto, também por inexistência de laboratórios em África, que as produzissem em larga escala.
Este facto, de par com as consequências resultantes da própria pandemia, agravou de forma significativa o desemprego massivo na população mais vulnerável, acentuou as questões sociais e as desigualdades de forma gritante, de par com a subida dos preços dos bens alimentares essenciais.
Quando menos se esperava, a tensão da Rússia com a Ucrânia conduziu ao início da guerra de agressão à Ucrânia, no início de 2023, fazendo-se repercutir ainda mais na subida do preço desses bens, nalguns casos com efeitos devastadores.
A fome foi sempre má conselheira e, como é sabido, este quadro foi acompanhado em África por vários golpes de Estado no Sahel, que mereceram firme condenação da comunidade internacional, desde logo da União Africana.
A União Africana condenou essa prática, como não poderia deixar de suceder, de favorecimento do poder autocrático, em muitos casos levado a efeito contra governos legitimados pelo voto popular.
Em maior ou menor grau, a afetação dos direitos humanos é, nos dias de hoje, uma realidade transversal, que não deve conduzir à descrença na democracia em geral e em particular no continente africano.
A democracia não pode nem deve ser encarada como um sistema que se limita ao princípio de que a cada cidadão corresponde um voto, porque sendo este princípio sistema a base do sistema, ele não o esgota e não tem de ser encarado de forma mecanicista, sem atender à especificidade de cada país.
Esta avaliação impõe-se pela observação da realidade, porque a democracia tem, em cada caso concreto, de se articular com a realidade de cada país, com especificidades próprias, culturais, sociológicas e económicas, entre outras.
Neste domínio é muito útil revisitarmos o que Mandela também deixou como herança a África, concebendo uma fase de transição do apartheid para um governo de maioria na África do Sul, salvaguardando os equilíbrios necessários com prévia consensualização do rumo de marcha a seguir.
A transição pacífica para um governo de maioria, operada logo nas primeiras eleições livres, teve em atenção a especificidade própria da África do Sul e a ponderação prévia das medidas que deviam ser adotadas para as respostas.
Admitir que o futuro do continente africano está na resignada aceitação de conceções políticas autocráticas, não legitimadas pelo voto popular, é uma mistificação.
Além do mais, há que ter presente que, por os países africanos serem Estados à procura de serem nações, parece que devem os líderes destes países assumirem responsabilidades que atendam a esta realidade de forma consensualmente participativa.
Os novos desafios, sempre em mudança, respeitam também hoje à preservação do planeta em que vivemos e com ele o ambiente, de forma a combater as alterações climáticas e a luta contra a pobreza, devendo conduzir à priorização no continente africano da autossustentabilidade dos países, com redobrada atenção ao setor primário da economia.
A preocupação da priorização da autossustentabilidade é tanto maior quanto é facto que as independências alcançadas em África, em pleno mundo bipolar, geraram dependências que não conduziram à diminuição do ciclo vicioso da pobreza e ao aumento do desenvolvimento humano.
O desaparecimento do mundo bipolar, por implosão da ex-URSS, e as mudanças desde então operadas, para uma lógica crescentemente multipolar, não obnubila a permanência de interesses potencialmente hegemónicos por parte dos países mais poderosos.
Não se duvida que África e os africanos saberão aproveitar os ensinamentos da experiência, como se está já a verificar, respondendo ao radicalismo, nomeadamente de correntes religiosas, ponderando ainda o desejável equilíbrio do crescimento democrático com o económico.
O facto de estarmos perante um continente jovem, também o sendo na maioria da população com menos de vinte anos de idade, faz-nos confrontar com o verso e o reverso da medalha - a juventude é o futuro, mas para o alcançar tem se ser preparada.
Há - repito - que equacionar o equilíbrio do crescimento económico com o demográfico.
Esse equilíbrio é tanto mais necessário ao desenvolvimento humano quanto é certo ser também a causa do processo migratório de massas, quando não é cuidado, gerando o desespero com as gravíssimas consequências que vemos no Mediterrâneo.
O quadro que precede deve ser objeto - e sê-lo-á seguramente - de políticas públicas articuladas, com os olhos postos no futuro, como já se está a verificar por parte de investigadores e estudiosos do continente africano.
A crescente interdependência e articulação dos países na era da globalização que vivemos e a consciência que África evidencia quanto à necessidade do reforço da autossustentabilidade dos países que a integram, são, entre outros, fatores que conduzirão ao reforço de sinergias valorativas de uma estratégia que atenda aos desafios com que o continente se confronta.
Esses desafios devem ser encarados tendo presente que “Roma e Pavia não se fizeram num dia”, pelo que essas respostas não são possíveis de alcançar à bolina, ou seja, a curto prazo.
É um objetivo estratégico e comum.
Seja como for, África é um continente de futuro e com futuro, e é com os olhos postos nele que terminamos como iniciámos, saudando-o com esperança no dia 25 de maio, Dia de África.
Vítor Ramalho
(Secretário-geral da UCCLA)
21-05-2024
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