quinta-feira, 30 de maio de 2019

Como é possível alguém tão bem posicionado no panorama político, governativo e intelectual guineense, atribuir a si mesmo, um atestado de desconhecimento da Constituição e das Leis da República?

Por Fernando Casimiro

"Chegado a 23 de junho [data final do mandato presidencial] sem que o Presidente da República por vontade própria, não é por ter estado impedido de o fazer, não tiver nomeado o primeiro-ministro, não tiver eventualmente fixado as eleições presidenciais e não tiver permitido o desbloqueamento e funcionamento das instituições políticas, a leitura política que faço é que o Presidente da República perde qualquer capacidade de continuar a ser Presidente da República e primeiro magistrado", disse Domingos Simões Pereira, em entrevista à Lusa, salientando que a legitimidade passa a ser da Assembleia Nacional Popular, a cuja mesa o PAIGC preside. 30.05.2019

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Lá está, como ignorar afirmações/certezas de um líder político-partidário, que já foi Primeiro-ministro da Guiné-Bissau; que ainda não sabe bem o que quer nesta fase pós-eleições legislativas, visto ter uma agenda para se candidatar às próximas eleições presidenciais, mas não descartando assumir o cargo de Primeiro-ministro se o seu nome for viabilizado pelo actual Presidente da República?

Então, um indivíduo que fala da Constituição e das Leis da Guiné-Bissau, não sabe o que significa o princípio da separação de poderes entre os órgãos de soberania?

Desde quando as competências da Assembleia Nacional Popular podem estender-se às competências do Presidente da República; do Governo, dos Tribunais e da mesma forma o inverso entre todos eles, quando cada órgão de soberania tem, devidamente fixada na Constituição da República, as suas competências, bem como as atribuições, no caso do Presidente da República, e do Presidente da Assembleia Nacional Popular?

Desde quando e por via do que acontecer com a extensão do mandato do Presidente da República, ou da vacatura do lugar de Presidente da República, a Assembleia Nacional Popular, um órgão de soberania colegial, que é "o supremo órgão legislativo e de fiscalização política representativo de todos os cidadãos guineenses, decidindo sobre as questões fundamentais da política interna e externa do Estado", pode assumir com legitimidade, as competências e as atribuições do Presidente da República?

Como é possível alguém tão bem posicionado no panorama político, governativo e intelectual guineense, atribuir a si mesmo, um atestado de desconhecimento da Constituição e das Leis da República?

Pelo facto de o Presidente da Assembleia Nacional Popular ser do PAIGC, e por via do Artigo ARTIGO 71° da Constituição da República que estabelece os seguintes:

1 - Em caso de ausência para o estrangeiro ou impedimento temporário, o Presidente da República será substituído interinamente pelo Presidente da Assembleia Nacional Popular.

2 - Em caso de morte ou impedimento definitivo do Presidente da República, assumirá as funções o Presidente da Assembleia Nacional Popular ou, no impedimento deste, o seu substituto até tomada de posse do novo Presidente eleito.

3 - O novo Presidente será eleito no prazo de 60 dias.

4 - O Presidente da República interino não pode, em caso algum, exercer as atribuições previstas nas alíneas g), i), m), n), o), s), v) e x) do artigo 68° e ainda nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 69° da Constituição.

5 - A competência prevista na alínea J) do artigo 68° só poderá ser exercida pelo Presidente da República interino para cumprimento no nº 3 do presente artigo.
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Haverá alguma legitimidade para o Presidente da Assembleia Nacional Popular, que dirige a Mesa da Assembleia Nacional Popular, assumir as competências e as atribuições constitucionais do Presidente da República?

NÃO!

No N.º 3 do seu Artigo 84.º a Constituição da República da Guiné-Bissau estabelece que: "As atribuições e competências da Mesa são reguladas pelo Regimento da Assembleia."

E que competências são essas, atribuídas à Mesa da Assembleia Nacional Popular, que já estão a ser deturpadas pela conveniência de uma interpretação fora da lei, para criar novo imbróglio interpretativo, entre a visão política e a jurídica?

Vejamos pois o que diz o Artigo 30.º do Regimento da Assembleia Nacional Popular, referente à Competência Geral da Mesa.
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ARTIGO 30.º

Competência geral da Mesa

1. Compete à Mesa:

a) Estabelecer o projecto da “Ordem do Dia”;

b) Proceder à chamada dos deputados no início da cada sessão;

c) Apreciar a justificação de faltas dos deputados;

d) Garantir as condições de dignidade, liberdade e segurança indispensáveis aos trabalhos da Assembleia Nacional popular;

e) Dirigir todos os trabalhos e serviços administrativos da Assembleia;

f) Estabelecer o plano de actividades da Assembleia;

g) Submeter à apreciação da Assembleia as propostas de lei do Governo;

h) Orientar a gestão administrativa e financeira da Assembleia nos termos da Lei Orgânica;

i) Superintender o pessoal ao serviço da Assembleia,

j) Coadjuvar o presidente no exercício das suas funções;

k) Reunir-se periodicamente com os Presidentes das Comissões, para se inteirar do andamento dos trabalhos e traçar as directrizes que julgar convenientes;

l) Estabelecer o regulamento da entrada e frequência das instalações pelo público;

m) Decidir as questões de interpretação e integração de lacunas do Regimento.

2. A Mesa pode delegar num dos Secretários a superintendência dos serviços da Secretaria-Geral da Assembleia.
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Face à competência geral da Mesa da Assembleia Nacional Popular dirigida pelo PAIGC, onde é que está a legitimidade atribuída a essa Mesa, para, por exemplo, nomear e empossar o Primeiro-ministro; nomear e empossar o Governo, se nem o Presidente da Assembleia Nacional, que ao abrigo do Artigo 71.º da Constituição da República e face aos casos concretos nele constantes, substitui o Presidente da República, interinamente, pode nomear, empossar o Primeiro-ministro; nomear, empossar o Governo, entre outras limitações à sua interinidade presidencial?

Vejamos agora as Competências e as Atribuições constitucionais do Presidente da República, enquanto órgão de soberania unipessoal, elencadas na nossa Constituição:
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ARTIGO 62°

1 - O Presidente da República é o Chefe do Estado, símbolo da unidade, garante da independência nacional e da Constituição e Comandante Supremo das Forças Armadas.

2 - O Presidente da República representa a República da Guiné-Bissau.

ARTIGO 63°

1 - O Presidente da República é eleito por sufrágio livre e universal, igual, directo, secreto e periódico dos cidadãos eleitores recenseados.

2 - São elegíveis para o cargo de Presidente da República os cidadãos eleitores guineenses de origem, filhos de pais guineenses de origem, maiores de 35 anos de idade, no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos.

ARTIGO 64°

1 - O Presidente da República é eleito por maioria absoluta dos votos validamente expressos.

2 - Se nenhum dos candidatos obtiver a maioria absoluta, haverá lugar, no prazo de 21 dias, a um novo escrutínio, ao qual só se poderão apresentar os dois concorrentes mais votados.

ARTIGO 65°

As funções de Presidente da República são incompatíveis com quaisquer outras de natureza pública ou privada.

ARTIGO 66°

1 - O mandato do Presidente da República tem a duração de cinco anos.

2 - O Presidente da República não pode candidatar-se a um terceiro mandato consecutivo, nem durante os cinco anos subsequentes ao termo do segundo mandato.

3 - Se o Presidente da República renunciar ao cargo, não poderá candidatar-se às eleições imediatas, nem às que sejam realizadas no quinquénio imediatamente subsequente à renúncia.

ARTIGO 67°

O Presidente da República eleito é investido em reunião plenária da Assembleia Nacional Popular, pelo respectivo Presidente, prestando nesse acto o seguinte juramento: “Juro por minha honra defender a Constituição e as leis, a independência e a unidade nacionais, dedicar a minha inteligência e as minhas energias ao serviço do povo da Guiné-Bissau, cumprindo com total fidelidade os deveres da alta função para que fui eleito”.

ARTIGO 68°

São atribuições do Presidente da República:

a) Representar o Estado Guineense;

b) Defender a Constituição da República;

c) Dirigir mensagem à Nação e à Assembleia Nacional;

d) Convocar extraordinariamente a Assembleia Nacional Popular sempre que razões imperiosas de interesse público o justifiquem;

e) Ratificar os tratados internacionais;

f) Fixar a data das eleições do Presidente da República, dos deputados à Assembleia Nacional Popular e dos titulares dos órgãos de poder local, nos termos da lei;

g) Nomear e exonerar o Primeiro-Ministro, tendo em conta 6s resultados eleitorais e ouvidas as forças políticas representadas na Assembleia Nacional Popular;

h) Empossar o Primeiro-Ministro;

i) Nomear e exonerar os restantes membros do Governo, sob proposta do Primeiro-Ministro, e dar-lhes posse;

j) Criar e extinguir ministérios e secretarias de Estado, sob proposta do Primeiro-Ministro;

l) Presidir o Conselho de Estado;

m) Presidir o Conselho de Ministros, quando entender;

n) Empossar os juízes do Supremo Tribunal de Justiça;

o) Nomear e exonerar, sob proposta do Governo, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas;

p) Nomear e exonerar, ouvido o governo, o Procurador-Geral da República;

q) Nomear e exonerar os Embaixadores, ouvido o Governo;

r) Acreditar os embaixadores Estrangeiros;

s) Promulgar as leis, os decretos-lei e os decretos;

t) Indultar e comutar penas;

u) Declarar a guerra e fazer a paz, nos temos do artigo 85°, nº 1, alínea), da Constituição;

v) Declarar o estado de sítio e de emergência, nos termos do artigo 85°, nº 1, alínea i), da Constituição;

x) Conceder títulos honoríficos e condecorações do Estado;

z) Exercer as demais funções que lhe forem atribuídas pela Constituição e pela lei.

ARTIGO 69°

1 - Compete ainda ao Presidente da República:

a) Dissolver a Assembleia Nacional Popular, em caso de grave crise política, ouvidos o Presidente da Assembleia Nacional Popular e os partidos políticos nela representados e observados os limites impostos pela Constituição;

b) Demitir o Governo, nos termos do nº 2 do artigo 104° da Constituição;

c) Promulgar ou exercer o direito de veto no prazo de 30 dias contados da recepção de qualquer diploma da Assembleia Nacional Popular ou do Governo para promulgação.

2 - O veto do Presidente da República sobre as leis da Assembleia Nacional Popular pode ser superado por voto favorável da maioria de dois terços dos deputados em efectividade de funções.
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Face às transcrições constitucionais e regimentais aqui expostas, pergunto:

Porque é que o Presidente do PAIGC crê que basta ele dizer da sua leitura e interpretação da Constituição e das Leis, para que todos lhe sigam cegamente, na sua visão deturpada, por conveniência, da Constituição e das Leis da República da Guiné-Bissau?

Não me venham dizer que apenas faço críticas ao Presidente do PAIGC. Tenham também a coragem de criticar e mostrar ao Presidente do PAIGC, os seus erros, que nunca assumiu preferindo acusar tudo e todos de serem os culpados de tudo o que tem acontecido na Guiné-Bissau...

Vamos ajudar o Presidente do PAIGC para que não seja empurrado para o abismo, por via de elogios imbuídos de hipocrisia e sustentados por interesses pessoais e de grupos?

Não tenho nenhum problema em ajudar, mesmo com as minhas frequentes críticas, o Presidente do PAIGC ou qualquer outro líder político-partidário, ou governante da Guiné-Bissau. Faço-o, para dessa forma ajudar sobretudo a Guiné-Bissau, que precisa de políticos comedidos!

Positiva e construtivamente.

Didinho 30.05.2019

10 comentários:

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    1. Bom, primeiramente essa mais uma conversa sofista do autor deste artigo cá comentado, vai no mesmo sentido e espírito de uns tantos outros, sobretudo, destas últimas 6 semanas. Artigos de opinião, destinados a apoiar (legítimo) cegamente e sob todas as formas, no quadro político atual, a posição política dos obcecados anti democráticos e mesmo, destrutores da nossa jovem Democracia bissau-guineense. Que são, o nosso atual S. Exa. So Presi, Dr. JOMAV e seus mais visíveis grupo dos associados (apoiantes), atuais dirigentes Mademistas, Prs’sistas e além.

      Porque, isso de “obcecados ati democráticos e destrutores da Democracia”? Porque, quem nega o IMPÉRIO DA DECISÃO DA MAIORIA nos regimes da Democracia Parlamentar Representativa e, nega a SUJEIÇÃO ÀS LEIS DA REPÚBLICA E ÀS DECISÕES DOS TRIBUNAIS, num regime do Estado de Direito, não pode ser outro alguém, senão um obcecado ati democrata, dublado de destrutor da Democracia (oh, tenho que ir cortar o jejum, volto mais tarde para finalizar este comentário; obrigado à Leitora/ao Leitor. Amizade. A. Keita. Até mais logo).

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    3. Bem cá estou para continuar, tal como antes prometido.

      Ou seja, para dizer que, em segundo lugar, porque é que o autor deste artigo por mim cá comentado, não se focaliza no parágrafo que destaca na sua comentada comunicação de S. Exa. Sr. Presidente do PAIGC, no objeto que este mesmo coloca no cerne da sua atenção. Inclusive neste parágrafo que comenta. O cerne que roda à volta do CONCEITO DE LEGITIMIDADE POLÍTICA. E nem coloca entre aspas, no parágrafo que cita, a parte da frase referente a este elemento. Porque?

      Pois mesmo o jornalista, autor do texto original, do qual ele (o autor cá comentado) se serve, faz esse exercício. O faz (o jornalista), exatamente, no parágrafo antecedendo o colocado por este outro (o autor cá comentado) no centro da sua atenção.

      Cito do texto original do jornalista da Lusa: “O líder do Partido Africano para a [não é “para a”, mas sim, “da”] Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) avisou esta quinta-feira o Presidente guineense que PERDE A LEGITIMIDADE DO CARGO [sublinhado por mim] se, até 23 de junho, não nomear o governo e marcar de eleições presidenciais”. Fim da citação.

      Sendo assim, eis o erro grosseiro e grave cometido pelo nosso Sr. autor deste artigo cá comentado. A S. Exa. Sr. Presidente do PAIGC não centra a sua atenção e consequentemente, não coloca no centro da sua comunicação, as “COMPETÊNCIAS DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA”. Ele coloca é sim, a sua LEGITIMIDADE POLÍTICA no centro do debate, e isso questionando-se sobre a validade da mesma, após o dia 23 de Junho do corrente, em consequência da sua gestão da atual situação política do país. Sendo que, evidentemente, no quadro exatamente do princípio da separação de poderes entre os órgãos de soberania, um ou outro pode perder a sua legitimidade política diante dos acontecimentos, sem que isso aconteça com o seu par. Coisa bem possível.

      Eis, o ponto de toda a confusão neste artigo por mim cá comentado. “Competência” e “Legitimidade”, em ciências políticas e disciplinas afins, são dois sujeitos-objetos do exercício do poder político, totalmente diferentes, porque agindo em campos diferentes, embora encontrando-se interconectados nos exercícios práticos de cada ator político, sobretudo, maior.

      Portanto, se não se trata neste artigo por mim cá comentado, de uma ação premeditada do seu autor, de tentar enganar os menos cautos, então o Senhor há que aceitar que partiu de uma falsa pista para todo seu exercício neste seu texto cá em pauta. Caso contrário, é porque estaremos diante de mais uma tentativa deliberada de ousar enganar os menos cautos. Sofisma puro e duro. Uma desonestidade intelectual gritante.

      Obrigado.
      Pela honestidade intelectual, infalível...
      Por uma Guiné-Bissau de Homem Novo (Mulheres e Homens), íntegro, idôneo e, pensador com a sua própria cabeça. Incorruptível!
      Que reine o bom senso.
      Amizade.
      A. Keita

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  2. Boa tarde irmão Didinho.
    Devo reconhecer que o senhor é uma pessoa muito inteligente. Mas sendo um antipaigcista assumido, as tuas anälises parciais convergem num só ponto:a defesa do regime de Mário Vaz, o homem que adiou o arranque do desenvolvimento da Guiné-Bissau.

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  3. Okay voce pode criticar o paigc e os outros näo mas quando se fala da guine Bissau que voce esta Defender entao näo faz sentido de facto de voce so estar criticar o paigc sera que os outros partidos politicos näo tenham erros?

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  4. Vc precisa de mais exercícios celebral pra melhor entender as discrepâncias das matérias.....

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  5. Da para rir kkkk!!! nho Fernando Cassimiro empregado do jomav. Desta crise so e so milhoes de francos cfa do jomav para so...continua a sua desinformacao.

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  6. Vc tá falando no seu entender pra defender o seu pao do dia a dia, vc tá puxando o saco pra madem, vc és madem e jomav gente se te conhece tá, não pode nos enganar...

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  7. Bem pelo menos o Didinho referiu -se todo o seu fundamento baseando na nossa constituição e demais leis que regem o funcionamento das nossas instituições, se assim for eu na minha modesta opinião prova contrária também devia-nos ilucidar baseando nessas mesmas leis, em vez de ficar somente na conversa, Didinho esta a defender ou a favor de uns.... Por favor já é tempo de aprendermos respeitar a nossa constituição. Bem haja

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