© Getty ImagesPOR LUSA 10/08/23
Os efeitos das sanções económicas ao Níger, após o golpe de Estado de 26 de julho, já se sentem, com atividades paralisadas e a população confrontada com cortes de energia e aumentos elevados de produtos como arroz e petróleo.
O Níger vive uma crise política desde que uma junta militar - autodenominada Conselho Nacional para a Salvaguarda da Pátria (CNSP), liderado pelo general Abdourahamane Tiani - deu um golpe de Estado e anunciou a destituição do Presidente eleito, Mohamed Bazoum, e a suspensão da Constituição.
Perante esta situação, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e a União Económica e Monetária da África Ocidental (UEMOA) decretaram uma série de sanções económicas e financeiras, numa reunião em 30 de julho.
Desde então, os preços dos principais géneros alimentícios no Níger dispararam de forma inesperada, com um aumento de 36%, nomeadamente dos produtos importados como o arroz, um produto de grande consumo pelos nigerinos.
Assim, um saco de arroz de 25 quilos, que custava 11.000 francos cfa (cerca de 16 euros), está agora a ser vendido por 15.000 francos cfa (22 euros), enquanto o litro de óleo passou de 1.000 francos cfa (1,5 euros) para 1.250 francos cfa (1,9 euros) em várias mercearias, segundo constatou a agência espanhola Efe.
Assoumana Harouna, proprietário de uma loja em Niamey, explicou que o aumento súbito dos preços se deve à decisão da CEDEAO de fechar as fronteiras terrestres e aéreas dos países-membros com o Níger.
"No dia seguinte ao fecho das fronteiras, os grossistas a quem compramos aumentaram os preços, o que nos obrigou a aumentar também os nossos preços ao consumidor, para conseguirmos uma margem de lucro", lamentou.
Mas Mustafa Kadi, presidente da Rede de Organizações de Consumidores do Níger (Rasconi), criticou estes aumentos, que, segundo disse, "não se justificam" porque os comerciantes ainda estão a utilizar bens armazenados antes da crise.
"A junta militar reuniu-se recentemente com os operadores económicos do país para pedir o seu apoio e sensibilizá-los para a necessidade de não aumentarem os preços aos cidadãos, de modo a não agravar o seu sofrimento", afirmou.
Situado no coração da região do Sahel, o Níger é considerado um dos países mais pobres do mundo.
O nível de pobreza extrema era de 41,8 % em 2021, o que equivale a mais de 10 milhões de pessoas, segundo dados do Banco Mundial.
Entre as sanções decretadas pela CEDEAO está o congelamento dos ativos financeiros e monetários do Estado nigerino no Banco Central dos Estados da África Ocidental (BCEAO) e nos bancos comerciais dos países da UEMOA, bem como a suspensão de todas as transações comerciais e financeiras, incluindo as relacionadas com produtos petrolíferos e eletricidade.
De facto, a Nigéria, que lidera o bloco económico regional, cortou a eletricidade de forma intermitente no Níger durante a última semana, uma medida que teve repercussões "graves" em várias atividades económicas do país, segundo relataram vários operadores económicos.
Zeinabou Abdou, proprietária de um estabelecimento especializado na venda de produtos frescos (peixe, leite e enchidos, entre outros), foi obrigada a fechar a loja devido aos prejuízos que está a sofrer com a suspensão da eletricidade.
"Tenho sete grandes congeladores para armazenar os alimentos que vendo. Tinha quantidades significativas de produtos perecíveis por vender quando começaram os cortes de eletricidade. Tinha um gerador elétrico de média capacidade que se ligava em caso de corte de energia, mas que se avariou com esta pressão", disse, com um ar desanimado.
Abdou sublinhou que esta situação a fez perder mais de 450 mil francos cfa (686 euros) em mercadorias, pelo que decidiu fechar a loja enquanto esperava que a eletricidade voltasse.
O presidente da Rasconi classificou os cortes de eletricidade contra o país como "um abuso flagrante".
"As autoridades nigerinas devem processar a Nigéria e a CEDEAO pela aplicação desta sanção criminosa, que não só inflige um duro golpe à economia do Níger, mas também priva os seus cidadãos de um direito fundamental tão importante como o acesso à água, à alimentação e à saúde", denunciou.
A CEDEAO está a realizar hoje em Abuja, sede da organização, uma cimeira extraordinária para debater a situação criada pelo golpe de Estado e avaliar uma intervenção militar para repor a legalidade constitucional.
A cimeira extraordinária de Abuja realiza-se tendo como cenário o que fazer para enfrentar o quinto golpe de Estado bem-sucedido na região desde 2020, depois dos do Mali (duas vezes), Burkina Faso e Guiné-Conacri.
No total, desde 2020, a África Ocidental registou nove tentativas de golpes de Estado.