Por Jornal Odemocrata 06/02/2021
[ENTREVISTA fevereiro_2021] O Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República Popular da China na Guiné-Bissau, Guo Ce, afirmou que o arranque das obras da construção da autoestrada que ligará o setor de Safim à rotunda do aeroporto internacional Osvaldo Vieira, em Bissalanca, dependerá essencialmente da conclusão do processo de demolições de casas e armazéns que estão dentro da linha da estrada, processo da responsabilidade do governo da Guiné-Bissau.
O diplomata chinês fez estas afirmações durante a entrevista [edição n°401 ano IX de 04 de fevereiro de 2021] ao nosso semanário O DEMOCRATA para falar do projeto da autoestrada financiada ea ser construída pelo seu país, bem como das relações de cooperação entre os dois países e da possibilidade de a Guiné-Bissau poder beneficiar gratuitamente da vacina chinesa contra ocoronavírus.
“O Presidente da China deixou isso claro na septuagésima terceira Assembleia Geral da Organização Mundial da Saúde (OMS) que, se a vacina que está a ser desenvolvida na China for eficaz e se começar a ser aplicada no mercado, será um produto público para todo o mundo e vamos contribuir para que os paísesem vias de desenvolvimento tenham acesso a vacina. A vacina chinesa está a ser aplicada no mercado na lista condicional. Participamos na iniciativa COVAX da OMS e neste momento vários países já permitiram a aplicação da vacina chinesa,incluindo o Egito e Marrocos” lembrou para de seguida assegurar que, no que concerne a Guiné-Bissau, a China vai dar o apoio necessário.
Ainda sobre o processo de indenizações aos proprietários decasas e armazéns que eventualmente serão demolidas, recorda-seque no acordo celebrado entre a Guiné-Bissau e a China, o governo chinês assumiu os custos da construção da estrada e a Guiné-Bissau ocupar-se-á dos custos do processo de demolição de casas e das indemnizações.
Acrescentou neste particular que seria muito produtivo se o governo guineense acelerasse o processo de demolição, mas frisou que assim que for concluído o processo em curso, as empresas chinesas vão entrar em ação.
O Democrata (OD): Depois da sua chega como é que viu a Guiné-Bissau?
Guo Ce (GC): Antes da minha chegada, conhecia muito pouco a Guiné-Bissau. De acordo com os medias, a Guiné-Bissau seria um país um pouco horrível, cheio de doenças e de crises políticas cíclicas. Mas quando cheguei, descobri que realmente o país não era assim. É um país com bom ambiente, clima confortável e pessoas calorosas.
A amizade entre os nossos dois países foi estabelecida por nossos diferentes líderes históricos.
E a amizade Sino-guineense foi forjada durante a luta de libertação da Guiné-Bissau, por isso quando cheguei à Guiné-Bissau senti-a profundamente.
OD: O senhor embaixador esteve a trabalhar também no Quénia. Como compara a Guiné-Bissau e o Quénia?
GC: A Guiné-Bissau tem mais oxigénio. A temperatura está mais alta do que a do Quénia, por isso gosto muito do clima da Guiné-Bissau. O Quénia conquistou a sua liberdade através de um processo pacífico, enquanto a Guiné-Bissau teve um processo de luta para conseguir a sua liberdade.
OD: Sr. embaixador, está há mais de cinco meses num país que conheceu várias crises políticas, que na opinião de analistas políticos “ofuscam” cooperações. Que avaliação faz da relação de cooperação entre a Guiné-Bissau e a República Popular da China, após vários contactos que fez com as autoridades guineenses?
GC: No ano passado, após o surto da pandemia da Covid-19, os nossos amigos guineenses enviaram-nos mensagens de condolência logo nos primeiros momentos. E depois do primeiro caso da Covid-19 na Guiné-Bissau, a China também apoiou este país por várias vezes com materiais e equipamentos médicos, o que demostra a fraternidade e o espírito de ajuda mútua entre Pequim e Bissau.
Cheguei à Guiné-Bissau a 10 de outubro e dois dias depois o Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, organizou a cerimónia de entrega das cartas credenciais.
Isto demostra a grande importância e consideração que existe entre os líderes dos dois países amigos. No início de 2021 entreguei o cartão do ano novo do Presidente da China e o de sua esposa ao Presidente Sissoco Embaló e à primeira-dama da Guiné-Bissau, sinal de laços de amizade entre os dois países. Nos últimos anos tem-se acelerado a tendência das incertezas no mundo, mas a China e a Guiné-Bissau estão sempre ou têm trabalhado de mãos dadas para salvaguardarem omultilateralismo.
Os dois países lutam contra o unilateralismo e o protecionismo, salvaguardam o sistema internacional. A lei internacional defende os interesses dos países em vias de desenvolvimento, a lei básica e o novo paradigma ou tipo de relações entre os países.
As cooperações e as coordenações na área internacional e omultilateralismo são prova e testemunha da amizade entre a China e a Guiné-Bissau.
Depois da minha chega à Guiné-Bissau, encontrei-me com dirigentes políticos e altos funcionários do governo e senti profundamente que há uma grande expetativa da parte dos guineenses em aprofundar ainda mais essa amizade entre Pequim e Bissau. E acredito que todos apreciam muito os resultados frutíferos derivados das relações bilaterais entre a China e a Guiné-Bissau.
A China vai dar atenção às prioridades e às preocupações da Guiné-Bissau. Estamos dispostos para aprofundar os laços tradicionais de amizade entre os dois países e proporcionar apoios ao nosso alcance para contribuir no desenvolvimento socioeconómico da Guiné-Bissau.
Acredito que apenas com forte liderança dos dirigentes dos dois países é que a amizade Sino-guineense conhecerá novos paradigmas.
OD: Senhor Embaixador, fez-se o lançamento da primeira pedra da obra da autoestrada que vai ser construída pela China. Uma obra financiada integralmente pelo seu país. Para quando o início dos trabalhos?
GC: Queria só esclarecer que, de acordo com as normas internacionais, a cerimónia de lançamento da primeira pedra não tem nada a ver com o início dos trabalhos da construção da estrada. O início da construção da estrada dependerá do processo de demolição de casas.
Se o processo de demolição for concluído, as empresas chinesas vão começar a execução do projeto. De acordo com o que está previsto, pretendemos iniciar os trabalhos da construção da autoestrada no início de segundo semestre de 2021. Se a parte guineense conseguir concluir o processo de demolições antes, em abril poderemos iniciar os trabalhos.
OD: Para além de assumir o custo da obra, a China vai também pagar as indemnizações?
GC: De acordo com os acordos celebrados entre a Guiné-Bissau e a China, o governo chinês vai assumir os custos da construçãoda estrada e a Guiné-Bissau ocupar-se-á dos custos do processo de demolições e respetivas indemnizações.
O governo da Guiné-Bissau deveria ter acelerado o processo de demolições, mas assim que for concluído, as empresas chinesas vão entrar em ação.
OD: Previa-se anteriormente uma obra de quatro faixas, agora parece que serão três com cinco metros de largura. A diminuição da largura da estrada deve-se à falta de dinheiro para cobrir o projeto anterior ou tem a ver com as indemnizações avultadas aos proprietários das casas que serão eventualmente demolidas?
GC: De fato, é a primeira vez que ouço dizer que o plano inicial era de quatro faixas. O projeto é de vias duplas com três faixas. De acordo com o processo interno, em nenhuma parte está escrito que o plano inicial era de quatro faixas.
OD: A China é a maior parceira da Guiné-Bissau em termos de apoio ao desenvolvimento e as ações da China são bem visíveis nesta matéria. Queixa-se que a Guiné-Bissau nunca soube aproveitar a sua relação com a China, sobretudo nocomércio e no investimento do setor privado e, consequentemente, tirar proveitos. Na sua opinião, o que se deve fazer para alargar a cooperação ao setor privado chinês?
GC: Enquanto novo embaixador da China na Guiné-Bissau,estou a acompanhar muito bem o desenvolvimento político do país. A estabilidade política é a base do desenvolvimento económico. Se a Guiné-Bissau não tivesse conquistado a estabilidade política interna, a maior parte dos apoios seria do governo chinês. Porém, acredito que no futuro devemos alargar e pesquisar mais potencialidades. Nos anos 60 o desenvolvimento da China era igual à situação atual da Guiné-Bissau.
A nossa aposta foi atrair investimento estrangeiro. Aprovamos políticas favoráveis de investimento. O desenvolvimento da China não foi constituído apenas de uma base, mas através de esforços e sacrifícios de várias gerações.
A China já realizou a terceira exposição de importação internacional e também uma vez realizou a exposição de comércio China-África. Isto demostra que a China está sempre aberta ao mercado e atrair investimentos internacionais. Espero que a Guiné-Bissau possa também explorar políticas mais favoráveis para atrair investimento estrangeiro bem como a exportação de produtos agrícolas.
Era conselheiro económico quando trabalhava no Quénia. Nessa altura aproveitava também para promover a exportação deprodutos agrícolas do Quénia, por exemplo, o café. Estou disposto a estabelecer também a mesma colaboração na Guiné-Bissau.
OD: O Governo guineense fala em novas estratégias para o setor das pescas, a China estará pronta se for escolhida como parceira estratégica na Ásia?
GC: Neste momento não temos informações necessárias sobre as novas estratégias das autoridades guineenses para a área das pescas, mas estaremos dispostos a cooperar com as autoridades nacionais assim que tivermos informações sobre as novas estratégias da Guiné-Bissau para o sector das pescas. Seja como for, o governo da China encoraja as empresas chinesas a cooperarem para trazer benefícios mútuos e investir mais na Guiné-Bissau.
OD: Dezenas de estudantes guineenses saíram da china em 2020 por causa da Covid-19, mas já se retomou a vida normal no seu país. Para quando a retoma de voos para os países africanos e permitir o regresso de estudantes?
GC: Isto dependerá da evolução da pandemia da Covid-19 a nível mundial. Nos últimos dias apareceu um novo tipo de vírus, por isso a maior parte das universidades chinesas está a ministrar os cursos via online. Isso foi objeto de análise na audiência que mantive com o ministro da Educação Nacional.
Na sequência desta audiência, a embaixada da China apoiou o ministério com quinze computadores e preparamos uma sala de formações para os cursos online na Escola Nacional de Administração (ENA). Esperamos que essa sala possa ajudar os estudantes guineenses a assistirem os cursos via online e continuar os cursos e a licenciatura. Convido desde já os nossos amigos de O Democrata a cobrirem a inauguração dessa sala.
OD: A segunda vaga da pandemia do coronavírus, em particular a variante que surgiu na Inglaterra, assustou o mundo, sobretudo os países com sistema sanitário frágilcomo a Guiné-Bissau. Mas a vacina é a esperança para os países do terceiro mundo. É possível que a Guiné-Bissau possa contar com a vacina chinesa para conter a pandemia?
GC: O Presidente da China deixou isso claro na septuagésimaterceira Assembleia Geral da Organização Mundial de Saúde(OMS) que, se a vacina que está a ser desenvolvida na China for eficaz e se começar a ser aplicado no mercado, será um produto público para todo o mundo e vamos contribuir para acessibilidade dessa vacina nos países em via de desenvolvimento.
A vacina chinesa está a ser aplicada no mercado, na lista condicional. Participamos na iniciativa COVAX da OMS e neste momento vários países já permitiram a aplicação da vacina chinesa incluindo Egito e Marrocos.
Acredito que em relação à Guiné-Bissau a parte chinesa vai dar os apoios necessários.
OD: O Hospital Simão Mendes, maior centro hospitalar do país, está neste momento sem oxigénio, porque há uma avaria técnica na fábrica que produzia cerca de 30 garrafas de oxigénio. É possível que a China intervenha neste sentido e apoie o hospital com uma fábrica do oxigénio de maior capacidade?
GC: Se o governo guineense solicitar a China, acredito que o meu país dará a maior atenção, devido à urgência e dado a este tipo de demanda.
OD: Como é que a China pensa trabalhar com os países africanos no futuro para reduzir os efeitos económicos e sociais causados pela pandemia de novo coronavírus?
GC: Acredito que após a pandemia a China e África podem procurar maiores potencialidades na área do bem-estar dos povos, o desenvolvimento sustentável e a economia digital. Em relação ao desenvolvimento de cooperação entre a China e a Guiné-Bissau, tenho as seguintes opiniões: primeiro é a saúde pública. A China e a Guiné-Bissau já estabeleceram novo paradigma de cooperação e celebramos o novo mecanismo de cooperação com o hospital regional de Canchungo.
Sobre esse novo plano de cooperação, a China vai apoiar o hospital regional de Canchungo com novo leque de medicamentos e equipamentos médicos, sobretudo os de cirurgia. Também o envio de uma equipa de médicos chineses para a Guiné-Bissau. Na área de infraestruturas, temos aconstrução da autoestrada de Safim e vai continuar a obra de construção do porto de Alto Bandim.
Sei que o governo guineense tem uma cooperação com o Banco Mundial e se o Banco Mundial vai conceder créditos à Guiné-Bissau, acredito que as empesas chinesas vão querer trabalharcom as autoridades guineenses para melhorar as estradas.
A terceira observação é a área de desenvolvimento sustentável. No mês passado, o ministro do Ambiente e Biodiversidade enviou uma correspondência ao seu homólogo chinês e as duas partes já chegaram a um consenso sobre o aprofundamento de cooperação na área do ambiente.
A embaixada vai servir de ponte de ligação e de aproximação entre as duas instituições. E quanto à área de processamento de produtos agrícolas e energia, a China estará sempre aberta para conhecer as propostas da Guiné-Bissau.
OD: A OMS tem acusado a China de ter fechado caminhos aos especialistas dessa organização que iriam investigar a origem da Covid. Quer fazer algum comentário?
GC: As informações que temos são que os profissionais da OMS já estão a trabalhar com os técnicos chineses nessa área.
Com todo o respeito, essa notícia carece de verdade. Na minha opinião, a abertura das autoridades chinesas em trabalhar com a OMS para investigar a origem da doença é boa porque pode ajudar a esclarecer a origem da pandemia.
OD: Tem sido difícil realizar a cimeira União Europeia/África, porquê?
GC: Em 2021, o Presidente da China realizou uma reunião por videoconferência com os líderes da União Europeia e celebrou acordo de investimento China/União Europeia. Infelizmente não tenho conhecimento de informações sobre a cimeira União Europeia/ África, mas acredito que a reunião por videoconferência com os líderes da União Europeia é uma prova de continuação da cooperação entre a China e a União Europeia e a nossa abertura vai continuar, porque a cooperação entre os dois blocos é um bom sinal da recuperação da economia mundial.
Por: Filomeno Sambú/Assana Sambú
Foto: Marcelo Na Ritche