27/11/2020 / Jornal Odemocrata O presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional da Guiné-Bissau (SNCGP), Iazalde José da Silva, denunciou que os reclusos doentes diabéticos com Tuberculose, Paludismo e VIH/SIDA dormem no chão, em pedaços de espuma, inadequados para um ser humano.
Iazalde José da Silva fez essa denúncia em entrevista exclusiva ao jornal O Democrata para falar da real situação dos detidos nos três Centros Prisionais do país (da Polícia Judiciária de Bandim, na cadeia de Mansôa e no de Bafatá) neste período de do cieiro e da situação higiênico-sanitária nas prisões. Na entrevista, o ativista considerou que o sistema prisional guineense “ é extremamente débil” e “desprovido” de condições para ter uma pessoa em regime de reclusão.
Sobre a situação higiênico-sanitária e da água fornecida ao Centro Prisional de PJ, Iazalde revelou que água que os reclusos bebiam saia das torneiras de uma canalização obsoleta e tubos enferrujados, que os prisioneiros filtravam e bebiam “era uma realidade dura, mas aconteceu”.
“Decidimos fazer tudo isso, porque somos sensíveis à situação das prisões e à humanidade. Sabemos o que os reclusos passam. A nossa missão é específica, manter a ordem, a vigilância e a segurança, mas não nos limitamos a essas três componentes, porque conhecemos as nossas prisões e sabemos com quem lidamos”, disse. Contudo, sublinhou que neste momento a situação está a ser ultrapassada com a intervenção do Ministério da Justiça.
Iazalde José da Silva denunciou ainda que o Centro de Detenção da PJ, em Bissau, não tem controlo, porque o espaço que foi construído para albergar apenas 56 detidos tem neste momento 84 reclusos, tendo adiantado que às vezes chega a ascender até 130 detidos. O ativista teceu, por isso, duras críticas aos sucessivos governos por não terem pensado em construir um centro prisional de qualidade que garantisse as mínimas condições aos reclusos ou pessoas em conflito com a lei.
CENTRO DE DETENÇÃO DA PJ NÃO TEM AS MÍNIMAS CONDIÇÕES PARA TER UMA PESSOA COMO RECLUSA
Em relação à situação dos detidos do Centro de Detenção da Polícia Judiciária, em frente ao mercado de Bandim, em Bissau, Iazalde José da Silva começou por dizer que o Centro de Detenção da Polícia Judiciária não tem as mínimas condições para ter uma pessoa como recluso, devido ao estado avançado de degradação da infraestrutura, com a agravante de poderem contrair doenças, sobretudo neste período de cieiro (kunfentu). Revelou que os prisioneiros dormem no chão em pedaços de espumas inadequadas para seres humanos. Relatou na mesma entrevista que os reclusos diagnosticados com doenças como o Paludismo, a Tuberculose, a Anemia, as Diabetes e o VIH/SIDA, bem como os condenados por crimes de sangue estão todos detidos numa sala com outros que não apresentam problemas de saúde graves, porque não existem salas especificadas ou de isolamento para casos excecionais.
“As prisões foram construídas de forma errada. Os atuais modelos de sistemas prisionais prevêm tudo isso, mas infelizmente o nosso modelo não previa essa situação.Tanto os condenados, os preventivos como os detidos de vinte e quatro (24), de quarenta e oito (48) e os de setenta e duas (72) horas, todos estão aglomerados num único espaço extremamente superlotado, o Centro de Detenção da Polícia Judiciária,”, sublinhou.
Iazalde José da Silva denunciou que o Centro, não tem controlo, porque o espaço que foi construído para albergar apenas 56 detidos tem neste momento 84 reclusos, tendo adiantado que às vezes chega ascender até 130 detidos. O ativista teceu, por isso, duras críticas a sucessivos governos por não terem pensado em construir um centro prisional de qualidade e que garantisse condições mínimas aos reclusos ou pessoas em conflito com a lei.
“Temos várias instituições, diferentes setores judiciais, que detêm pessoas, nomeadamente: os Tribunais Setoriais, a Polícia Judiciária… Quando detêm suspeitos ou criminosos declarados pela justiça, colocam-nas nas prisões sob a guarda dos serviços do Corpo Nacional da Guarda Prisional da Guiné-Bissau”, alertou. Por isso, defendeu que é urgente acionar os mecanismos necessários para a construção de novas instalações prisionais, um complexo prisional de qualidade, para não falarmos da prisão de Alta Segurança.
“Embora tenhamos formação para assegurar uma prisão de Alta Segurança, no terreno é letra morta, apenas teoria. Em diferentes momentos chamamos atenção ao governo no sentido de corrigir o sistema penitenciário guineense, porque não adianta deter, deter sem espaços para albergar os presos”, notou.
Enfatizou que, para o funcionamento correto do sistema penitenciário guineense, será necessário construir infraestruturas adequadas, instalar o sistema GODMS- banco de dados computorizados e equipar os técnicos, os guardas prisionais, para poderem executar cabalmente as suas tarefas.
Relativamente a esse sistema, Iazalde da Silva revelou que desde a sua “refundação”, o sistema prisional nunca recebeu uma única viatura, mas mesmo assim os guardas prisionais sempre agiram com boa fé e o profissionalismo necessários.
Iazalde enfatizou que o Centro de Dentição da PJ tem funcionado regularmente até aqui, graças à flexibilidade e à criatividade dos guardas prisionais afetos ao centro.
“É preciso dar atenção à nossa estrutura, porque os processos só terminam com a prisão ou absolvição da pessoa”, apelou Iazalde da Silva.
Perante esses fatos, Iazalde considerou que o sistema penitenciário guineense “é extremamente débil” e “desprovido” de condições para ter uma pessoa humana como um recluso, porque não reúne os requisitos exigidos para um sistema penitenciário. Acusa os sucessos governos de negligência e de não terem dignificado os guardas prisionais, tendo defendido a transferência de todos os condenados do Centro de Detenção da PJ de Bandim para outro lugar, com maior segurança e condições exigidas por lei.
“O centro de Bandim funcionava apenas para os casos de detenção de, 24, 48 e 72 horas, enquanto se aguardavam as tramitações legais, mas para resolver todos os problemas será necessário construir uma prisão que reúna todas as condições ou requisitos para que o sistema possa funcionar com dever ser”, admitiu.
Relativamente à situação dos menores em conflito com a lei, Iazalde indicou que neste momento nenhum dos centros prisionais tem menores de dezoito anos. Contudo, frisou que em 2011 o Centro Prisional de Mansôa tinha três menores, um de 16 anos que cumpriu três anos de prisão, outro de 17 anos com dois anos e seis meses de prisão cumpridos e o de 18 anos com quatro anos de prisão.
Esses menores, segundo da Silva, estavam presos na prisão da Primeira Esquadra, atual Casa dos Direitos, e só em 2011 foram transferidos de lá para a prisão de Mansôa, segundo relatos das suas situações prisionais feitos pela sua equipa, o que mais tarde culminaria com a libertação desses adolescentes. Dois dos três menores foram acusados de terem violado, sexualmente, uma das filhas de um dos oficiais superiores das Forças Armadas.
De acordo com o ativista guineense, mesmo que os centros tivessem menores de idade, seria necessário que existissem também celas específicas para albergá-los, para evitar que os mais velhos lhes transmitissem vícios que no futuro possam comprometer a sua reinserção social, aliás, “é o que o sistema penitenciário recomenda”.
Iazalde disse ao Jornal O Democrata que a sua direção, a direção da guarda prisional, conseguiu gerir essa situação dos menores que estavam detidos em Mansôa, porque teve coragem de relatar os fatos e que resultaram nas suas transferências para a prisão de norte.
ÁGUA QUE RECLUSOS BEBIAM SAIA DAS TORNEIRAS DE UMA CANALIZAÇÃO OBSOLETA
Sobre a situação higiênico-sanitária e da água fornecida ao Centro Prisional de PJ, Iazalde revelou que água que os reclusos bebiam saia das torneiras de uma canalização obsoleta e tubos enferrujados, que os prisioneiros filtravam para beber e que isso “era uma realidade dura, mas aconteceu”.
“Decidimos fazer tudo isso, porque somos sensíveis à situação das prisões e à humanidade. Sabemos o que os reclusos passam. A nossa missão é específica, manter a ordem, vigilância e a segurança, mas não nos limitamos à essas três componentes, porque conhecemos as nossas prisões e sabemos com quem lidamos”, disse. Contudo, sublinhou que neste momento a situação está a ser ultrapassada com a intervenção do Ministério da Justiça.
Apesar destas melhorias, neste momento não se sabe quantos presos aguardam julgamento no Centro de Detenção da Polícia Judiciária de Bandim, mas dados consultados pelo Jornal O Democrata indicam que o quadro separado disponível refere que no universo de 84 reclusos detidos neste momento nas instalações da PJ, a população prisional do Centro da PJ, apenas três são mulheres. Deste número, 16 são detidos da Polícia Judiciária, 11 do Ministério Público, 35 estão em prisão preventiva e 22 condenados de 1 a 25 anos de prisão.
Questionado sobre a situação real dos reclusos detidos no Centro Prisional de Mansôa, Iazalde disse que a situação quase que é idêntica. Ou seja, a vedação do centro local também já está numa fase avançada de degradação, as camas onde dormem os presos são amarradas ou presas com cordas ou fios para não balançarem e que às vezes a canalização das casas de banho não consegue evacuar fezes para as fossas, porque ora são os tubos que estão entupidos ora é água que não consegue passar. Porém, afirmou que quanto à alimentação houve progressos significativos e que neste momento os centros prisionais oferecem três refeições diárias.
Os dados estatísticos indicam que reclusos detidos no Centro Prisional de Mansôa são 12 e em Bafatá cerca de 40 presos condenados e o número total dos guardas prisionais, a nível nacional, é de 68, distribuídos pelos três centros prisionais.
“Por isso, se se perspetiva a construção de novas instalações prisionais o governo tem que pensar em fazer novo recrutamento e apostar nos quadros nacionais para capacitação interna de novos guardas prisionais”, advertiu.
Apesar das dificuldades que os centros prisionais enfrentam, Iazalde da Silva frisou que nunca se registou mortes na prisão por qualquer que seja circunstância, mas admite que possa ter havido reclusos que morreram nos centros hospitalares depois de retirados das celas com problemas graves de saúde.
Relativamente à situação dos guardas prisionais, Iazalde da Silva revelou que o Corpo da Guarda Prisional da Guiné-Bissau não tem fardamento, apesar dos 12 milhões de francos CFA disponibilizados pelo Tesouro Público ao Ministério das Finanças.
“Temos fardamento que nem pele de vaca e botas frágeis. O fardamento que trajamos neste momento é o que trouxemos da formação, não temos nada que possa corresponder ao investimento feito com os 12 milhões de francos CFA”, denunciou Iazalde da Silva.
Outra situação criticada por Iazalde da Silva tem a ver com a remuneração dos elementos da guarda prisional que, segundo a sua explicação, deveriam estar a receber um milhão e meio de francos CFA, como salário básico, não os cerca de duzentos mil francos CFA praticados atualmente.
Um valor ínfimo que, segundo disse, se não fossem honestos e profissionais poderiam ter comprometido o seu trabalho, porque “os detidos que temos e as suas capacidades financeiras podem corromper qualquer um, mas felizmente até ao momento não tem acontecido com ninguém da minha equipa”, notou e defendeu a reclassificação do pessoal da Guarda Prisional, de acordo com o tempo previsto nos estatutos.
Questionado se nunca houve fuga de reclusos das prisões, Iazalde afirmou que em 2017 houve fuga de 21 detidos do Centro da Detenção da PJ, devido às más condições da única cela de detenção e às fragilidades que as paredes do portão de acesso apresentavam. Porém, afirmou que todos foram recuperados e presos de novo nas instalações da Polícia Judiciária de Bandim, apenas um morreu na tentativa de fuga quando pulou, sem preparação, e caiu em cima de um carro que o deixou gravemente ferido e mais tarde morreu.
Descarta, contudo, qualquer hipótese deste recluso ter sido por um dos elementos da guarda prisional, como apontavam alguns rumores.
“Não temos armas para proteção pessoal, mas lidamos com pessoas perigosas que a qualquer momento podem reagir contra uma determinada situação. As nossas armas são AK 47, só para vigilância”, lamentou.
Fato que o levou a recordar da “Operação Navara”, que considerou “muito perigosa e de morte”, devido à extensão da rede que envolvia pessoas influentes. Ao contrário veiculadas em como alguns elementos da “ Operação Navara” teriam sido libertados, Iazalde da Silva confirmou ao jornal O Democrata que todos os elementos detidos na sequência desta operação se encontra atrás das grades e entram atrás das paredes da única cela do Centro de Detenção da PJ de Bandim e “ estão a adaptar-se com a situação e a conviver com a os nacionais detidos na mesma cela”, disse.
“Neste momento não é frequente as refeições serem feitas em casa pelos familiares, mas às vezes respeitamos o regime e a dieta de cada um, para equilibrar os problemas e evitar que um ou outro recluso enfrente crise dentro das celas por causa do seu regime ou dieta alimentar, porque é claro que o governo não vai poder assumir tudo isso”, esclareceu.
De acordo com Iazalde da Silva, muitos reclusos chegam às celas sem um diagnóstico médico prévio, mas graças à Associação dos Médicos e à ENDA os reclusos têm sido diagnosticados e acompanhados regularmente, tanto na assistência médica e medicamentosa.
“Não somos técnicos da área, mas também no ingresso dos reclusos tem havido pouca colaboração. Só conseguimos ter a ficha clínica de cada um, depois das intervenções da Associação dos Médicos e ENDA”.
Por: Filomeno Sambú
Foto: F.S