“Eu Braima Camará, sou maior devedor dos bancos. Contraio as minhas dívidas entregando o meu património. O banco não dá dinheiro à ninguém, apenas por gostar dele. O Governo de Domingos Simões Pereira, com a cumplicidade corrupta de Geraldo Martins, decidiu substituir o sector privado, com o intuito de passar a imagem de que estão a ajudar o sector, mas isso não corresponde à verdade. Fizeram essa operação desastrosa, porque foram buscar três bilhões e meio de francos CFA, que corresponde a cinco milhões de Euros e dividiram o dinheiro entre si”, assegurou.
Sobre as sanções aplicadas pela CEDEAO, revelou que as pessoas fizeram questão de colocar o nome de atual Procurador-Geral da República na lista de sanções apenas para bloqueá-lo e impedindo-lhe de avançar ou investigar o caso de resgate financeiro, que envolve Domingos Simões Pereira e membros do seu governo.
Relativamente as informações veiculadas que Cipriano Cassamá poderá vir a apresentar-se como candidato do partido libertador ao cargo do Presidente da República, Braima Camará diz que o atual presidente do parlamento guineense não tem condições para exercer a função do Chefe de Estado da Guiné-Bissau.
“Cipriano Cassamá, algum dia como o Presidente da República! Cipriano? Nem sequer chegaria a um por cento de votos, se concorrer. Bom, no atual estatuto do PAIGC é o Domingos quem vai indicar o nome de quem será o candidato do partido às eleições presidenciais”, lembrou o deputado, que entretanto avançou que “Domingos Simões Pereira é o novo dono do PAIGC, ele conseguiu ter o poder que nem o ‘Nino’ Vieira, que era chefe da guerra, tinha”, criticou.
O Democrata (OD): O programa maior teorizado por Amílcar Cabral continua a ser uma mera miragem. O país continua a fazer parte da lista dos países mais pobres do mundo. Entre vários factores desse recuo, muitos apontam o falhanço ético e moral da classe política. Concorda?
Braima Camará (BC): Não… nem tudo foi mau, como se pode notar. O programa menor que era a luta pela independência foi cumprido. É uma conquista que orgulha todos os guineenses, mas custou vida, sangue e suor dos nossos combatentes. Hoje, eu, Braima Camará, sou empresário de sucesso graças aos esforços desses combatentes que lutaram pela liberdade do país e permitir-nos viver tranquilamente.
É verdade que o programa maior que é o desenvolvimento não foi ainda cumprido. Não podemos dizer que depois da independência foi tudo mau, não! Isso não corresponde à verdade, porque conseguimos dar muitos passos importantes. Concordo que há muita coisa para fazer no sentido de desenvolver este país, mas é necessário que façamos um trabalho sério com pessoas honestas nas rédeas do poder e que pensam no bem-estar do povo e da Guiné-Bissau, sobretudo pessoas que já serviram o país em diferentes sectores e que já deram provas das suas capacidades.
Temos um Estado muito virgem que ainda nem sequer chegou aos 50 anos. Por isso devemos acreditar na nossa capacidade do que podemos desenvolver este país com trabalho e seriedade.
OD: A luta constante pela liderança do PAIGC e consequentemente controlar o país deixa o país de rastos…
BC: A Guiné-Bissau não pode ser refém do PAIGC! Cabe aos guineenses encontrar uma alternativa do poder ao PAIGC nesta terra…
OD: Reconhece que cada vez que o PAIGC tem problemas e a mesma crise interna acaba por atingir as instituições do país?
BC: Isso é uma teoria de que todos nós falamos, mas não deve ser assim, porque realmente o país não pode e nem deve ficar refém do PAIGC. Agora depende dos guineenses, porque agora felizmente, estamos a boca das urnas.
OD: Botche Candé é responsável pela sua derrota em Cacheu?
BC: Não foi Botche Candé, mas sim Deus! Ninguém podia fazer-me vencer ou perder Congresso de Cacheu, se Deus não quisesse. O Botche não foi responsável pela minha derrota no VII Congresso Ordinário de Cacheu, foi sim culpado pela vitória de Domingos Simões Pereira.
Eu dei um grande contributo para a democracia guineense. Vou ficar ligado à história pela positiva, porque consegui provocar pela primeira vez na história da Guiné-Bissau, uma mudança geracional na classe política interna no PAIGC. Aquilo para mim foi um ganho grande, mas infelizmente o Domingos não soube traduzir isso em ganhos reais para o bem do nosso partido.
OD: Não está arrependido hoje?
BC: Eu não me arrependo! Porque agi de consciência tranquila. Penso antes de agir ou tomar qualquer decisão. Eu não estou arrependido de nada que fiz dentro do PAIGC. Estou orgulhoso e feliz, porque dei a minha contribuição…
OD: Braima Camará consegue ver mesmo o PAIGC na oposição?
BC: Sim… é bom que fique claro, não é o PAIGC, mas sim o Domingos. Porque eu, esteja onde estiver, vou sempre defender os valores do PAIGC. Quem vou ver na oposição é o Domingos Simões Pereira, como ele está agora. Ele vai continuar na oposição eternamente.
OD: Como pensa defender os valores do PAIGC, se agora não está no partido?
BC: Acha que o Domingos representa os valores do PAIGC mais do que o Comandante Manuel Saturnino da Costa? Acha que o Domingos se fosse um homem minimamente decente, iria expulsar Manuel Saturnino do PAIGC, Luís Sanca, Hadja Satu Camará!? Temos uma cultura de respeitar os mais velhos nesta terra, sobretudo as pessoas que deram as suas vidas para o partido e que lutaram para a libertação do país.
Não consigo entender até agora a atitude de Domingos Simões Pereira. Ele mostrou claramente que não tem esse valor de respeitar os mais velhos. É bom que fique claro que o PAIGC unido é mais forte. Um PAIGC dividido não vale, mas se alguém assim o quiser, então que assuma a sua responsabilidade perante o povo e a história.
OD: Braima Camará é tido como um adversário político feroz de Simões Pereira. A que se deve a vossa disputa?
BC: A nossa visão é completamente diferente! Eu defendo a ideologia política da esquerda. Eu sou socialista e filho de um revolucionário, um veterano de guerra de luta de libertação nacional. Sou revolucionário de esquerda, portanto nasci e cresci com o sentido de patriotismo. Domingos é da direita, é fascista e capitalista…
Neste momento correu com todos os antigos combatentes da liberdade da pátria das estruturas do partido. Foi importar quadros para meter na direção superior do PAIGC! Domingos não aceita o contraditório. Não aceita o debate de ideologia política no seio do partido. É debate interno que ele chama de indisciplina partidária!
As nossas visões ou maneiras de fazer política, de estar na política são completamente diferentes. Eu defendo a democracia interna no partido, que as pessoas sentem-se a vontade para debater matérias ou projetos políticos para o bem do PAIGC e da própria Guiné-Bissau. Infelizmente, ele não suporta o debate de projetos políticos e por isso correu com os dirigentes que jamais aceitariam submeter-se ou deixá-lo instalar a ditadura e tornar-se num super-homem no PAIGC.
OD: Quem são os quadros importados para as estruturas do partido?
BC: Vai pedir a lista dos órgãos do partido, designadamente do Bureau Político e Comité Central e ai verá quantas pessoas entraram para aqueles órgãos…
OD: É verdade que a questão do terreno da lagoa de “N’batonha” é uma das causas do diferendo entre Braima Camará e Domingos Simões Pereira…
BC: Se calhar o Domingos ficou com certa inveja do meu sucesso empresarial. Sente-se incomodado com o meu sucesso, mas eu sempre dei-lhe oportunidades. Ele confiscou-me esse terreno, que eu comprei em hasta pública em 1999, numa soma estimada em 120 milhões de Francos CFA, junto da Câmara Municipal de Bissau. Comprei esse terreno à Empresa Arezki e de outros empresários que também queriam aquele terreno.
Eu era na altura o cliente do Banco “Santander TOTA”. Tinha uma conta corrente de cinco milhões de dólares. O Banco disse-me, Braima vai lá e mesmo se custar um milhão de dólares, vai pagar e fica com o dinheiro. Foi assim que comprei esse terreno, mas o Domingos roubou-me e colocou o pilar no terreno e nem sequer informaram-me alguma coisa da decisão de quererem ficar com o terreno.
OD Não foi à justiça para reclamá-lo de volta?
BC: Até hoje não fui à justiça. Eu não falei nada, nem pó, nem pedra, sobre este assunto. A certeza que tenho é que o Estado da Guiné-Bissau vai pagar-me até cair de lado. Estamos no estado de direito democrático. O terreno é meu. Comprei-o em hasta pública, portanto ninguém pode roubar-mo daquela forma, sem me informar de nada. Querem humilhar-me!…
Sou um cidadão nacional, ciente daquilo que se pode fazer. Mesmo este hotel, se o Estado o quiser ou quer este espaço, basta comunicar-me e explicar a razão, depois fazemos as contas para me indemnizar. Mesmo que o Estado queira a casa onde moro, a única coisa é comunicar-me para negociarmos e mais nada. Agora roubar-me o terreno daquela forma, é simplesmente uma humilhação.
OD: Então, a disputa com Domingos Simões Pereira era para o controlo do partido. Ou tem a ver com a questão do dinheiro do FUNPI, como se diz?
BC: Eu sou o promotor do projeto denominado do Fundo Nacional de Promoção Industrial (FUNPI). Não há mais ninguém na Guiné-Bissau que tenha a legitimidade moral e política de falar desse fundo, porque é meu projeto. Eu fui eleito na Câmara do Comercio, Indústria Agricultura e Serviços, já com o FUNPI elaborado como projeto. Não é nada de dinheiros…
Aquando do levantamento militar de 12 de Abril de 2012, eu era o co-assinante das contas do FUNPI. Eu e o atual Presidente da República, José Mário Vaz, que na altura exercia a função de ministro das Finanças. Tínhamos na conta mais de oito bilhões de Francos CFA. Foi graças ao dinheiro do FUNPI que o Governo de Transição conseguiu pagar todas as dívidas aos professores naquele período.
Conseguiu ainda manter o funcionamento dos hospitais e pagar todas as dívidas externas da Guiné-Bissau na altura. Se eu realmente quisesse aquele dinheiro, tinha a possibilidade de levantá-lo todo, porque era eu e José Mário Vaz. Não mexemos em nenhum franco…
O General António Indjai, que era Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, está de vida e pode confirmar essa informação. António Indjai chamou-me uma vez com o meu vice-presidente, o falecido Abel Incada, na presença do Ex-primeiro-ministro, Rui Duarte de Barros. Pediu-nos que levantássemos o dinheiro e que o entregássemos ao governo para pagar o salário dos funcionários públicos. Recusamos categoricamente e dissemos aos militares que o dinheiro era para o investimento em projetos de desenvolvimento do setor privado.
Quero esclarecer aqui uma coisa. Quando candidatei-me à liderança do partido (PAIGC), suspendi a minha assinatura e indigitei o meu primeiro vice-presidente, Abel Incada. Depois do congresso de Cacheu e com o PAIGC no poder, Domingos disse que o dinheiro do FUNPI era dinheiro de Estado e que a Câmara do Comércio não podia fazer parte das assinaturas.
Revogou a assinatura junto do BCEAO e o seu ministro das Finanças, Geraldo Martins e o Secretário do Estado na altura, passaram a assinar os documentos que autorizavam os movimentos do fundo e levantaram o dinheiro todo. A Câmara de Comércio tinha o direito de ficar com 30 por cento do valor total, mas foi o governo de transição quem nos deu algumas prestações.
A Câmara de Comércio estava à espera de dois bilhões e meio de Francos Cfa da parte do executivo de Domingos Simões Pereira, através do FUNPI, de forma a materializar os projetos. O objectivo era usar esse dinheiro para transformar o Banco Internacional da Guiné-Bissau (BIGB) que comprámos, num banco de investimento. Infelizmente, Domingos disse que a Câmara de Comércio já não tinha o direito de receber nenhum dinheiro do fundo e deu-nos apenas 400 milhões de Francos CFA, que nem cobria o orçamento do funcionamento da Câmara por um ano.
OD: O seu nome é sempre associado ao FUNPI, como explica isso?
BC: Isso é normal e não me preocupa minimamente, porque eu sou o pai do FUNPI. Esse fundo teve um impacto enorme no processo de desenvolvimento da Guiné-Bissau. Foi nesse fundo que o Domingos Simões Pereira foi buscar um bilhão para entregar ao Califa Seidi [atual 3° vice-presidente do PAIGC], apenas para que esse continuasse a apoiá-lo cegamente como está a fazer até agora.
Domingos entregou ao Califa Seidi uma soma de um bilhão de francos CFA para a sua instituição, a FUNDEI. Califa era o Secretário Executivo desta instituição.
OD: Geraldo Martins, ex-ministro das Finanças, disse numa entrevista ao nosso jornal que a CCIAS fez um “festival” de levantamentos de dinheiro do FUNPI no período de transição. É verdade que em 2013 a CCIAS levantou uma soma de dois bilhões e setecentos milhões de francos CFA em diferentes ocasiões para o seu uso, sem apresentar nenhuma justificação?
BC: Essa informação não corresponde à verdade. Se o Geraldo diz isso, falta à verdade. Que apresente uma única prova dos levantamentos dessas somas dos bancos e que nos envolve diretamente! Afinal, quanto é o dinheiro do FUNP?I! Quantos bilhões são? Se são oito bilhões e meio de Francos CFA que nós deixamos na conta. Que Geraldo Martins apresente as provas de que a Câmara levantou aquela soma de mais de dois bilhões de FCFA. Falar é fácil, mas que apresente as provas…
Eu apresentei uma queixa no Ministério Público e exigi que o Estado da Guiné-Bissau, ou seja, as dívidas contraídas deste fundo da parte de sucessivos governos sejam pagos. Incluindo os devedores, que paguem as dívidas. Havia uma comissão paritária que geria o fundo. Não foi a Câmara de Comércio.
OD: A Câmara de Comércio fazia parte desta comissão paritária e desconhecia tudo?
BC: Sim, tínhamos um representante na Comissão e o Governo era quem coordenava a Comissão Paritária, através do Secretário-geral do Ministério da Economia e Finanças, que é amigo de Domingos Simões Pereira e Geraldo Martins. Foi a Comissão Paritária que geriu esse fundo e não a Câmara.
Eu estou à vontade. Não vão encontrar um único cheque com a minha assinatura, em como levantei dinheiro. Não vão ver o nome da minha empresa “Grupo Malaika” como devedor do FUNPI. Eu tenho caráter! Há princípios e valores que defendo!
OD: Nunca trabalhou com o dinheiro do FUNPI na sua empresa “MALAIKA TRADING”?
BC: Não usei um franco CFA daquele fundo. Há empresários que beneficiaram, mas o Grupo Malaika não tomou nenhum franco CFA. Eu desafio qualquer pessoa a confirmar o meu envolvimento nesse fundo, em benefício da minha empresa.
OD: Em relação ao BIGB. Diz-se que a Câmara de Comércio levantou uma soma de 500 milhões de Francos CFA das consta do FUNPI para a compra desse banco, sem cumprir as formalidades que eram exigidas…
BC: Lembro-me que desde a época em que era vendedor ambulante ou pequeno comerciante no mercado de praça, fui sempre uma pessoa organizada que gostava de deixar as coisas ou as contas sempre organizadas. Se alguém lhe disser que não cumprimos as formalidades necessárias para o levantamento de dinheiro para a compra do BIG, mente.
Esse banco é da Câmara de Comércio. Nós hipotecamos o BIGB ao Banco da África Ocidental (BAO), como uma das garantias reais para podermos ter uma conta corrente caucionada. Para termos as nossas relações com o BAO. Eu sou empresário…
OD: Qual foi o valor exato que a Câmara de Comércio levantou da conta do FUNPI para essa operação?
BC: Não levantamos do fundo FUNPI. Nós pedimos um avanço no valor de 500 milhões de Francos CFA para pagar ao Estado da Guiné-Bissau para que ficássemos com o BIGB. Foi o que fizemos. Naquela altura o ministro das Finanças era o falecido Abubacar Demba Dahaba. Aceitou avançar-nos o dinheiro a que tínhamos direito (FUNPI) para pagar a operação, através do tesouro público.
OD: Disse aqui que a CCIAS tem direito a 30 por cento do valor total do dinheiro recolhido pelo FUNPI. Desde a criação deste fundo até a data presente, qual é o valor exato levantado pela Câmara de Comércio?
BC: Desde a sua institucionalização, apenas três anos é que se cobrou esse fundo aos empresários exportadores da castanha de caju. A Câmara de Comércio tinha que receber 30 por cento do valor total recolhido, de acordo com o documento assinado com as autoridades. Aquilo que nós recebemos do fundo não chega aos 10 por cento. E lembra que suspendi o meu mandato como presidente da CCIAS, quando ia concorrer à liderança do PAIGC e deixei tudo com o vice-presidente. Mas todos os documentos estão na Câmara de Comércio. Podem confirmar…
OD: Diz que o valor levantado deste fundo não chega aos dez por cento no seu mandato, ou seja, antes de deixar a Câmara. Podia traduzir esse dez por cento em valores reais, em dinheiro?
BC: Antes de deixar a Câmara de Comércio para ir ao congresso de Cacheu, tínhamos recebido uma soma estimada em 250 milhões de Francos CFA, proveniente do FUNPI. Depois das eleições do PAIGC em 2014, Geraldo Martins, ministro da Economia e Finanças, voltou a avançar-nos mais 400 milhões.
A verdade é que não devia ser assim, porquê? Porque na realidade, 30 por cento do valor total do FUNPI deveria vir sempre para o sector privado através da CCIAS e 70 por cento ficava para o financiamento de projetos.
Em função dos projetos é que o dinheiro seria desbloqueado, conforme o acordo que os interessados (empresários) teriam com a Comissão Paritária e os bancos locais, que são: o BAO, o BDU e o ECOBANK. Cada empresário interessado teria que negociar com o seu banco para conseguir uma garantia de poder ter acesso ao fundo.
Felizmente nunca fui, porque nunca precisei, graças a Deus. Os meus bancos confiam em mim, por isso não precisei. Quando preciso de dinheiro vou negociar com os bancos directamente, porque tenho as garantias que levam os bancos a acreditarem em mim.
OD: Diz-se que os sucessivos governos usaram o dinheiro do FUNPI para pagamento de salários. Pode confirmar essa informação, dado que a CCIAS fazia parte da Comissão Paritária criada para gerir o fundo?
BC: Confirmo essa informação. O governo liderado por Domingos Simões Pereira usou o dinheiro do FUNPI para pagar salários.
OD: Pode precisar o valor levantado pelo executivo dirigido por Simões Pereira?
BC: Neste momento não sei precisar, mas confirmo…
OD: Uma empresa de auditoria senegalesa contratada para auditar as contas do FUNPI concluiu, depois de trabalho junto com algumas instituições, que houve má gestão desse fundo. A empresa afirmou na altura que a CCIAS recusara colaborar. A CCIAS teme que seja descoberto o seu envolvimento na má gestão do fundo?
BC: Isso não corresponde à verdade, porque a CCIAS não geriu o FUNPI. Quem o geriu foi a Comissão Paritária. O FUNPI não é do Governo. É uma iniciativa privada promulgada pelo Governo. É um fundo de parceria público-privada. Não posso decidir unilateralmente sobre esta garrafa de água nossa e fazer o que quero com ela, sem vos consultar previamente.
Antes de o governo contratar qualquer empresa de auditoria, tinha que chamar a outra parte (CCIAS) para vermos os seus termos de referência. Assim seria, se o governo tivesse boas intenções. Devíamos ser informados para ver as condições em que a empresa foi contratada e se não passa de uma encomenda de Geraldo Martins, com o propósito de branquear os roubos, as corrupções, mentiras e os desvios que fizeram na gestão do FUNPI.
OD: Essa é a razão que levou a Câmara de Comércio a não colaborar com a empresa de auditoria?
BC: Não podemos colaborar, porque havia indícios de corrupção. A empresa já tinha sido manipulada. A Câmara de Comércio tinha que ser envolvida na contratação dessa empresa de auditoria, porque é parte e tinha que participar.
OD: A Câmara de Comércio estaria disponível a colaborar numa auditoria feita por um gabinete independente?
BC: Se não fosse, a Câmara não apresentaria uma queixa-crime no Ministério Público sobre a má gestão do FUNPI. Quando da minha tomada de posse como presidente da Câmara de Comércio, eu exigi uma auditoria internacional, feita por um Gabinete independente, para apurar as minhas responsabilidades na gestão do fundo.
OD: O resgate financeiro – a compra de carteiras de dívidas de empresários guineenses junto de dois bancos comerciais na ordem de 34 bilhões de francos CFA é considerado o maior escândalo financeiro do país. A CCIAS foi ouvida pelo executivo, dado que a operação visava ajudar os empresários nacionais?
BC: O resgate financeiro foi uma operação corrupta, de banditismo e de roubo! Sou contra esse tipo de negócios sujos e jamais me envolveria nisso. Sou um empresário. Quando vou ao banco, apresento sempre as minhas garantias bancárias. Se o governo de Domingos Simões Pereira estivesse de boa-fé, tinha que chamar o sector privado, testemunhá-lo ou envolve-lo.
OD: O sector privado não foi ouvido?
BC: Permita-me concluir. Na Guiné é só aos “papagaios” que vocês dão razão! Eu não sou um papagaio, não falo fácil. Apenas quando é necessário…
Se um governo sério e transparente quiser ajudar o sector privado, tem que, em primeiro lugar, chamar o sector privado e apresentá-lo o plano ou as formas, condições e termos em que pretende ajudar os empresários. Eu sou um dos maiores devedores dos bancos da Guiné-Bissau, eu Braima Camará, sou maior devedor dos bancos. Contraio as minhas dívidas entregando o meu património. O banco não dá dinheiro a ninguém, apenas por gostar dele.
O Governo de Domingos Simões Pereira, com a cumplicidade corrupta de Geraldo Martins, decidiu substituir o sector privado, com o intuito de passar a imagem de que estão a ajudar o sector, mas isso não corresponde à verdade. Fizeram essa operação desastrosa, porque foram buscar três bilhões e meio de francos CFA, que corresponde a cinco milhões de Euros e dividiram o dinheiro entre si.
Como é que um governo que quer ajudar o sector privado vai aumentar em dez por cento as dívidas dos empresários? Ainda pede esses dez por cento aos bancos antecipadamente, para depois vir cobrá-los aos empresários?! Tomaram esse dinheiro e dividiram-no entre si, designadamente: Domingos Simões Pereira, Geraldo Martins e o advogado deles, Carlos Pinto Pereira, vulgo Caía. O resgate financeiro foi a operação mais corrupta na história deste país cometido por Domingos Simões Pereira e Geraldo Martins. Estamos a falar de bilhões de francos CFA tirados nas costas de filhos desta terra.
Eu sou liminarmente contra essa operação, porque é banditismo. Eu dispenso essa ajuda das pessoas que querem enriquecer-se nas minhas costas. Resolvo diretamente com os bancos apresentando as minhas garantias. O governo, se tivesse bom senso, teria uma atitude de baixar a dívida dos empresários e não agravá-la.
Aumentar em dez por cento as dívidas é agravá-las. Não é ajuda. É por isso que puseram o nome do Procurador-Geral da República na lista de sanções, como forma de pressioná-lo ou amedrontá-lo para não levar as pessoas à justiça por crimes de corrupção.
OD: Quem são os empresários que fizeram parte desta lista de devedores ou beneficiários desta operação, como um dos responsáveis da CCIAS?
BC: Eu só falo por mim, porque eticamente não fica bem falar dos outros. O meu investimento no país está acima de 50 milhões de dólares americanos. Portanto, uma dívida de 10 milhões de dólares para mim é uma gota de água no oceano e não representa nada, porque tenho os meus investimentos.
OD: Braima Camará foi um dos beneficiários desta operação?
BC: Eu não estou interessado nisso. O Estado meteu lá o meu nome, mas eu não estou interessado, porquê? Porque foram buscar na minha costa 350 milhões de Francos CFA. Por exemplo, eu trabalho com os bancos diretamente e dispenso ajuda do governo neste sentido. Que devolvam o dinheiro que tomaram nas minhas costas. É corrupção. Eu dispenso essa ajuda. Estou contra o resgate e se eu tiver problemas com os bancos, é da minha responsabilidade. Se não puder pagar, o banco que venha confiscar o hotel “Malaika”.
As pessoas com narrativas, retórica e semântica é que são consideradas ou chamadas aqui de intelectuais. Esses são bandidos e ladrões diplomatas…
OD: Disse há bocado que o nome de atual Procurador-Geral foi colocado na lista para bloqueá-lo?
BC: Sim é verdade. Querem bloquear a justiça, ou seja, ilibar o Domingos Simões Pereira e companhia limitada, porque têm muitos processos nesta terra para responder, em particular, o processo de resgate financeiro. É por isso que meteram o nome do Procurador-Geral na lista para condicioná-lo! Isso não pode ser…
O Domingos Simões Pereira, antes de irmos ao congresso de Cacheu em 2014, não tinha 20 milhões de Francos CFA. Depois de mais de um ano de governação, tem um apartamento em Portugal que custa mais de 600 mil Euros, correspondentes a mais de 390 milhões de francos cfa. Onde ganhou esse dinheiro? Trabalhou onde para consegui-lo?
Antes do congresso de Cacheu, não tinha nada. Depois de um ano de governação tem parque de automóveis! Estão a brincar com este povo…
Eu tenho dinheiro, não escondo nada. Porque sou trabalhador. Fui considerado o maior exportador de cajú de todos os tempos da história da África. Consegui exportar 25 mil toneladas de cajú nesta terra. Eu não falo, porque quando falo, digo as coisas conforme elas são.
OD: O Braima Camará estaria por detrás de regresso de Carlos Gomes Júnior como uma das formas de bloquear a direção de Domingos Simões Pereira?
BC: Não. Isso não corresponde à verdade. É bom que se saiba que o Carlos Gomes Júnior nunca apoiou Braima Camará. O Braima Camará sempre apoiou Carlos Gomes Júnior. E devem saber que Carlos Gomes Júnior foi um dos responsáveis pela vitória de Domingos Simões Pereira no congresso de Cacheu. Eu não odeio Carlos Gomes Júnior por isso. Para mim a política não é um combate de vida ou morte, porque não vivo da política.
Estou a apoiar uma iniciativa na minha região (Bafatá), de reabilitação das vias urbanas da cidade que vai custar-me 47 milhões de francos CFA. Entreguei uma garantia bancária no BAO para obter o dinheiro e fazer a obra. Imaginem quanto é que um deputado ganha! Eu gosto deste país e por isso estou a investir o meu dinheiro aqui.
OD: Já está a preparar para a campanha eleitoral com essas iniciativas?
BC: Nada! Estou apenas a servir o meu país. Já servi a capital Bissau e fiz várias construções aqui. É chegada a hora de fazer alguma coisa para a minha região. Vou instalar uma fábrica de gelo para ajudar as mulheres vendedoras e fazer outros investimentos.
OD: Qual é a sua relação neste momento com o Carlos Gomes Júnior?
BC: Maravilhosa e espetacular. Eu não tenho problemas com ninguém e procuro estabelecer um bom relacionamento com toda a gente.
OD: Diz-se que influenciou muito o Presidente JOMAV para nomear Umaro Sissoco. Diz-se que indicou vários nomes para o Governo de Sissoco. Em troca recebia “cadeau – prendas. Quer fazer um comentário sobre isso?
BC: Essas informações são todas falsas. Não correspondem à verdade. Quem colocou Umaro Sissoco Embaló no cargo de Primeiro-ministro foi o Presidente da República, José Mário Vaz.
Vocês são da imprensa podem rever a primeira entrevista de Umaro Sissoco Embaló, onde diz que ele deve uma vida ao José Mário Vaz, sendo a única pessoa com quem tem uma dívida eterna neste mundo. Portanto, tudo está claro que não fui eu a influenciar a sua nomeação.
OD: Braima Camará, olhando para o PAIGC e tentando abstrair-se um pouco, quais são as figuras que acha que podem concorrer às próximas eleições presidenciais no PAIGC?
BC: É com muita tristeza e enormes dificuldades que abordo a atual direção do PAIGC, que foi destruída por Domingos Simões Pereira. Hoje não há uma figura emblemática dentro do partido! Não há uma figura carismática na direção do partido. Quem é o líder ou a figura carismática que arrasta as pessoas dentro do partido? Uma pessoa que toda agente aceita e sem animosidades?…
Cipriano Cassamá algum dia como o Presidente da República?! Cipriano? Nem sequer chegaria a um por cento de votos. Bom, no atual estatuto do PAIGC, é o Domingos quem vai indicar o nome de quem será candidato do partido às eleições…se Domingos não concordar com o nome de uma pessoa, então ela não será membro do governo. Sem a indicação dele, você não será cabeça de lista para o cargo do deputado na lista do PAIGC.
Domingos Simões Pereira é o novo dono do PAIGC, ele conseguiu ter o poder que nem tinha o “Nino” Vieira, que era chefe da guerra. Algum dia se viu a Isabel Vieira no partido ou assumir alguma função ou os irmãos e primos dele?! E Domingos colocou o irmão, a mulher, a cunhada e a “casa dois”, todos nas estruturas do PAIGC. Acha que eu, Braima Camará, vou apadrinhar isso?
Eu tenho que morrer em paz. Para morrer em paz tenho que defender as minhas convicções e os valores em que eu acredito. O que está no PAIGC neste momento é uma salada russa…
OD: Como viu o presidium do partido?
BC: Um fiasco!
Por: Assana Sambú, António Nhaga e Sene Camará
FIM [segunda e ûltima parte da entrevista realizada em fevereiro 2018 – O DEMOCRATA]
OdemocrataGB