JORNAL ODEMOCRATA 03/12/2022 O uso recorrente da língua wolof, do Senegal, pela maioria da população da secção de Bajope Capol, setor de Canchungo, região de Cacheu no norte da Guiné-Bissau, em detrimento docrioulo, constituiu uma ameaça para a identidade nacional, lamenta o chefe de tabanca.
A influência da cultura senegalesa e da sua língua (wolof) por causa dos filhos daquela aldeia que emigraram para o país vizinho à procura de melhores condições vida e se retornam à aldeia, preocupa as autoridades tradicionais, particularmente no que concerne à perda da identidade nacional e de certas práticas culturais da etnia manjaca.
A aldeia de Bajope Capol, encontra-se a nove quilómetros da cidade de Canchungo, tem uma superfície de 9,5 quilómetros quadrados e uma população estimada em 807 habitantes, segundo os dados apresentados pelas autoridades locais.
Bajope Capol é habitada maioritariamente pela etnia manjaca e corre sérios riscos de perder a sua tradição e identidade nacional, devido a influência da cultura senegalesa. Uma das manifestações culturais da etnia manjaca em extinção naquela aldeia é a comemoração tradicional da cerimónia “Cadjar Uleek – cultivo de feijão, em português”, que está a ser abandonada a favor de celebração de 15 de agosto, dia de assunção de Maria aos céus, mãe de Jesus Cristo, celebrado e considerado feriado no Senegal.
CHEFE DE TABANCA: “ROUBO DE GADO E FENÓMENO MIGRATÓRIO MINAM A CONVIVÊNCIA NA COMUNIDADE “
“A língua nacional do Senegal, o wolof, está a ganhar grandes proporções na nossa comunidade, devido ao fenómeno migratório que deixou a comunidade totalmente deserta, sem jovens para produzir. A influência da cultura senegalesa mina a cada dia a nossa identidade nacional”, revelou o chefe de aldeia de Bajope Capol, Pedro Vaz, na entrevista ao Jornal O Democrata, na qual falou da preocupação do poder tradicional e dos anciãos sobre a influência da cultura senegalesa na aldeia, bem como da perda da identidade nacional, da emigração e da questão do roubo de gado.
A população vive essencialmente da agricultura, da criação de gado e do comércio, mas essas atividades estão ameaçadas por causa do roubo de gado e do fenómeno migratório que afetou as mentes dos jovens, que neste momento se encontram dispersos pelo território nacional e pelo Senegal à procura de melhores condições de vida.
O roubo de gado, por exemplo, levou muitos criadores locais a abdicarem dessa atividade por insegurança e roubos sistemáticos de que são vítimas. O repórter de O Democrata que esteve naquela aldeia constatou “in loco” a realidade crua vivida pelos locais.
O chefe de tabanca lamentou ainda a angústia da população,abalada pelo fenómeno de roubo de gado que, segundo a sua explanação, tem provocado medo no seio dos criadores e quebrando desta forma rendimento de muitas famílias que vivem daquela atividade.
“Mesmo dormindo armado, não conseguem assegurar ou evitar os roubos e os ataques dos ladrões que lhes invadem os curais com armas automáticas”, referiu, afirmando estar preocupado com o fenómeno que abalou o país, em especial a região de Cacheu, particularmente as localidades de Canhob, Tam, Bgodjam, Caió, Canchungo e as tabancas arredores.
Pedro Vaz explicou que o roubo de gado ganhou proporções nessas localidades, depois do conflito político militar de 7 de junho de 1998, devido à entrada de diferentes pessoas nas forças de defesa e segurança, como também a conjuntura social e religiosa daquela zona, que anteriormente era conhecida como “terra sagrada” em que ninguém se atrevia a roubar.
Afirmou que a saída dos jovens em busca de melhores condições de vida permitiu a entrada das pessoas estranhas na aldeia, facilitada pelos próprios filhos da comunidade, que querem ver a sua vida mudar a 360º apenas num dia e a todo o custo.
“Os nossos dirigentes não podem escapar às críticas, por não terem garantido segurança aos cidadãos. O povo vive numa constante insegurança, sob ameaças e perigo de vida. Os malfeitores usam armas automáticas no roubo. De onde saem essas armas automáticas que usam para roubar e assaltar?”, questionou.
Vaz revelou que o roubo de gado proliferou na zona, pela incapacidade das autoridades para pôr cobro à situação. Contudo admitiu que estão mobilizados e engajados para inverter a tendência, através de vigias nas ruas e proibição da entrada a pessoas não identificadas, sobretudo nos períodos noturnos, caso contrário “nunca mais teremos sossego e os riscos que corremos são incalculáveis”.
Criticou os jovens da comunidade de serem improdutivos e mandriões, porque “não labutam para terem uma vida condigna”.
“É preciso mais trabalho, empenho e dedicação. Os jovens têm de permanecer nas comunidades, produzir localmente e evitar sair das zonas rurais para cidades sem necessidade, porque acabam por se tornar em cobras venenosas e delinquentes para as comunidades”, assegurou.
O chefe da tabanca disse ainda que outro fator que reflete negativamente na comunidade é o domínio da cultura senegalesa, que a cada dia está a roubar terreno ao crioulo e a minar a única manifestação cultural da etnia manjaca “Cadjar Uleeque”, realizada cada ano no fim da lavoura de feijão.
“Outra ameaça é que essa manifestação cultural está a ser abandonada a favor do dia 15 de agosto, data em que é celebrada o dia de assunção de Maria aos céus, feriado nacional no Senegal”, referiu.
ASSOCIAÇÃO ABRE CENTRO MULTIFUNCIONAL PARA TRAVAR EMIGRAÇÃO DE JOVENS
A secção Bajopé Capol tem uma escola do Ensino Básico, do primeiro ao quarto ano de escolaridade, construída na época colonial. Um dos pavilhões foi reabilitado com a ajuda da associação dos naturais de Bajopé Capol e dos amigos da tabanca residentes no país e na diáspora.
Para além do ensino básico, a comunidade local conseguiu implementar o ensino pré-escolar, um jardim de infância.
A tabanca está praticamente deserta, porque muitas pessoas, sobretudo jovens, abandonaram-na à procura de melhores condições de vida ou por motivos de estudo ou emigração. A maioria dos habitantes e filhos da aldeia têm dificuldades em falar fluentemente o crioulo, por dominarem mais o wolof, uma das línguas nacionais do Senegal.
A associação “N’gtche Balollé – somos iguais, em português”, de filhos e amigos de Bajope residentes na França, à semelhança do trabalho de reabilitação da escola, construiu um centro multifuncional, com seis quartos dormitórios, um salão de conferência com capacidade para albergar 60 pessoas, um armazém, um salão de espetáculos e uma sala de informática, para travar as ambições da emigração dos jovens e lutar contra a fome na zona.
A iniciativa, segundo a organização, visa minimizar o sofrimento e travar a fuga das populações locais, sobretudo dos jovens da zona rural para as cidades, em particular para a República vizinha do Senegal. O centro vai permitir o regresso de muitas pessoas que saíram à procura de melhores condições de vida e por motivos de estudo para a cidade de Canchungo, em Bissau e no Senegal, sobretudo no domínio da informática, que às vezes acabam por abandonar a aldeia pela eternidade.
Na sequência dessas iniciativas, doaram vários materiais, nomeadamente: mesas, cadeiras, armários, secretárias, materiais didáticos, tintas para todo tipo de trabalho de exercícios de carimbagem no jardim, assim como brinquedos. Também enviaram 18 computadores de mesa, 04 painéis solares com respetivas baterias e demais materiais para equipar a escola e o centro multifuncional.
A organização anunciou que tem em perspetiva projetos como recuperação, em breve, do posto sanitário local, inativo há vários anos por falta de colocação dos profissionais de saúde, bem como a construção de uma residência para professores e profissionais de saúde que vão trabalhar no centro.
“Essas realizações revelam a determinação e a união dos populares da tabanca para o bem-estar social da comunidade localidade” revelou Luís Gomes, gestor financeiro da associação, para de seguida acrescentar que a associação está a envidar esforços junto da delegacia regional da saúde de Cacheu para resolver a questão dos recursos humanos para o centro.
A propósito, a associação “N’gtche Balollé” informou que vai abastecer o armazém com produtos de primeira necessidade para facilitar e evitar que os moradores continuem a percorrer quilómetros e quilómetros à procura de bens essenciais na cidade de Canchungo ou outras localidades da região.
“Porque são produtos aos quais podem ter acesso com maior facilidade sem ter que se deslocar à cidade de Canchungo. Também vai facilitar e permitir aos que estão na diáspora adquirir produtos alimentares para os seus familiares, através de uma conta bancária da associação”, salientou.
Por: Francisco Gomes
Foto: FG