RUTH MONTEIRO, Ex-ministra da Justiça
SUMBA NANSIL: A ministra tinha intenções de viajar hoje, mas foi impedida pelo ministério Público
RUTH MONTEIRO, EX-MINISTRA DA JUSTIÇA DO GOVERNO DO ARISTIDES: Sim é verdade. É a segunda vez. Disseram-me que o meu nome estava numa lista, não me explicaram os motivos...
SN: Ou seja, há uma lista de pessoas que não podem sair da Guiné-Bissau?
RM: Exactamente. Já da primeira vez disseram-me isso, que não podia fazer o check-in, mas eu não sei.
SN: Ministra, quem é o autor dessa lista?
RM: A lista partiu dessa gente que tomou o poder pela força, que meteram os militares a assaltar os ministérios, que disseram ter tomado o poder ‘simbolicamente’ mas que estão a exercer o poder, não de forma simbólica, mas de forma ditatorial e sem respeito pela lei e pela nossa Constituição. Tudo é feito pela força do medo e das armas, com o qual sobressaltam a população.
SN: Ou seja, pela 2ª vez foi proibida de viajar...
RM: Sim, pela 2ª vez. Da primeira alegaram que eu não tinha entregue o carro (de função), mas eu não sei da existência de qualquer processo sobre isso. O carro na qual eu andava é um carro de um projecto do PNUD - que estava a tentar um orçamento para pagar os 4 pneus. Daí o PNUD cedeu-me uma viatura matrícula IT (importação temporária). Quando os ilegais começaram a levar os carros, foram à minha casa e, sabendo que o carro era do PNUD, não o levaram. Depois, entraram em contacto com o PNUD a sugerir que me fosse pedido o carro, porque precisavam dele. O PNUD não mo pediu, mas quando eu soube dessa intenção, então pensei que seria melhor eu entregar o carro, pois podiam vir pela via da força e eu não teria como impedir isso. O PNUD escreveu uma carta à embaixada de Portugal, da União Europeia, serviço protocolo de estado, ministério do Interior a dizer preto no branco que essa viatura “pertence à ministra. Está cá o termo de entrega.” E deram garantias ao embaixador de Portugal que eu, como cidadã portuguesa, poderia viajar sem problemas. Mas hoje, quando chego ao aeroporto, acompanhada do pessoal dos direitos humanos da ONU e do PNUD, acusam-me de, para além de ficar com o carro do PNUD de ter também na minha posse um carro preto que não entreguei. Eu respondi dizendo que esse carro está parado no ministério da Justiça, com problemas nos pneus. Mandaram então pessoas, das quais a LGDH, que tiraram fotografias e comprovaram que esse carro está no quintal do MJ. Não tinham simplesmente nada o que me acusar. Logo depois, aparece outro ‘processo’ que diz que eu recebi outro carro do Governo que não entreguei. Bom, eles é que terão de provar que carro é esse que não foi entregue. Na nossa lei, quem tem de provar a acusação é o ministério Público.
SN: Ministra, pelo que me é dado a perceber, isto tem que ver com carros, carros, carros...
RM: Não é só isso...como viram que não havia por onde pegar, inventaram outro processo em como eu assinei alguns passaportes sem ter poderes para tal...
SN: Acusações sucessivas...
RM: Sim, passei de uma para duas e agora para a terceira ou quarta....soube de
tudo isso no aeroporto. Nunca fui chamada, para nada. O PNUD disse-lhes que o carro ficaria comigo. Mais. Tinham indicações (lá de cima) para não alinhar com gente que tomou o poder pela força. Toda a gente sabe, é público,que o PNUD não vai interagir com o golpistas, porque são ilegítimos e ilegais. Isto não passa de perseguição política...
SN: Está a dizer que é perseguição...
RM: Trata-se claramente de perseguição política. Eu não tenho carro nenhum. No Governo do Aristides Gomes foi tudo feito com base na lei, todos os que receberam uma viatura assinaram um documento. Os documentos existem, eles que vão lá onde me deram o carro. No aeroporto ninguém me dizia nada, retiraram-me o passaporte português, o que criou um conflito diplomático e eles, envergonhados, tiveram que devolver o passaporte à embaixada de Portugal. Mais grave é que o guineense deve ver onde isto nos vai levar... há um acordão do STJ onde o actual PGR, Ladislau Embassa, na qualidade de juiz conselheiro, tomou essa decisão. E agora vem dizer essas coisas.
SN: É uma decisão ilegal por parte do MP...
RM: Mas queria o quê? Tomaram o poder pela força das armas, e a partir daí, logo não podemos esperar deles outro tipo de comportamento. É consentâneo com a sua falta de respeito por tudo que é estado de direito e democrático. Todos os valores desapareceram. Estamos numa selva. Só visto o aparato no aeroporto...
SN: Com tudo isso, acha que o estado de direito está ameaçado?
RM: Não está ameaçado, porque não existe de momento. Tomaram o poder pela força. Aliás num estão de direito não se pode tomar dessa maneira...quem toma o poder ‘simbolicamente’ não pode demitir um governo legal, num estado de direito os militares não podem proibir um governo que chegou ao poder pelo voto. Num estado de direito democrático o MP não pode proibir alguém de viajar porque essa é uma competência exclusiva dos magistrados judiciais. Não existe estado de direito na Guiné-Bissau desde o dia 28 de fevereiro.
SN: A situação é grave, senhora ministra.
RM: De todos os pontos de vista. Não sei até onde podemos chegar, com gente que assalta o poder e depois não sabe o que fazer. Veja isto do Coronavírus. Dizem que fecharam os restaurantes mas há sempre 10, 20 trinta pessoas a jantar e não fecham os ministérios com 50/60 pessoas. E porquê? Porque há que ir buscar receitas que não entrarão nos cofres do estado mas nos seus bolsos. Dizem que viaturas não podem circular mas não tens ambulâncias para ir buscar os doentes. Estão a matar o povo de outra maneira porque não tem assistência nem sequer para chegar ao hospital. É neste estado que vivemos na Guiné-Bissau. As medidas são totalmente descoordenadas. Não faz sentido nenhum. Não ha organização, e a visão deles não é de ajudar e socorrer a população. É so tirar medidas e despachos.
SN: Voltando aos impedimentos para viajar...
RM: Ninguém me pode aplicar qualquer medida de coacção porque não fui ouvida...
SN: Partindo do princípio que foi ouvida de pé, no aeroporto...
RM: Não, não fui ouvido. O funcionário do check-in é que me disse que não podia viajar. Alguém da imigração tirou-me o passaporte e mais nada, nem um bom dia me disse. Não fui tida nem achada. O TIR (termo de identidade e residência) diz que não podes ausentar de casa por mais de 5 dias sem avisar o MP. Não diz que não se pode viajar. Aqui chamamos alguém por telefone e dizemos “vem já” - mas a lei não diz isso - a lei diz que deves chamar alguém para ser ouvido com 5 dias de antecedência. Eu podia ter ido a Portugal, mesmo com o TIR, sem pedir autorização. Bastava dizer como me encontrarem. Isso é abuso de poder. É crime!
SN: O MP está a cometer um crime?
RM: Com certeza que sim. Impedindo-me de viajar, provocando-me esta angústia, este vexame, acusando-me internacionalmente da prática de um ou mais crimes. Mentiram dizendo que eu tinha um processo em Portugal pelo qual me deteriam...então que me deixassem viajar e responder em Portugal. Como viram que essa teoria caiu por terra, resolveram inventar crimes aqui na Guiné-Bissau. Estão a difamar-me.
Fonte: ditaduraeconsenso.blogspot.com