Porquê? Há todo um contexto. Um contexto em que a arma é outra - o dinheiro. Muito dinheiro
Volodymyr Zelensky diz que a decisão da UE de abrir as negociações para a adesão da Ucrânia é “uma vitória que motiva, inspira e fortalece”, mas os especialistas dizem que é um pouco mais do que isso. “É muito mais do que uma mera vitória simbólica. Depois de muitas dificuldades, há a sensação de que o sacrifício está a dar resultados, uma vez que a adesão é um dos grandes objetivos ucranianos. A mensagem é forte, a União Europeia considera a Ucrânia um dos seus”, diz o professor e especialista em relações internacionais José Filipe Pinto.
A decisão surge numa altura particularmente importante, dias depois da visita do presidente ucraniano a Washington, onde Zelensky tentou, sem sucesso, pressionar os políticos do Partido Republicano a aprovar o pacote de ajuda de emergência para a Ucrânia, proposto pela administração Biden. Com vários analistas a anteciparem o “esmorecimento” do apoio militar norte-americano, a deliberação do Conselho Europeu sobre a adesão da Ucrânia (e da Moldova) à UE envia uma mensagem de que o apoio europeu é para manter.
Mas o processo é longo. Para conseguir entrar na União Europeia, a Ucrânia tem de cumprir escrupulosamente os 35 condições, que envolvem áreas como pescas, direitos humanos, liberdade de imprensa e política económica e monetária. Muitos destes dossiês são ainda mais difíceis de implementar durante uma economia de um país que está em guerra. Mas a Ucrânia tem um trunfo - e pode vir a beneficiar de um processo mais acelerado do que o habitual.
“Existe a possibilidade de este processo de adesão ser mais rápido do que o normal. No final do dia, a decisão de permitir a entrada na União Europeia é sempre uma decisão política. Se houver vontade política para avançar mais depressa, vamos avançar mais depressa. Tudo isto foi feito muito rapidamente, mas depende muito do conflito bélico”, explica Francisco Pereira Coutinho, professores especialista em Direito Internacional, que acrescenta que esta decisão tem sempre de ser unânime.
Mas este cenário ainda não é garantido. A decisão desta quinta-feira do Conselho Europeu aconteceu depois de um longo braço de ferro entre o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, e os demais Estados-membros, que só foi quebrado depois do desbloqueamento de verbas no valor de dez mil milhões para a Hungria. Orbán saiu da sala durante o debate para permitir a aprovação do acordo. À saída do encontro, o líder húngaro diz que mantém a posição de que a adesão da Ucrânia à UE é “um erro terrível” que deve ser evitado.
Adesão à UE "empurra" a Ucrânia para negociações de paz
Uma parte significativa da população húngara olha para a Ucrânia como um país mergulhado em corrupção e que a guerra agravou bastante esta situação. De acordo com José Filipe Pinto, que recentemente esteve no país de Orbán a convite da Universidade de Szeged, uma parte significativa da população húngara diz que a Ucrânia “está longe de ser um verdadeiro Estado de direito”.
“Os húngaros consideram que há uma elite muito corrupta na Ucrânia. Uma oligarquia que tem uma ligação muito forte à oligarquia russa. Além disso, consideram que a Ucrânia não será capaz de cumprir as suas obrigações”, explica o especialista em Relações Internacionais, que diz que a adesão da Ucrânia na UE pode mesmo ser parte de uma futura negociação de paz.
O especialista defende que dificilmente o governo ucraniano conseguirá entrar para o grupo dos 27 enquanto tiver um conflito aberto no seu território. Neste cenário, Zelensky pode ser "empurrado" para a mesa de negociações, de forma a ceder algum território, em troca de estabilidade futura na União Europeia. "A adesão à União Europeia pode implicar que o conflito seja congelado e acabe por escolher a pertença à União em troca de concessões na guerra. Este processo de adessão demora quanto mais tempo se arrastar o conflito bélico. Uma economia de guerra vai diminuir grandemente o cumprir dos critérios."
A quase mudança de posição de Orbán só aconteceu depois de a Comissão Europeia desbloquear 10 mil milhões de euros em fundos de coesão para a Hungria, quase um ano depois de o dinheiro ter sido congelado devido ao facto de o país continuar a ter problemas com o Estado de direito. Este dinheiro vai ser pago em parcelas com base em projetos apresentados pelo governo húngaro. Não é certo que Orbán ceda na hora de tomar a decisão final da adesão ucraniana.
O risco escondido para a liderança de Putin
Para a Rússia, a possibilidade de adesão da Ucrânia e da Moldova à União Europeia representa um possível falhanço geopolítico. Estes dois países pertencem à esfera de influência da antiga União Soviética e agora tentam passar – com grande sacrifício – para a esfera de influência ocidental. A decisão tem também uma forte dimensão simbólica para o regime de Vladimir Putin, uma vez que foi a queda de um acordo de associação entre a Ucrânia e a União Europeia que levou à queda do governo do presidente pró-russo Viktor Yanukovych e ao início da guerra no Donbass.
Apesar de a NATO ser a aliança que Moscovo vê como uma ameaça direta aos seus interesses, a aproximação da Ucrânia à Europa pode conter um risco escondido para a liderança de Vladimir Putin e que pode ser letal para o regime russo. A adesão da Ucrânia abriria as portas do mercado comum e dos fundos europeus a Kiev, o que tem potencialmente um efeito transformador na economia ucraniana. Um aumento da prosperidade na Ucrânia, tão perto da fronteira com a Rússia, pode fazer com que o povo russo questione o rumo escolhido pelos seus líderes.
“Na perspetiva da Rússia, isto é uma grande traição. A grande ameaça é a adesão à NATO, mas a adesão à União Europeia pode ser um perigo ainda maior para Putin. Se houver muita prosperidade na Ucrânia, isso pode ter um efeito de contágio para o povo russo e sobre o regime despótico de Putin”, conclui Francisco Pereira Coutinho.
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