Donald Trump e Vladimir Putin Por João Guerreiro Rodrigues cnnportugal.iol.pt
De uma chamada de 90 minutos saem "sensações" de que foi Putin a liderar as negociações onde a Ucrânia não foi vista nem achada
As expectativas eram elevadas e a bola estava "do lado de Moscovo", porque a Casa Branca tinha conseguido fazer com que Kiev aceitasse um acordo de cessar-fogo de 30 dias em todas as hostilidades, mesmo sem qualquer garantia de segurança. Mas os 90 minutos da chamada telefónica não foram suficientes para Donald Trump conseguir convencer Vladimir Putin a travar a invasão da Ucrânia e "parar a matança" por 30 dias, como tinha sido acordado com a Ucrânia. Para os especialistas, a estratégia do presidente americano saiu "completamente derrotada", com a Rússia a recusar o acordo proposto por Trump e com Putin colocar uma armadilha no caminho do presidente norte-americano que o pode obrigar a voltar atrás numa medida que tomou.
"Há aqui uma derrota substancial americana. Os Estados Unidos fizeram uma proposta que foi recusada pela Rússia. Quem é que está a mediar esta paz? É Donald Trump que está a fazer propostas atrás de propostas a que Putin responde com cada vez mais exigências e cada vez mais duras? Parece-me bastante inquietante, porque a sensação que nós temos é de que quem está a comandar as negociações verdadeiramente é a Rússia e não os Estados Unidos", afirma Diana Soller, especialista em relações internacionais.
Apesar de a Casa Branca ter celebrado o resultado entre a conversa dos dois presidentes, que acabou num acordo para a pausa de 30 dias nos ataques contra infraestruturas críticas de ambos os lados, esta "cedência" do Kremlin fica muito aquém da vontade de Donald Trump. O presidente norte-americano falou com Putin na esperança de fazer Moscovo concordar com aquilo que Kiev concordou uma semana antes: 30 dias sem combates em terra, no mar e no ar, ao longo de toda a frente.
Esta decisão acontece precisamente numa altura em que Kiev tem vindo a intensificar os ataques de longa distância contra as refinarias petrolíferas e instalações de gás russas um pouco por todo o território, como forma de prejudicar a economia e a logística de Moscovo. E há sinais de que essa campanha estava prestes a intensificar-se, depois do Ministério da Defesa da Ucrânia ter anunciado a meta do fabrico de 30 mil drones de longo alcance em 2025 e de desenvolver com sucesso o seu primeiro míssil balístico de longo alcance, o R-350 Neptune, com um alcance de mais de mil quilómetros.
No sentido inverso, a Rússia compromete-se a parar este tipo de ataques numa altura em que isso pouco interfere com a sua estratégia no terreno. As forças armadas russas, ao longo de três anos de guerra, destruíram de forma sistemática a rede energética ucraniana. Centrais termo e hidroelétricas, subestações, linhas de transmissão e depósitos de combustível foram repetidamente atacados por algumas das armas mais avançadas russas, com o objetivo de paralisar a economia ucraniana e tornar mais difícil a vida da população, de forma a pressionar o governo de Kiev. Com o inverno a chegar ao fim, os efeitos práticos dessa estratégia são mais difíceis de serem sentidos, o que torna menos relevante esta suspensão.
"A montanha pariu um rato. Os russos comprometem-se a não atacar instalações elétricas ucranianas, mas isso é um crime de guerra. Ou seja, os russos comprometem-se a não cometer crimes de guerra durante 30 dias. Donald Trump vai dizer que isto foi um enorme sucesso e que conseguiu um ótimo acordo, mas aquilo que tinha sido acordado na semana passada entre a Ucrânia e os EUA que seria levado à Federação Russa era o cessar-fogo incondicional de 30 dias. A resposta de Putin foi não", refere Francisco Pereira Coutinho, especialista em direito internacional.
A nova exigência
Poucos minutos depois da chamada, o presidente norte-americano celebrou na sua rede social a conversa com Putin, apelidando-a de "muito boa e produtiva", com os dois lados a partilharem "a compreensão de que vão trabalhar rapidamente para chegar a um cessar-fogo completo". As palavras do lado americano, contrastam com o longo e exigente comunicado russo, que coloca ainda mais exigências em cima da mesa para o fim das hostilidades na Ucrânia.
No documento elaborado pela diplomacia russa, Moscovo insiste na "necessidade absoluta" de eliminar "as causas profundas da crise", sublinhando que o fim do envio de equipamento e informações militares à Ucrânia por parte dos aliados é uma "condição-chave" para o fim do conflito. Esta nova exigência surge poucas semanas depois de o presidente americano ter ordenado o fim do envio de ajuda militar e da partilha de informações, dias depois da tensa reunião entre Trump e o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, na Sala Oval.
Esta decisão provou ter um forte impacto no campo de batalha. A Rússia já vinha a aumentar a intensidade das operações contras as posições ucranianas na região ocupada de Kursk, com uma combinação de novas unidades russas apoiadas por tropas norte-coreanas. No entanto, a suspensão da partilha de informações cruciais por parte dos Estados Unidos da América tornou a defesa de Kursk cada vez mais insustentável, levando ao colapso desta frente. Foi necessário um pedido de desculpas do líder ucraniano para que Trump levantasse as restrições. Agora, para satisfazer Putin, a Casa Branca teria de voltar a reverter a sua decisão.
"Nós vimos o resultado em Kursk, onde a Ucrânia esteve pouco mais de uma semana sem informações estratégicas e sem informação em tempo real. A Rússia aproveitou para dar um novo ímpeto às suas ações ofensivas. Os ucranianos são frontalmente contra o desarmamento e frontalmente contra a desmilitarização. Portanto, eu penso que a Rússia vai insistir nestas condições para que se vá um pouco mais além do que aquilo que se conseguiu hoje com Trump", defende o major-general Isidro de Morais Pereira.
Apesar de tudo, Vladimir Putin não rejeita completamente o acordo proposto por Trump. O líder russo compromete-se a criar uma equipa técnica para começar a estudar e criar uma iniciativa relativa à segurança no Mar Negro e aceitou uma troca de 175 militares ucranianos em troca de 175 soldados russos, bem como a transferência de 23 ucranianos gravemente feridos que estão a ser tratados em unidades médicas russas. Estas medidas demonstram que existe um esforço da parte russa para abrir os canais de diálogo com os Estados Unidos da América para que se inicie o processo negocial, com medidas de "construção de confiança" como a libertação de prisioneiros.
Os dois comunicados também começam a desvendar o véu sobre o verdadeiro mediador do conflito: a Arábia Saudita. Depois de ter sido o palco da ronda de negociações entre os Estados Unidos e a Rússia e, pouco mais tarde, entre a delegação americana e ucraniana, ambos os lados comprometem-se a continuar as negociações na Arábia Saudita.
"O que o comunicado não diz mas que me começa a parecer evidente é de que há um novo mediador no ar. A Arábia Saudita parece ter chutado para canto a Turquia, para já. Porque a ideia de que as negociações vão ser no Médio Oriente, depois de a primeira ronda ter sido em Jeddah e em Riade significa que a Arábia Saudita está a tomar a dianteira neste processo. Os sauditas estão a apresentar-se como facilitadores das iniciativas que a Casa Branca quer usar para a deslindar", garante Tiago André Lopes, especialista em Relações Internacionais.
Mas o acordo que acabou de nascer pode já ter complicações pelo caminho. Ao contrário da Casa Branca, que escreve que o cessar-fogo se aplica a "infraestruturas e energia", a linguagem utilizada pelo Kremlin é vaga o suficiente para poder atingir infraestruturas como portos, pontes, aeródromos e outros edifícios. Poucas horas depois da conversa, o líder ucraniano acusou a Rússia de lançar dezenas de drones contra infraestruturas civis no país, por exemplo.
Em conversa com os jornalistas, Volodymyr mostrou-se cauteloso em relação ao acordo, admitindo que este pode ser um passo em direção à paz e não em direção à "complicação militar de situações de combate". “É claro que estamos satisfeitos por haver um primeiro passo, e foi isso que oferecemos: silêncio no céu e no mar. Os americanos ofereceram mais, um cessar-fogo total. De facto, os russos recusaram”, defende.
Mas, na Ucrânia, nem todos estão otimistas em relação ao que ficou acordado entre Trump e Putin. Segundo o jornalista ucraniano Illia Ponomarenko, Vladimir Putin está simplesmente a continuar a sua estratégia de "arrastar as coisas indefinidamente" para continuar a conquistar o território ucraniano.
"O Kremlin está essencialmente a manter a sua estratégia ideal - atrasar as coisas indefinidamente, dizer “não” sem realmente dizer “não”, afogar tudo em demagogia sem sentido, manipular Trump massajando o seu ego, atirando-lhe bugigangas tolas como “milhares de vidas de soldados ucranianos poupadas apenas graças a Trump” e jogos de hóquei (!), tudo isto enquanto continua a sua guerra em grande escala contra a Ucrânia. E enquanto Trump continuar a satisfazer as suas “vitórias” virtuais e a andar em bicos de pés à volta de Putin, não há razão para parar", afirma Ponomarenko.
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