terça-feira, 15 de maio de 2018

Governo são-tomense acusa ex-presidente do Supremo de várias irregularidades

O Governo são-tomense acusou hoje o ex-presidente do Supremo Tribunal de Justiça de irregularidades, incluindo a criação de um juízo cível ou a alteração de notas atribuídas a juízes, para justificar a sua exoneração e reforma compulsiva pelo parlamento.


Num comunicado de 11 páginas enviado à agência Lusa, o executivo de São Tomé justifica a exoneração de Manuel Gomes Silva Cravid e de outros dois juízes do Supremo - Maria Alice Carvalho e Frederico da Glória -- através de uma resolução parlamentar, considerada inconstitucional pelo constitucionalista português Jorge Miranda.

"Esta exoneração é claramente inconstitucional, por violar os princípios do Estado de Direito democrático da Constituição de São Tomé e Príncipe (art. 6.º) e as garantias dos juízes, os quais só podem ser demitidos nos casos previstos na lei (art. 125)", disse Jorge Miranda à Lusa.

Esta resolução segue-se a um acórdão daqueles três magistrados, datado de 27 de abril, que ordena a devolução da cervejeira Rosema ao empresário angolano Mello Xavier, a que o Governo se opõe.

No comunicado de hoje, o Governo faz várias acusações aos juízes, sobretudo a Manuel Cravid, considerando, nomeadamente, que criou ilegalmente um juízo cível, uma ação que "compete exclusivamente à Assembleia Nacional".

Segundo o Governo, este juízo tem tomado decisões "contra o Estado" e "bastante gravosas para o erário público", tem como "vocação atentar contra o Direito de Propriedade, um direito fundamental, expressamente inscrito na Constituição da República" e é liderado por "um juiz declarado medíocre e inepto pelos inspetores internacionais".

O Governo acusa ainda o também ex-presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial de ter decidido "por iniciativa pessoal" aumentar o seu salário, violando a lei que estipula que não pode ter um vencimento superior ao Procurador-Geral da República.

Na nota, Manuel Cravid é ainda acusado de ter, enquanto presidente do Conselho Superior de Magistratura Judicial, alterado "as notas negativas (medíocres) resultantes da Inspeção Judicial feita pelos magistrados profissionais portugueses em notas positivas e reintegrá-los nas suas funções, quando foram considerados de inaptos".

O executivo refere ainda que a "denegação de justiça, corrupção e compadrio diverso nos tribunais têm facilitado o desaparecimento sistemático de processos em que estão envolvidas funcionários judiciais" e a "exagerada proteção" destes funcionários "face à prática de atos ilícitos e até mesmo oposição à justiça quando esta é aplicada".

No comunicado, o Governo refere-se ainda ao processo da cervejeira Rosema, que deu origem a esta crise entre a política e a justiça são-tomenses, dando a sua versão do processo judicial iniciado em Angola, em que nega que a carta rogatória das autoridades angolanas sobre o processo tenha alguma vez chegado aos tribunais são-tomenses.

"O processo Rosema não teve o seu início através de uma carta rogatória enviada pelo Tribunal Marítimo de Luanda. Os tribunais são-tomenses nunca receberam" essa carta, diz agora o Governo, referindo que foi devolvida pelo então ministro da Justiça são-tomense, Justino Veiga, ao Ministério das Relações Exteriores de Angola.

O caso Rosema tem abalado as relações entre o poder político e judicial em São Tomé e Príncipe.

Depois de os três juízes do Supremo terem decidido devolver a cervejeira ao empresário angolano Mello Xavier, um juiz de um tribunal de primeira instância, contrariando esta decisão, aceitou uma providência cautelar da defesa da empresa são-tomense Irmãos Monteiro, que adquiriu a cervejeira durante o contencioso judicial.

A advogada da Irmãos Monteiro anunciou que iria entrar com um recurso no Tribunal Constitucional por considerar que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que ordenou a devolução da Rosema a Mello Xavier, põe em causa "a segurança jurídica e fere brutalmente o princípio constitucional da imutabilidade e força vinculativa do trânsito em julgado".

Por seu lado, a resolução parlamentar de 04 de maio, aprovada por 31 dos 55 deputados do parlamento são-tomense, que o primeiro-ministro são-tomense justificou na altura como medida para "atacar o cancro" na justiça, foi suspensa a 08 de maio por Silvestre Dias, único juiz do Supremo que não havia sido alvo da decisão parlamentar.

Os juízes exonerados, que inicialmente se recusaram a acatar a decisão do parlamento, abandonaram efetivamente os cargos esta semana.

O Presidente são-tomense, Evaristo Carvalho, faz hoje uma mensagem à nação sobre este caso.

VM (MYB) // PJA

Lusa/Fim

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