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Por LUSA 23/09/22
O anúncio de referendos sobre a anexação em províncias do leste da Ucrânia e a mobilização parcial de tropas, anunciadas por Moscovo, poderão ser insuficientes para contrariar a recente contraofensiva ucraniana, considera o International Crises Group (ICG).
"[O Presidente russo Vladimir] Putin acredita que a promessa de novas forças e a ameaça nuclear podem inverter a vontade da Ucrânia e forçar a um recuo do ocidente, mas esta noção parece exagerada" considera este instituto de reflexão com sede em Bruxelas, vocacionado para a análise de crises globais, numa declaração hoje divulgada.
"As tropas que vão ser mobilizadas parecem incapazes de alterar o curso da batalha, em particular devido ao tempo que o exército necessita para as preparar de forma adequada e os concomitantes problemas de logística e material. Kiev poderá redobrar os esforços para a reconquista de território antes da chegada de forças adicionais russas ao campo de batalha", considera o IGG, fundado em 1995 e que se define como uma organização não-governamental (ONG) sem fins lucrativos.
Numa referência ao eventual uso de armas nucleares em caso de ameaça à integridade territorial da Rússia, também esgrimido por Putin no seu discurso de quarta-feira passada, o ICG recorda que "a Ucrânia e os seus apoiantes ocidentais" não recuaram face a anteriores ameaças nucleares de Putin, e não demonstram sinais de cedências na atual situação.
"Os países da NATO deverão prosseguir a política promovida até agora -- apoiar a Ucrânia com armas e dinheiro, evitar a escalada retórica que alimentam a narrativa de Putin de que esta guerra é com o ocidente, e deixar espaço à Rússia para que procure um acordo ao entender que falhou na sua última tentativa de garantir supremacia", aconselha o ICG.
Na sequência da resposta russa à contraofensiva ucraniana -- em particular através do bombardeamento de infraestruturas em particular na cidade de região do Kharkiv (nordeste) -- e destinada a desmoralizar a população e liderança ucranianas, o Instituto sublinha a reação "desafiante" de Kiev.
"O Presidente Volodymyr Zelensky disse que a Ucrânia preferiria ficar sem energia, sem gás e sem eletricidade, enquanto também pudesse ficar sem a Rússia", indica o texto.
A recente escalada do conflito pode significar que a Rússia ainda não está preparada para um compromisso ou acordo, apesar de ainda não ser claro se vão significar uma alteração substancial da trajetória da guerra, prossegue o ICG.
"A contraofensiva ucraniana revelou que uma grande impreparação das forças russas (...). Assim, e mesmo que a Rússia consiga mobilizar uma grande quantidade de homens, terá dificuldades nos abastecimentos. Talvez a principal questão resida naquilo que significam os recentes sinais de Moscovo sobre até onde poderá ir para evitar uma derrota na Ucrânia e como definirá uma vitória aceitável".
Ao recordar não ter sido a primeira vez que o líder do Kremlin recordou dirigir um país com armas nucleares, não é de prever que Kiev decida "uma pausa" e inverta o atual curso militar, e caso continue a garantir progressos territoriais.
"A Rússia tem tudo a perder e nada a ganhar de escalar para o uso do nuclear. Ataques nucleares em resposta a contra-ataques ucranianos não têm sentido na lógica militar. Também poderiam ocasionar riscos nucleares para as forças russas e a própria Rússia. Um ataque nuclear é provavelmente a única ação que Moscovo poderia tomar e que implicaria uma resposta ocidental direta", e que a Rússia encararia como "uma ameaça existencial".
Numa referência às perspetivas que se colocam num futuro próximo, o ICG sublinha a "incerteza da trajetória da guerra" mas admite dois cenários possíveis.
"Um seria uma pausa de curto prazo nos combates que permitisse a Moscovo mobilizar e recuperar, e depois reverter os recentes ganhos ucranianos. O outro seria a consolidação do controlo das áreas que detém pela Ucrânia e prosseguir a pressão enquanto a Rússia prosseguir a mobilização, deslocação e os respetivos fornecimentos. Outros cenários, como um impasse de longo prazo com os dois exércitos a tentarem novos sucessos, são também possíveis, e como os últimos sete meses demonstraram, mais surpresas podem estar nas cartadas".
Ao recordar uma vez mais a decisão do Kremlin numa escalada do conflito, em resposta às contraofensivas militares ucranianas e cujo sucesso é associado ao fornecimento de novos armamentos pelos ocidentais (em particular Estados Unidos e Reino Unido), a ONG assegura que Putin está preparado para prosseguir os esforços para impedir um falhanço militar.
"Quando mais tempo a guerra prosseguir sem que a Rússia obtenha óbvios progressos, mas difícil será para o Kremlin prosseguir com a narrativa de que atingiu os seus objetivos".
No entanto, o ICG também emite um alerta dirigido à outra parte do conflito. "Os Estados ocidentais que apoiam a Ucrânia devem ser cuidadosos -- a maioria tem-no sido nos últimos meses -- para não alimentar a narrativa de Moscovo que de os russos estão envolvidos numa guerra existencial com o ocidente, e que o país não pode sobreviver a uma derrota militar na Ucrânia".
E acrescenta. "Isso significa evitar a retórica, que ganhou alguma aceitação em diversos círculos de análise, e ações onde se sugerem que pretendem uma mudança de regime ou o colapso do Estado".
O ICG também se mostra convencido da rápida resposta dos diplomatas ocidentais caso a Rússia promova oficialmente a anexação de partes do leste da Ucrânia, em particular nos fóruns internacionais e em particular na ONU, "para afirmar a integridade territorial da Ucrânia e denunciar a decisão de Moscovo".
Apesar de o Instituto considerar que, no atual momento, "as conversações sobre um acordo parecerem estar fora de questão", sugere que "as capitais da NATO, e ainda outros", podem "preparar o terreno" para uma futura resolução do conflito, sem deixar de recordar o envolvimento da Turquia e do secretário-geral da ONU, António Guterres, na resolução da designada crise dos cereais.
Prosseguir a política ocidental adotada até ao momento face ao conflito constitui a receita do Instituto.
"Ajudar a Ucrânia, com armas e dinheiro, para impedir uma vitória russa que teria implicações mais grave para a Ucrânia e a paz internacional e a segurança global que o atual conflito. E fazê-lo de uma forma que minimize os riscos de uma vasta e potencial guerra nuclear com a Rússia. Deixar a porta aberta para que Moscovo aceite um acordo no qual a Ucrânia possa existir, e permanecerem atentos a qualquer sinal credível das partes sobre a disponibilidade para conversações sérias".
"Com a guerra e entrar no que pode ser a sua fase mais significativa e perigosa até ao momento, uma abordagem equilibrada decerto que não será fácil de obter, mas permanece a melhor opção disponível", conclui o ICG.
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