A Arábia Saudita anunciou que vai produzir mais petróleo e cortar os preços. A cotação da matéria-prima está em queda livre nos mercados. Cai mais de 30%, negoceia nos 30 dólares por barril e regista a maior queda em quase 30 anos.
O príncipe Mohammed bin Salman quer infligir o maior dano possível aos produtores russos
Depois do falhanço nas negociações para convencer a Rússia a juntar-se aos cortes de produção programados na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), a Arábia Saudita decidiu avançar com uma estratégia que está a lançar o mercado petrolífero num caos. As cotações da matéria-prima estão a afundar como não se via há quase 30 anos e o preço do barril está na casa dos 30 dólares.
O maior produtor de petróleo do mundo vai aumentar a produção e cortou de forma significativa o preço que cobra aos seus clientes. O objetivo passa por inundar o mercado de petróleo saudita numa altura em que as cotações já estão em forte quebra devido à redução da procura provocada pela propagação global do coronavírus.
A Arábia Saudita responde assim com esta jogada de alto risco para "encostar à parede" os russos e outros países que não pretendem entrar numa estratégia global de redução da oferta. Desde 2016 que a OPEP (liderada pela Arábia Saudita) e outros países aliados (com destaque para a Rússia) têm alcançado acordos para definir os níveis de produção ideais para manter as cotações da matéria-prima nos níveis pretendidos.
O entendimento deste grupo conhecido por OPEP+ (14 membros do cartel mais os 10 aliados) colapsou de forma dramática e inesperada esta semana, pois a OPEP aceitou uma corte global de produção de 1,5 milhões de barris por dia, mas a Rússia não se mostrou disponível para acompanhar este movimento.
Assim, a Arábia Saudita passou de uma tática de tentar impulsionar as cotações, para uma estratégia de as deprimir.
Preços em queda livre na maior desvalorização desde guerra do Iraque
As cotações do petróleo afundaram perto de 10% na sexta-feira, com o WTI em Nova Iorque a fechar nos 41,28 dólares e o Brent em Londres a encerrar nos 45,27 dólares.
E agora estão em queda livre, em reação aos desenvolvimentos surpreendentes deste fim de semana. Os futuros do Brent começaram a negociar na sessão asiática (pelas 22:00 em Lisboa) e a queda das cotações foi imediata. No espaço de segundos o Brent afundou 31% para negociar nos 31,02 dólares por barril.
O Brent chegou a cair 31,48% para 31,02 dólares, sendo que minutos depois do arranque da sessão marcava uma queda de 22,5% para 35,07 dólares. O WTI, em Nova Iorque, afundou um máximo de 27,33% para 30 dólares e segue agora com uma queda de 22,14% para 32,14 dólares.
Segundo a Bloomberg, trata-se de uma das pressões vendedoras mais fortes de sempre e a desvalorização diária mais abrupta desde que os Estados Unidos invadiram o Iraque em 1991. As cotações estão agora em mínimos de fevereiro de 2016, altura em que chegaram a estar abaixo dos 30 dólares.
As ações também estão a sofrer com esta queda abrupta nas cotações do petróleo. Os futuros sobre o índice norte-americano S&P500 descem mais de 3%, apontando para mais um dia negro nos mercados acionistas esta segunda-feira.
Cotações podem descer para os 20 dólares, diz Goldman Sachs
De acordo com o Goldman Sachs, esta guerra entre a OPEP e a Rússia poderá provocar perdas ainda mais acentuadas nos preços da matéria-prima. O banco norte-americano estima que o Brent pode cair até aos 20 dólares por barril, nível que representa o mínimo em que muitos dos produtores de petróleo podem "sobreviver".
Esta estratégia surpresa da Arábia Saudita vem alterar por completo o "outlook" para o mercado de petróleo e gás, diz o banco norte-americano, que estima agora um preço médio de 30 dólares por barril para o segundo e terceiros trimestres deste ano.
"A guerra de preços entre a OPEP e a Rússia começou este fim de semana", diz o Goldman Sachs, assinalando que as perspetivas para o mercado petrolífero são agora mais duras do que em novembro de 2014, quando também existiu uma guerra de preços, uma vez que agora "assistimos a um colapso significativo do lado da oferta devido ao coronavírus".
Mesmo antes do início da negociação pelas 22:00 (hora de Lisboa), os analistas já antecipavam que o preço do petróleo, que já desce mais de 30% este ano, reagisse em forte queda. "Isto está a ficar feio. É possível que o barril chegue aos 30 dólares", disse esta tarde à Bloomberg Doug King, co-fundador do hedge fund Merchant Commodity Fund.
"No próximo trimestre vamos ter a cotação do petróleo no nível mais baixo em 20 anos" comentou à Bloomberg Roger Diwan, consultor da IHS Markit. A confirmar-se, o barril irá negociar abaixo dos 20 dólares.
Há quarenta anos, quando a Arábia Saudita também lançou uma guerra de preços no mercado petrolífero, o Brent atingiu um mínimo histórico nos 9,55 dólares.
Membros da OPEP livres para aumentar produção. Arábia Saudita ameaça níveis recorde
O atual acordo em vigor na OPEP+ (redução de 2,1 milhões de barris por dia) termina em março e a partir do próximo mês cada produtor é livre de colocar no mercado o que entender.
A Arábia Saudita já anunciou que em abril vai produzir mais de 10 milhões de barris de petróleo por dia (contra 9,7 milhões este mês) e está disponível para chegar aos 12 milhões de barris por dia, o que representa um nível recorde.
Além disso, a Saudi Aramco (petrolífera estatal saudita) aplicou o maior corte em cerca de 30 anos ao preço do barril que cobra aos seus clientes. Uma descida entre 6 a 8 dólares por barril que visa inundar o mercado de petróleo saudita e deixar os outros produtores sem mercado para escoar a sua produção.
Segundo a Reuters, outros produtores árabes, como o Iraque e o Koweit, vão seguir a estratégia da Arábia Saudita de aumentar a produção e reduzir os preços.
Segundo a Bloomberg, os responsáveis sauditas estão mesmo em contacto com os maiores consumidores de petróleo do mundo, oferecendo descontos agressivos se estes fecharem contratos de imediato para comprar petróleo saudita. Nestas conversações, aos clientes de petróleo russo estão a ser oferecidas as melhores condições, pois o objetivo dos sauditas passa por infligir o maior dano possível aos produtores russos.
O crude Arab Light está a ser oferecido às refinarias do norte da Europa com um desconto de cerca de 10 dólares face ao preço do Brent (petróleo cotado de referência na Europa). O Ural (crude russo) está a ser transacionado com um desconto de apenas 2 dólares face ao Brent.
"Jogada de alto risco" que já falhou no passado
A Bloomberg adianta que o objetivo da Arábia Saudita passa por fazer este raide da forma mais agressiva possível para que o dano sobre os restantes produtores seja tão grande que estes não tenham outro caminho que seja aceitar os cortes de produção que os sauditas pretendem.
Esta estratégia dos sauditas representa um choque para o mercado petrolífero, mas não é totalmente nova. Quando os produtores norte-americanos de petróleo de xisto começaram a ganhar escala no mercado, os sauditas também inundaram o mercado de petróleo. O objetivo passava por levar as cotações da matéria-prima para níveis que tornavam incomportável para estes produtores norte-americanos continuarem a extrair petróleo.
Mas a estratégia na altura falhou, com o excesso de oferta no mercado a atirar os preços para níveis inferiores a 30 dólares por barril no início de 2016. Foi então a que a OPEP, liderada pela Arábia Saudita, se juntou à Rússia e a outros produtores fora do cartel para, em conjunto, voltarem a tomar as rédeas do mercado petrólifero. A OPEP+ começou a reduzir os níveis de produção e os preços começaram a recuperar. Agora, com o colapso da OPEP+, a Arábia Saudita voltou ao ataque e tem na Rússia o seu principal "inimigo".
"A Arábia Saudita está agora numa guerra de preços total", disse à Bloomberg Iman Nasseri, diretor da consultora petrolífera FGE.
Esta jogada de alto risco também traz danos colaterais para os sauditas. As ações da Saudi Aramco (cotada mais valiosa em todo o mundo) afundaram perto de 10% e as receitas do reino vão afundar devido ao preço mais reduzido da matéria-prima. No entanto, a Arábia Saudita entende que é dos países que melhor resistirá a um choque nos preços do petróleo que sairá mais forte desta guerra que aceitou endurecer.
"É certamente uma estratégia de alto risco e que coloca muito em jogo", disse à Bloomberg Tim Foz, economista de um banco do Dubai. Na reunião em Viena nesta semana não houve entendimento e "o mercado atribui uma baixa probabilidade a seja possível chegar a um entendimento nas próximas semanas".
jornaldenegocios.pt
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