AUTOPROCLAMAÇÃO E SANÇÕES, DIVERSIONISMO E METACRONISMO NA LÓGICA OCIDENTAL
Por Jorge Herbert
Permitam-me meter a minha foice na seara a ser cultivada entre dois amigos, Fernando Delfim da Silva e Fernando de Castro Fernandes, para dizer que primeiro li o post do primeiro amigo intitulado "Regime de sanções: anacronismo e diversionismo" que, apesar de ir ao encontro daquilo que penso, achei que o autor foi brando na sua intervenção, talvez condicionado pelas funções diplomáticas que ocupa. Por outro lado, comecei a ler a resposta a esse post do primeiro amigo pelo segundo amigo e não fiquei estupefacto, porque aquilo que vi foi um amigo a tentar convencer a outro amigo sobre aquilo em que ele mesmo no seu âmago não acredita, a avaliar pela superficialidade com que a defende, utilizando a já gasta linha de argumentação montada e difundida até a exaustão pelo candidato presidencial derrotado.
Seguindo a sua linha de argumentação, começo pela utilização adjetivação do atual Presidente da República da Guiné-Bissau de “autoproclamado”.
Para nos situar melhor, sempre que discuto denominações, conceitos ou rótulos, tenho por hábito fazer o exercício de procurar o verdadeiro significado da palavra, por vezes recorrendo até a sua origem etimológica. Assim fiz com a palavra “Autoproclamação” e o que encontrei é que se trata de um ato de anúncio em público de uma decisão unilateral. Podemos ter a tentação de pensar que o PAIGC, por ter autoproclamado a independência da Guiné-Bissau, habituou-se ao termo com origem revolucionária, por isso resgatou-a para adjetivar o atual Presidente da República, mas este PAIGC dos “rapazinhos de praça”, nada tem a ver com o espírito revolucionário que norteou o PAIGC de Cabral e seus companheiros e que levou ao ato unilateral nas matas de Madina de Boé. Este PAIGC “modernizado”, é um partido com fortes influências e assimilação de conceitos ocidentais, pelo que só posso concluir que foram procurar o termo “Autoproclamado” na adjetivação negativa que a Imprensa ocidental usou até a exaustão para ao “Autoproclamado Estado Islâmico”, tentando mais uma vez, como muitas vezes fizeram, subrepticiamente conotar a etnia e a religião do atual Presidente da República da Guiné-Bissau com as práticas terroristas do Estado Islâmico.
Em todo o caso, meu caro Fernando Castro Fernandes, para o seu esclarecimento, o atual Presidente da República da Guiné-Bissau é tudo, menos “Autoproclomado” e não o tornará, porque o PAIGC e os seus apoiantes assim querem e repetem-no até a exaustão. Não o é, porque não acordou um dia e saiu à rua com militares armados a dizer que é, a partir de hoje, o Presidente da República da Guiné-Bissau. Cumpriu sim, sobre a dor e a mágoa dos militantes e apoiantes do PAIGC e do seu líder, todos os preceitos legais e Constitucionais para aceder ao cargo. Submeteu-se por duas vezes ao escrutínio popular e foi declarado vencedor, pelo único órgão com poder para o efeito, quando não existe nenhuma reclamação nas mesas eleitorais. Esses escrutínios a que se submeteu, foram supervisionados por observadores estrangeiros e por órgãos judiciais guineenses que validaram todo o processo eleitoral e consideraram-na “livres, justas e transparentes”, com uma elevada participação e demonstração de um elevado nível de civismo e participação política dos guineenses. Infelizmente, esse nível depois não foi mantido pelo candidato derrotado, apenas como forma de evitar a sua anunciada morte política, depois dele mesmo ter reconhecido telefonicamente que, segundo os dados que tinha, tinha perdido as eleições! Para além da validação do ato eleitoral pelos observadores internacionais e pela Procuradoria Geral da República guineense, a Comissão Nacional de Eleições foi obrigada a declarar o vencedor por 3 ou 4 vezes e, uma das vezes, na presença de uma Comissão destacada pela CEDEAO, organização patrocinada pela própria ONU, para em conjunto com a UA monitorar a situação política na Guiné-Bissau.
Na linha de argumentação e posicionamentos diversionistas e metacronistas, a que nos habituou o candidato derrotado, socorre-se do facto de a tomada de posse do Presidente da República não ter esperado pela decisão do STJ sobre o processo movido pelo candidato derrotado e dos moldes em que decorreu a tomada de posse do Presidente da República, para convictamente continuar a denominá-lo “Autoproclamado”! Não é minha intenção fazer com que deixe de denominá-lo dessa forma, porque primeiro já percebi que é essa lógica argumentativa que resta ao candidato derrotado e os seus apoiantes e hão-de explorá-lo até a exaustão, mesmo perante todas as evidências do contrário. Em todo o caso, devo esclarecê-lo que, segundo a lei eleitoral e a Constituição guineense, o único órgão com poderes para o anúncio dos resultados eleitorais, é a Comissão Nacional das Eleições e, o Supremo Tribunal de justiça não tem poderes para dirimir conflitos eleitorais sem ser em forma de recurso a um contencioso previamente despoletado nos órgãos eleitorais. Portanto, o STJ para satisfazer uma determinada agenda que desconhecemos, cometeu uma ilegalidade em aceitar analisar esse recurso do candidato derrotado, metendo-se numa “camisa de força”, insistindo em despi-la apenas de uma determinada forma, o que feria gravemente a lei eleitoral guineense! De qualquer das formas, esse argumento do candidato derrotado para tentar bloquear o país, hoje já se ter tornou metacrónico, por isso caro Fernando Castro Fernandes, está cada vez mais perto de assumir que Úmaro Sissoco Embaló é o seu Presidente Consitucional!
Quanto ao espaço físico onde decorreu a sessão da ANP de empossamento do Presidente da República, é outro argumento falacioso, porque essa possibilidade está prevista no Regimento da ANP. No que concerne ao facto da sessão ter sido presidida pelo segundo vice-presidente da ANP, também está previsto no Regimento da ANP que, no caso de impedimento do Presidente da ANP, o primeiro vice-presidente pode convocar a sessão da ANP. Ora, o Presidente da ANP mostrava-se indisponível para convocar esse ato, por se encontrar completamente manietado pelos interesses partidários, aliás, o que lhe levou a bloquear o próprio órgão do Estado a que preside, durante uma legislatura inteira, porque aparentemente o problema da Guiné-Bissau centrava-se no então Presidente da República José Mário Vaz, que ousou demitir um Primeiro-ministro do PAIGC… Espero que me poupe de trazer as referências específicas da nossa legislação que enquadra esses atos, exercício que fiz quando fui convidado para um debate na RTP África, que em cima de hora foi transformada numa breve e incómoda entrevista e que não disponho de tempo para voltar a fazê-lo…
Quanto as eventuais sanções das Nações Unidas, propaladas pelo seu Secretário Geral, não passa efetivamente de um ato diversionista e metacronista, uma vez que os atos dos nossos militares até hoje, inseriram-se na lógica de submissão ao poder político consagrado nas urnas e previstos na Constituição da República. Sabemos que a Guiné-Bissau como qualquer país do mundo está inserido e submetido à lógica de Organizações Internacionais, mas o desrespeito pela Guiné-Bissau e pelos nossos órgãos do Estado foi criado por aqueles que hoje se juntam em coro aqui for a, a solicitar sanções a civis e militares guineenses. Felizmente, cada vez mais os filhos da Guiné-Bissau recusam essa lógica de submissão e, compreendem que essas sanções, muitas vezes chocam com a legalidade e alguns direitos fundamentais do ser humano, sendo até decididos de forma unilateral, sem ouvir o contraditório do sancionado, respeitando apenas determinados interesses políticos, grande parte das vezes na lógica do lobbie que domina as instituições sancionatórias. Para mim, a manutenção das sanções aos nossos militares e a ameaça de sanções, enquadram-se no último recurso do lobbie ocidental que apoia o candidato derrotado, tentando criar um sentimento de revolta dos militares em relação à classe política e dessa forma abrir uma grande fissura entre a classe castrense e a política. Compete agora a classe política guineense ser forte e dura na resposta, denunciando essa estratégia e o lobbie ocidental que a sustenta, para que o mundo perceba que a Guiné-Bissau e os seus militares são, efetivamente, vítimas de um sistema orquestrado a partir do ocidente, com conluio de alguns guineenses, que levou o país ao atraso e à miséria, desde a sua independência. Essa lógica nota-se no discurso do Fernando castro Fernandes, quando secundariza decisões da CEDEAO, afirmando o seguinte:
“Quanto ao reconhecimento de Sissoco Embalo por parte da CEDEAO, isso são contas de outro rosário pois ela é uma organização sub-regional africana e as suas decisões trazem, muita das vezes, água pelo bico...É a nossa África com a riqueza da sua idiossincrasia, mas também com todo o seu anacronismo, simbolismo, diversionismo, misticismo, corrupção, etc, etc.!”
Para o amigo de Fernando Delfim da Silva, no maravilhoso mundo novo do Ocidente que construiu no seu imaginário, não existe idiossincronismo, anacronismo, simbolismo, diversionismo, misticismo, corrupção, apesar de ser mais difundido diariamente na comunicação social dos países ocidentais, por isso as decisões partidas de órgãos ocidentais devem ser mais valorizadas que aquelas tomada por órgãos africanos, mesmo aqueles cujas intervenções foram subvencionadas pela própria NU! Para mim, essa é a lógica dos apoiantes do líder derrotado! Albergar-se em interesses ocidentais e minimizar tudo o que se faz e se decide, por parte dos países e organizações africanas, apenas pela necessidade da conquista do poder, por aquilo que representa o poder!
Em todo o caso, ao Sr. Fernando castro Fernandes, aconselho-o a aconselhar o Secretário Geral das Nações Unidas em não sancionar apenas os guineenses (o chamado abuso aos mais fracos), mas também apadrinhar fortes sanções a todos os observadores internacionais que assistiram e validaram as últimas eleições presidenciais na Guiné-Bissau, aos membros da CEDEAO e os líderes dos países que reconheceram Úmaro Sissoco Embaló como Presidente da República da Guiné-Bissau. Em relação as sanções às nossas gloriosas Forças Armadas, julgo que essa defesa tem de ser assumida e patrocinada com a envolvência de toda a Sociedade Civil Guineense, através de uma ação judicial, junto de um Tribunal Internacional, com poderes para dirimir esses conflitos. Pessoalmente, podem contar com a minha colaboração. Não podemos deixar as nossas gloriosas Forças Armadas enfrentar sozinhos essa injustiça que continue a pender sobre eles, depois de anos de exemplar comportamento republicano!
Para terminar, aconselho ao Fernando Castro Fernandes, para também denominar ao Presidente da República do país onde vive, Jorge Carlos Fonseca, de autoproclamado, porque chegou ao poder pelas mesmas vis que Úmaro Sissoco Embaló, a quem já recebeu como vencedor das eleições presidenciais na Guiné-Bissau.