Será que já temos a chave para salvar pacientes com Covid-19 e não sabemos? No final da semana passada, a Organização Mundial da Saúde anunciou o lançamento de um grande estudo chamado Solidarity para descobrir o tratamento que o mundo agora mais precisa. Num esforço sem precedentes, o mega ensaio poderá incluir muitos milhares de pacientes em dezenas de países – e deverá ser muito simples, para que todos possam participar. E como a necessidade aguça o engenho, em vez de irem à procura de compostos que ainda não existem, os investigadores e agências de saúde pública resolveram redirecionar medicamentos já aprovados para outras doenças e conhecidos por serem amplamente seguros.
Assim, apesar de os cientistas terem sugerido dezenas de compostos já existentes para testes, a OMS preferiu concentrar-se nas quatro terapias agora consideradas mais promissoras. E a forma de participar no ensaio será fácil. Quando alguém infetado for elegível, o próprio médico pode inserir os dados do paciente no site da OMS, incluindo qualquer condição subjacente que possa mudar o curso da doença, como diabetes ou VIH. Depois de o paciente assinar o formulário de consentimento, a informação é enviada à OMS por via eletrónica. O médico indicará quais os medicamentos existentes no seu hospital e o site determinará se mantém o tratamento que está a fazer ou passa a fazer outro.
“Depois disso, não são necessárias mais medidas ou documentação”, sublinha Ana Maria Henao Restrepo, médica do Departamento de Vacinas e Biológicos de Imunização da OMS, citada pela Science. A seguir, os médicos registarão o dia em que o paciente deixou o hospital, a duração do internamento e se o paciente necessitou de oxigénio ou ventilação. “E é tudo”, remata, sobre a ideia que surgiu há menos de duas semanas e que agora se espera seja instalada em poucos dias.
À procura de um medicamento….
Remdisivir
Cenário no Congo, durante o último surto JOHN WESSELS/AFP via Getty Images)
Originalmente desenvolvido pela Gilead Sciences para combater o ébola, o que o Remdesivir faz é desligar a replicação viral, ao inibir uma enzima viral chave neste tipo de transmissão. Foi testado no ano passado durante o surto que surgiu na República Democrática do Congo, juntamente com outros três tratamentos. Nenhum teve qualquer efeito. Mas a enzina que visa é semelhante em outros vírus, e em 2017 pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte, Chapel Hill, mostraram, em testes, que poderá inibir os coronavírus que causam SARS e MERS, outras infeções respiratórias graves. Um primeiro paciente com Covid-19 diagnosticado nos EUA recebera já este medicamento quando a sua condição piorou. Um dia depois, estava melhor. A mesma experiência ocorreu com um outro doente também americano, que os médicos julgaram que não ia sobreviver, e ele recuperou.
Cloroquina e hidroxicloroquina
Foi muito elogiado por Trump, na semana, passada, e isso provocou já uma corrida a esta dupla de medicamentos anti malária – em alguns casos, com resultados muito negativos. Mas a atenção que muitos países passaram a dar-lhe também teve outro efeito: alterou a decisão do painel científico da OMS, que inicialmente optara por deixar de fora esta opção. “O grande interesse despertou a necessidade de reavaliar”, considerou aquele grupo de investigação.
De momento, os dados disponíveis são limitados. Sabemos que estes medicamentos funcionam diminuindo a acidez nos endossomos, uns compartimentos dentro das células que eles usam para ingerir material externo, e que alguns vírus podem agregar para entrar na célula.
Neste caso, a maior dificuldade é que a porta de entrada usada por este novo coronavírus é diferente: usa antes a chamada proteína S para se conectar a um recetor na superfície das células humanas. Estudos em cultura de células sugeriram que a cloroquina tem algum efeito sobre este SARS-CoV-2, mas as doses necessárias são geralmente altas, e podem causar sérias toxicidades. Mas inicialmente os resultados deste medicamento contra outras doenças vira is também não resultou.
Em pacientes com Covid-19, os efeitos já obtidos não são muito claros. Alguns investigadores chineses garantam que conseguiram tratar mais de cem pessoas com cloroquina – mas esses dados não foram publicados. A OMS procura agora envolver alguns desses cientistas neste mega ensaio. Em França, há quem relate ter tratado cerca de 20 pacientes com hidroxicloroquina, também usado contra a malária e doenças autoimunes. Segundo as suas observações, foi possível reduzir significativamente a carga viral, em zaragatoas nasais. Mas não foi um estudo controlado nem relatou resultados clínicos.
Ao que se sabe, em alguns casos a hidroxicloroquina pode fazer mais mal do que bem, dados os efeitos colaterais já conhecidos. E em pessoas com problemas cardíacos, o risco parece ser ainda maior.
Ritonavir / lopinavir
VIH: Primeiro caso de cura reportado
A combinação fez maravilhas pelos doentes de sida
A associação é sobejamente conhecida no tratamento de doentes com sida. Aprovado desde 2000, o seu maior feito é reduzir a replicação do vírus. A esperança agora é que tenha o mesmo efeito em outros casos: digamos que já foi testado em pacientes com Sars e Mers – a síndrome respiratória que afetou sobretudo o Médio Oriente entre 2012 e 2014 – mas os resultados dos ensaios foram muito ambíguos.
Um primeiro estudo aplicado à Covid-19 também não foi muito encorajador. Reza a história que houve médicos em Wuhan, na China que usaram a dupla medicamentosa em cerca de 200 pacientes. Mas estavam já em estado muito crítico e um quinto deles morreu, o que sugere que, eventualmente, o medicamento pode ter sido dado tarde demais para surtir o efeito pretendido. Os médicos alertaram ainda para danos significativos no fígado.
…Em tempo recorde
Ritonavir / lopinavir + interferão-beta
A epidemia de Mers espalhou-se por toda a zona oriental do planeta e não foi fácil de controlar Foto by Chung Sung-Jun/Getty Images
Há ainda a intenção de combinar aqueles dois antirretrovirais com interferon-beta, fármaco usado para tratar doenças como a esclerose múltipla. A razão para também apostar nesta associação prende-se com o facto de já ter tido efeito em macacos infetados com MERS. Uma combinação dos três medicamentos está já a ser testada em pacientes com MERS na Arábia Saudita. Mas receia-se ainda que o uso de interferon-beta em pacientes com COVID-19 grave possa ser arriscado: “Se for administrado no final da doença, em vez de ajudar, pode provocar danos nos tecidos dos doentes”, avisa a responsável da OMS.
Diga-se, ainda, que o teste pode mudar a qualquer momento. Um comité global vai monitorizar os resultados em intervalos regulares e decidirá se algum já tem um efeito claro ou se deve ser descartado. Há ainda a possibilidade de outros medicamentos, como o favipiravir, produzido pela Toyama Chemical, do Japão, serem adicionados ao estudo.
“Desenvolver uma pesquisa clínica rigorosa durante um surto é sempre um desafio”, diz Henao Restrepo, “mas é a melhor maneira de avançar contra o vírus”.
Fonte: visao.sapo.pt
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