Dw.com 19/04/23
O grupo russo Wagner, que tem laços com o Kremlin, é um dos atores mais influentes em África. Milhares de mercenários estão ativos em vários países. No Sudão, tudo indica que estará também envolvido nos atuais combates.
Sudão, República Centro-Africana (RCA), Líbia e Mali são exemplos das diferentes formas de atuação do grupo em África. Na RCA, segundo o embaixador russo, os "instrutores russos" apoiam as tropas governamentais na guerra civil de 1890.
Na Líbia, diz-se que cerca de 1200 mercenários combatem do lado do líder rebelde Chalifa Haftar.
No Mali, a junta militar - pró-russa e anti-ocidental - também trouxe, segundo observadores, centenas de combatentes do grupo Wagner, que são acusados de graves violações dos direitos humanos no país.
E no Sudão, atualmente assolado por conflitos violentos entre militares, também está presente um número significativo de mercenários do grupo russo.
Pelo menos 270 pessoas foram mortas e mais de 2 mil ficaram feridas nos confrontos dos últimos dias no SudãoFoto: Mahmoud Hjaj/AA/picture alliance
Sudão: "Chave" da Rússia em África
Mas a presença do grupo Wagner em África vai muito mais longe, dizem os especialistas. "Ao longo do tempo, o grupo Wagner evoluiu para além dos serviços militares privados para uma teia de relações e negócios com empresas em vários países africanos", disse à DW Julian Rademeyer, analista da Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional (GIATOC).
No Sudão, já durante o Governo de Omar al-Bashir - deposto em 2019, após três décadas no poder - foram concedidas licenças de exploração de minas de ouro à empresa russa M-Invest, que acredita-se ser controlada pelo oligarca e chefe do grupo Wagner Yevgeny Prigozhin. O contrato de segurança das minas da M-Invest também está nas mãos do grupo Wagner.
"Wagner não é um exército, mas um grupo mercenário, que não tem existência legal, porque a Rússia em si mesma proíbe a existência de empresas militares privadas, mas de certa forma permite que empresas militares russas privadas operem fora da Rússia", explica em entrevista à DW um representante do coletivo de pesquisa "All Eyes on Wagner" (Todos os olhos no grupo Wagner), que para a sua proteção é identificado pelo pseudónimo de Gabriel, explica.
Em 2017, Al-Bashir e Putin reuniram-se em Sochi para dar início a uma "nova fase" de cooperação. Al-Bashir prometeu a Putin que o Sudão poderia servir a Rússia como "chave para África" - e garantiu apoio militar em troca, o que acabou por não impedir o seu derrube, em abril de 2019.
De acordo com investigações do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, diz-se que a Wagner mantém uma base no aeroporto da capital do Mali, BamakoFoto: CSIS/High Resolution/Maxar 2021
Exploração de recursos
Os mercenários do grupo Wagner conseguiram aumentar a sua influência sobre os militares sudaneses. O governo militar procura o controlo sobre o Sudão a todo o custo, ao que tudo indica com o apoio de mercenários russos. Em troca, o Kremlin ganha acesso a minas de ouro mais lucrativas.
Várias reportagens já denunciaram que a Rússia está principalmente interessada em garantir o acesso às valiosas matérias-primas do país. Algumas chegam mesmo a referir que a Rússia está a "saquear" ouro no Sudão para impulsionar a guerra de Putin na Ucrânia. De particular interesse para a Rússia são também as jazidas de urânio.
O analista Julian Rademeyer vê o grupo Wagner principalmente como um instrumento militar do Kremlin para a crescente influência económica e militar da Rússia em África. O Sudão, diz, é apenas um dos muitos exemplos.
Agradecimentos aos mercenários da Wagner no Mali, onde a junta militar considera a Rússia um aliadoFoto: Florent Vergnes/AFP/Getty Images
Guerra na Ucrânia - novos planos em África?
As atividades económicas do grupo russo em África continuam a crescer, apesar de os mercenários do grupo Wagner estarem agora a lutar abertamente do lado russo na guerra contra a Ucrânia.
"Em alguns casos, muitos mercenários foram retirados [de África ] para lutar na Ucrânia, mas outros permanecem no terreno", diz o analista do GIATOC. "As atividades continuam, por vezes a um nível inferior. Mas não há sinais de que a guerra na Ucrânia conduza à retirada dos mercenários Wagner de África", conclui Rademeyer.
Pelo contrário: pouco antes do aniversário do início da guerra a 24 de fevereiro, o Wall Street Journal noticiou, citando fontes dos serviços secretos norte-americanos, que o grupo Wagner no Chade estava a planear um golpe juntamente com os rebeldes locais.
Rademeyer receia que o grupo "continuará a crescer em África, enquanto não houver intervenção contra estas influências. A Europa e os seus parceiros precisam de trabalhar mais com África".