Por cnnportugal.iol.pt
Macron prepara-se para anunciar o próximo chefe de Governo. Lecornu ou Bayrou são nomes prováveis, Gérald Darmanin nem por isso: "Sei de fonte segura que ele não quer arriscar-se a danificar a sua reputação"
Levou cinco anos a reconstruir a Catedral de Notre Dame após um enorme incêndio ter destruído grande parte de um dos mais icónicos monumentos de Paris – e foi na Notre Dame que Emmanuel Macron se apoiou quando falou à nação quinta-feira à noite, um dia depois de o governo de Michel Barnier ter caído na esteira de uma moção de censura parlamentar, face aos seus planos orçamentais para 2025.
“Somos capazes de fazer grandes coisas… podemos fazer o impossível”, disse o Presidente num discurso transmitido na televisão estatal, sob a promessa de anunciar nos próximos dias quem vai ser o próximo primeiro-ministro de França. A tarefa, dizem os especialistas, é no mínimo hercúlea.
“O problema neste momento é que está muita coisa a acontecer e as escolhas com que Macron lida são as mesmas – e encerram os mesmos problemas – que no verão passado”, refere à CNN Julien Hoez, editor do The French Dispatch e especialista em geopolítica, referindo-se às negociações que decorreram no rescaldo das legislativas que Macron antecipou para julho, após uma enorme derrota nas europeias no mês anterior.
Com a Assembleia Nacional dividida em três grandes blocos, sem nenhum partido em maioria, passaram semanas entre essa ida às urnas e o anúncio do tecnocrata Barnier para o cargo de primeiro-ministro. E 90 dias depois, o ex-negociador da UE para o Brexit tornou-se o chefe de governo francês que menos tempo permaneceu no cargo na história do país.
A dura crise política que França atravessa neste momento está cheia de pequenos recordes pelos piores motivos. Um governo não caía em França pela mão dos seus deputados desde 1962, quando George Pompidou foi alvo de uma moção de censura semelhante à que depôs Barnier esta semana. E é a primeira vez em 45 anos que o país chega ao fim do ano sem ter um Orçamento do Estado aprovado para o seguinte – algo que Macron ainda está a tentar evitar.
“Sejamos honestos: esta é uma situação muito, muito complicada”, sublinha Julien Hoez. “Tecnicamente, Barnier continua em funções até um novo primeiro-ministro ser nomeado e o que acontece agora é que o Parlamento vai ter de tentar aprovar um Orçamento ou manter o deste ano para o próximo.”
Numa altura em que a sustentabilidade da dívida francesa está em risco, com os juros da dívida pública a atingirem o valor mais elevado face à Alemanha desde a crise da Zona Euro em 2012, a aprovação de um OE é a grande urgência que pende sobre a cabeça de Macron como a espada de Dâmocles – e que levou o Presidente a prometer um novo governo para breve.
O jogo dos nomes e das alianças
Os nomes apontados ao cargo são os mesmos que, há meio ano, encheram a comunicação social francesa. Na iminência da queda do Governo Barnier, o analista francês Eric Maurice, do European Policy Center, dizia à CNN Portugal que ia aumentar a pressão sobre o Presidente “para tentar separar os socialistas da esquerda mais radical” com que se coligou na Nova Frente Popular (NFP) para as eleições de julho, na tentativa de se formar um “bloco governamental entre o centro-esquerda e o centro-direita, algo que falhou durante o verão”.
Esta sexta-feira, das audições de Macron com representantes de alguns partidos no Palácio do Eliseu constou uma com o líder do Partido Socialista (PS), Olivier Faure, que se diz preparado para alcançar um compromisso com o Presidente centrista. “Estou preparado para discutir todos os tópicos e ver o que é possível fazer numa base de curto prazo”, disse Faure à rádio francesa. “Temos de encontrar uma solução porque não podemos deixar que o país fique em suspenso durante meses.”
À esquerda sobressaem os nomes do antigo primeiro-ministro Bernard Cazeneuve, do antigo Presidente François Hollande e daquela que a NFP, incluindo o França Insubmissa (LFI, extrema-esquerda) de Jean-Luc Mélenchon, queria há alguns meses como chefe do Governo, Lucie Castets. Mas nenhum será visto favoravelmente pelos centristas nem pela direita.
“Sim, os socialistas estão a negociar, mas o problema é que querem um primeiro-ministro de esquerda e, por exemplo, o ministro do Interior já disse que não aceita um primeiro-ministro de esquerda”, diz Julien Hoez. “Basicamente está toda a gente a fazer o jogo de erguer barreiras para tentar manter controlo sobre a situação e isso significa que provavelmente vamos acabar por ter alguém do campo de Macron.”
Além dos nomes já apontados na barricada oposta à de Macron, o especialista diz que existe uma outra figura da esquerda dita moderada com potencial de sucesso, Gérald Darmanin, mas “ele não quer o cargo porque está preocupado que isso arruíne as suas hipóteses nas presidenciais de 2027”. “Ele não o disse às claras, mas sei de fonte segura que ele não quer arriscar-se a danificar a sua reputação.”
Sendo então mais provável voltar a ter um primeiro-ministro centrista, quais os nomes com mais potencial de sucesso? Hoez começa por referir François Bayrou, um veterano centrista do partido MoDem - que integra a aliança de Macron desde 2017 - “que teria alguma capacidade de apelar a uma parte do PS” para não ser sujeito a uma nova moção de censura parlamentar e que também não é tido pela extrema-direita de Le Pen como a pior opção.
Ainda assim, adianta o analista francês, o ministro da Defesa “Sebastien Lecornu é potencialmente a melhor escolha porque detém um cargo relativamente poderoso e tem uma reputação forte – o senão é ser visto como um dos mais fiéis a Macron”, o que pode trazer problemas num Parlamento tão fragmentado como o atual.
Com a queda do Governo Barnier, o Presidente voltou a estar sob enorme pressão para se demitir, algo que voltou a garantir esta semana que não fará e algo que, adianta Hoez, é muito improvável que aconteça, independentemente dos próximos episódios desta saga política em França.
“Ele não tem qualquer razão para se demitir e não teria nada a ganhar com isso. É o Presidente, foi eleito para um segundo mandato e demitir-se seria dar as chaves do manicómio aos reclusos, eles iriam lutar uns com os outros e sentir que podem fazer o que quiserem.”
Macron fica até 2027, mas o resto do seu mandato vai seguramente continuar mergulhado em crises. E numa altura de enormes tensões geopolíticas, com Donald Trump a um mês de tomar posse como Presidente dos EUA, nada disto augura boas novas para França – nem para a Europa. “As pessoas estão a pedir responsabilidade aos políticos franceses dada esta incerteza toda porque o mundo está instável e só vai ficar mais instável. Não podemos continuar a ter uma situação em que dois partidos extremistas mantêm um país refém porque os seus líderes querem chegar a Presidente.”
Para já, França deve continuar refém destas lutas políticas e quem quer que assuma as lides governamentais no imediato não deverá ficar no cargo muito tempo. “Basicamente existem todas as hipóteses de o próximo Governo também falhar”, aponta Julien Hoez, isto quando a Constituição francesa impede que haja eleições nos 12 meses seguintes à última ida às urnas. “O meu prognóstico é que vamos ter mais um ou dois governos antes de Macron ter de dissolver a Assembleia Nacional e convocar novas eleições para julho.”