Por cnnportugal.iol.pt 27/06/23
Ficaram conhecidos em 2014, no Donbass. Não tinham “insígnias” e vestiam-se “de verde” e foram inicialmente chamados de “The Little Green Men”. Prigozhin lidera o grupo desde o início, mas após desafiar Moscovo o seu paradeiro é agora desconhecido. A CNN Portugal falou com dois especialistas que conhecem bem este grupo: a sua história, em que países atuam e como ganham dinheiro
Yevgeny Prigozhin era um homem de confiança de Vladimir Putin e criou um grupo de mercenários quando a Rússia precisou. “Quando ocorreu a invasão do Donbass, a Rússia não queria aparecer como invasora, então criou um grupo sem insígnia, de homens armados, vestidos de verde”, recorda Victor Ângelo, especialista na área das Relações Internacionais e ex-secretário geral adjunto da Organização das Nações Unidas (ONU), em entrevista à CNN Portugal.
Os pequenos homens verdes (The Little Green Men), como eram conhecidos em 2014/ 2015, “porque estavam todos vestidos de verde, como militares, mas não tinham qualquer tipo de insígnia” que os identificasse, fosse por país ou batalhão, explica Victor Ângelo. Este especialista recorda que, então, os russos asseguravam não ter nada a ver com o eles e que se tratava de gente do Donbass.
O Grupo Wagner alimenta-se de guerra, conflitos e é pago a peso de ouro, até com diamantes, por quem o contrata. Victor Ângelo acredita que tenham um “financiamento direto do governo russo” e que, além de dinheiro, a remuneração também possa incluir equipamento, armamento, logística e transporte.
Depois do Donbass, “a primeira grande expedição do grupo foi na Síria, quando a Rússia começou a ajudar o regime de Bashar al-Assad. Foram enviados, já como grupo Wagner, para proteger as bases militares russas na Síria, nomeadamente a base marítima e a base aérea”, conta Victor Ângelo.
“Depois, começaram a entrar na parte leste Líbia para ajudar a rebelião contra Tripoli”. E o caminho continuou. Seguiu-se o Mali, “onde devem estar cerca de dois mil homens” do Grupo Wagner. E depois, “na República Centro Africana”. Fazem também “circulação de logística, de bens e de armas, entre o leste da Líbia e os rebeldes do Sudão” e, neste momento, “estão em negociações com o governo do Burkina Faso”.
Como grupo mercenário “não seguem qualquer tipo de regra internacional em termos de respeito pelos direitos humanos, pelas regras da guerra, pelas questões humanitárias. É pura e simplesmente entrar a matar”, acrescenta o ex-secretário geral adjunto da ONU. Este é mesmo um dos motivos que leva alguns governos a contratarem os seus serviços.
“As Forças armadas russas não têm grande vontade para os integrar”
A grande maioria dos elementos do Grupo Wagner encontra-se agora na Ucrânia, mas os acontecimentos mais recentes podem fazer “desmobilizar” muitos, até porque, segundo informação interna recolhida por Victor Ângelo, estes elementos não deverão ser acolhidos pelo exército russo. “Não serão integrados, são puramente desmobilizados, porque as Forças Armadas russas não têm grande vontade para os integrar”.
E há vários motivos. “Muitos deles são antigos criminosos e as Forças armadas não querem, que ao lado dos soldados profissionais, estejam a combater antigos criminosos, porque diminui o moral das forças armadas convencionais”.
Mas não só. “A segunda razão é que são pessoas sem preparação militar tradicional. Não passaram por todos os cursos e formação dos militares tradicionais. É gente que foi puramente recrutada e à qual foi dado uma arma e a quem foi dito, agora vais combater”, acrescenta.
Nos últimos “seis, sete meses” foram muitas a vezes que Yevgeny Prigozhin criticou duramente o Ministério da Defesa russo e esse discurso é passado a quem está no terreno. Se houvesse a integração destes homens no exército russo, “a partir desse momento, o ministro e o Chefe do Estado Maior General passariam a ter militares nos quais não poderiam confiar”.
O atual paradeiro de Prigozhin é desconhecido e a Bielorússia nunca poderia ser escolha para o líder do grupo Wagner, segundo Victor Ângelo. “Mais cedo, e provavelmente mais cedo do que mais tarde, acabaria por ser preso por Aleksandr Lukashenko”, próximo de Vladimir Putin, assegura.
E lembra casos recentes em que se tem verificado situações de “muita gente a cair de escadas” e “por razões que não têm comparação em termos de gravidade com aquilo que este homem fez”. Mesmo sem excluir a possibilidade de o líder do Grupo Wagner ter rumado a África, tem dúvidas, porque muitos desses países “estão muito subordinados à Rússia”. E, por isso, este especialista admite que Prigozhin procure provavelmente um dos estados do Golfo ou similar, geografias que têm, apesar de tudo, alguma independência. Independentemente do local onde se encontre, Victor Ângelo tem uma certeza: Prigozhin “está numa situação muito, muito difícil”.
“Na Ucrânia eles faziam aquilo que as tropas russas não podiam fazer, que são os crimes bárbaros”
José Manuel Anes é ex-presidente do Conselho Consultivo do OSCOT - o Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo, e o nome Wagner não lhe é nada desconhecido. Para este especialista a ligação do grupo a África é forte e deverá continuar. “Porque ali há matérias-primas”, explica. Recebem dos governos e ainda ficam matérias-primas da zona, seja “diamantes ao ouro”. Exploram minas e é assim que também garantem o financiamento do grupo. “Dinheiro não lhes falta”, afirma. Na região de África devem estar cerca de “cinco mil homens” admite.
Mas a grande maioria dos homens continua na Ucrânia. “Na Ucrânia eles faziam aquilo que as tropas russas não podiam fazer, que são os crimes bárbaros. Portanto, misturam a parte militar com saques, violações, tudo. É realmente um grupo problemático”. E não tem dúvidas que ao nível de grupos mercenários este é “atualmente” o pior de todos.
“Só o grupo Wagner conta. Não têm restrições. Não querem saber se o governo é legítimo, se é ilegítimo, se a ONU tem mandato, se não tem. Estão ali para governar a vidinha, mais nada”, acrescenta.
O futuro parece incerto, principalmente sem se saber onde está Yevgeny Prigozhin. “Ele pode estar na Bielorrússia, pode estar em África”. E para José Manuel Anes este é um destino bastante possível. “Pode ter ido para África porque, na verdade, ali ninguém importuna”.
Quanto aos milhares de homens que ainda permanecem na Ucrânia, assume que alguns poderão regressar a África. Outros talvez permaneçam onde estão, até porque se fala na possibilidade de “serem integrados nas tropas russas”. Mas esta não é uma garantia porque também existe a possibilidade de “conspirarem contra o Putin. É tudo possível. Do Wagner é tudo possível”.
O exército privado de Putin
A organização terá sido fundada por volta de 2007, na Rússia, por um ex-oficial do exército russo, Dmitriy Valeryevich Utkin, com o apoio de Yevgeny Prigozhin, um oligarca russo com laços estreitos ao Kremlin. E é por isso, que muitos tratam o Grupo Wagner como um exército privado de Vladimir Putin.
As informações sobre o ex-oficial do exército russo Dmitriy Valeryevich Utkin são escassas. Terá servido como tenente-coronel das forças especiais do GRU (Direção Central do Estado-Maior das Forças Armadas da Rússia) e recebido quatro Ordens de Coragem. Nasceu a 11 de junho de 1970 em Asbest, na Rússia.
Já Yevgeny Prigozhin é conhecido como "o chef de Putin". A alcunha virá do facto de ter feito fortuna em negócios de catering na década de 90. Terá conhecido Putin em 2001, no seu restaurante de luxo em São Petersburgo, o New Island, e em pouco tempo passou a fazer parte do círculo próximo do líder russo.
Dmitriy Valeryevich Utkin será o homem responsável pelo nascimento do Grupo, que só se torna visível aos olhos do mundo em 2014, durante a Guerra civil no leste da Ucrânia, o Donbass. É nessa altura que surgem relatos de soldados ucranianos que se cruzaram com homens fardados de verde, mas sem símbolos e que falavam russo. Os tais “Pequenos Homens Verdes”.